Crítica A Garota no Trem
A visão turva de vidas imperfeitas
“Ex-mulheres e facebook não combinam.”
Todas as manhãs Rachel pega o trem para Nova Iorque, e, em determinado trecho, ela observa pela janela, de maneira hipnótica, a vida de um casal de jovens apaixonados. Em sua mente, a mulher cria as mais variadas fantasias, colocando os consortes num pedestal da vida perfeita e sempre alimentando o desejo por essa vivência magistral, a qual está ao mesmo tempo tão perto e tão longe.
À face desse faz-de-conta, a cobiça pela felicidade alheia acaba se tornando fatal, ainda mais se você tiver um ex-marido com uma nova esposa e um bebê de colo, em sua antiga casa. Tudo isso com doses bem generosas de álcool.
Essa é apenas uma premissa básica de A Garota no Trem, drama norte-americano dirigido por Tate Taylor, escrito por Erin Cressida Wilson e com base no romance homônimo de grande sucesso da autora Paula Hawkins.
Mais a fundo a proposta do longa pretende abordar as fragilidades das pessoas envoltas nas traições, segredos e desejos de seus cônjuges ou respectivos, ao mesmo tempo que explora um machismo implícito nas sublinhas e problemas que a bebida causa aos seus dependentes.
Apesar de ter sua personagem principal definida, a moça que embarca diariamente no comboio, vivida por uma ótima Emily Blunt, divide o protagonismo com outras duas personagens, formando uma cadeia de eventos que induzem a asserção de um suspense em tela.
As atrizes Haley Bennett e Rebecca Ferguson, que compõem essa tríade, suscitam grandes embates no telespectador, os quais podem ser colocados em nossos círculos sociais diários, como alcoolismo, assédios, depressão e obsessão.
Completam o elenco principal, na ala masculina, Justin Theroux, Luke Evans e Édgar Ramírez, coadjuvantes que estruturam o drama de forma potencial, dando as bases para os segredos da história. Além disso, deve-se destaque para Allison Janney, no papel de oficial de polícia e também da friends Lisa Kudrow.
Tate Taylor explora bem a fotografia da película, imersa em cores frias e com pouco contraste, permeando diretamente as emoções dos indivíduos presentes. É no emaranhado de tons escuros e desfoques de câmera, munidos das grandes atuações de seus atores que o diretor busca uma certa melancolia para o filme e uma carga de suspense maior. A não-linearidade do roteiro também contribuí para esse propósito.
Porém, durante sua execução e clímax, ele acaba se perdendo por esse objetivo, e o trem para, ficando no meio do caminho entre passar uma mensagem e criar uma obra audiovisual mais objetiva com final impactante.
Se por um lado A Garota no Trem não atinge toda sua capacidade proposta em termos de suspense dramático, ele se supera na atuação de Emily Blunt, a qual faz jus à titularidade do longa e de futuras premiações.
Esse, em minha humilde percepção, é seu ponto negativo, trazendo uma certa exaustão para a narrativa e desperdiçando um potencial maior.
O longa perde sua chance de se aproximar de forma técnica, por exemplo, de Garota Exemplar, de 2014, dirigido por David Fincher, o qual mostra mais experiência na hora de editar um thriller. É uma exibição clara de como a mão de diretor pode fazer a diferença.
Se por um lado A Garota no Trem não atinge toda sua capacidade proposta em termos de suspense dramático, ele se supera na atuação de Emily Blunt, a qual faz jus à titularidade do longa e de futuras premiações.
Há um escárnio pragmático criado envolta dessa personagem, objeto direto de suas ações inconsequentes e doses de vodka, porém são tão importantes para a compreensão de sua personagem do que para o apedrejamento do seus atos. No final, ficamos com a mensagem: você enxerga o que você quer ver. Qualquer um pode ser a garota no trem.
Embarque no trem e descubra o que ela viu...