Crítica do filme A Lei da Noite

Nuances de um criminoso romântico

por
Fábio Jordan

23 de Fevereiro de 2017
Fonte da imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 7 min

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A época é de Oscar, mas hoje vamos falar de um filme que, apesar de promissor, não conseguiu uma vaga na tão cobiçada premiação.

Quem sabe, você nem sabia desta produção, porém tem um punhado de argumentos que justificam o hype e até discussões entre os cinéfilos que aguardavam mais uma grandiosa obra de Ben Affleck.

Diretor, roteirista, produtor, ator, cameraman, rapaz do café, responsável pela limpeza, estilista dos amigos, Bruce Wayne, Batman, forte, bonito e inteligente. Esses são os cargos de Affleck em “A Lei da Noite” filme que, com tantos pitacos do premiado diretor, prometia chegar na pinta do Argo, mas com uma proposta mafiosa e cheia de reviravoltas criminosas.

Quer mais? Além de Affleck em posições tão importantes, o filme ainda conta com Leonardo DiCaprio, Jennifer Todd (de “Amnésia”) e Jennifer Davisson Killoran (produtora de “O Regresso”) como produtores. Junte todas essa informações com “o esboço do filme começou faz cinco anos” e temos uma grande promessa.

A história se passa nos buliçosos anos 1920, quando a proibição da Lei Seca americana não interrompeu o fluxo de bebidas em estabelecimentos dirigidos por mafiosos.

A oportunidade de ganhar poder e dinheiro estava à disposição para qualquer homem com ambição e nervos suficientes, e Joe Coughlin (Ben Affleck), o filho do Superintendente da Polícia de Boston, há muito tempo deixou para trás sua rígida educação para sucumbir à adrenalina de ser um fora-da-lei.

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Acontece que, neste caminho perigoso, Joe cometeu uma grande cagada: traiu duplamente um poderoso chefão da máfia, ao roubar seu dinheiro e sua mulher. O romance termina em tragédia, e Joe decide se vingar. Movido por ambição, romance e traição, ele resolve se aliar a outro mafioso para dominar o contrabando de rum na cidade de Tampa.

Essa pitadinha do roteiro já vende bem, mas o trailer é a cartada final para deixar o espectador ansioso quanto a esse mundo cheio de estilo e violência. O filme dá certo, com uma pegada diversificada (similar ao que vemos no jogo Mafia) e com ousadia na produção, só que os rumos do roteiro podem ter sido um verdadeiro tiro no pé (com o perdão do trocadilho).

Criminoso convicto, mas um tanto perdido

Quem sou eu para argumentar sobre o roteiro de Ben Affleck, não é mesmo? Só vamos combinar que até gênios podem dar mancadas. Eu não li o livro que deu base para o filme (para dizer se eles têm a mesma estrutura), mas um bom roteirista deve polir sua joia até que ela esteja pronta. Não dá para misturar as mídias, um filme tem de funcionar sozinho e convencer a plateia de que tudo ali apresentado tem vida própria.

Ao que tudo indica, o que aconteceu aqui foi uma sobrecarga do senhor Affleck. Sim, ele dá conta de tudo, o filme funciona, tem bons momentos de ação, uma direção que reafirma porque o cara ganhou um Oscar, porém tem algumas decisões de roteiro que são questionáveis, a começar pela construção do personagem principal.

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Histórias triviais são comuns e bem aceitas em filmes, mas não dá para dizer que isso funciona muito bem no mundo da máfia. Somente homens cruéis se dão bem neste meio e Joe Coughlin talvez não seja bem esse tipo de cara. O resultado é que acompanhamos a história de um cara que fica em cima do muro e não decide se quer abraçar o crime ou viver um grande romance.

A história de Coughlin, na verdade, segue mais uma trilha de emoções, do que a carreira de ambição dos mafiosos. E é nessa de ficar de amorzinho para todos os lados que o roteiro se perde e não desenvolve todo o seu potencial. É claro que há espaço para contar qualquer história, mas, em “A Lei da Noite”, o protagonista parece até deslocado de seu universo.

A parte boa de mudar de foco é que o filme consegue tratar de outras importantes situações da época, incluindo a dependência química, os problemas com religiões, os extremistas, a chegada de vários imigrantes (e aqui até cabe pauta para racismo e mistura de cultura) e outros pontos muito pertinentes. Todavia, o espectador pode sentir falta de um envolvimento maior no mundo da máfia.

Uma época violenta em toda sua beleza

Se por um lado, Ben Affleck perde as estribeiras no roteiro, toda sua equipe dá o máximo para levar o espectador a uma época de glamour com direito a ambientação impecável. Joe Coughlin vive numa cidade pequena, porém há espaço de sobra para mostrar os clubes pomposos, os figurinos espetaculares e carros de luxo da época.

Nesse ponto, o roteiro um tanto disperso ajuda a mostrar os cenários e dar vez para um retrato bem fidedigno da época (não que eu tenha vivido em 1920, porém a gente tem referenciais, os quais são levados a um patamar elevado nesta obra). A fotografia caprichada é explorada de inúmeras formas, incluindo o uso de planos gerais, que dão uma visão do todo.

Entra em jogo também o excelente uso de luzes e sombras. A máfia costuma se esgueirar pelas penumbras, então nada mais óbvio do que colocar Coughlin num mundo escuro, definido por tons em sépia, em que seu chapéu recobre sua face e esconde suas tramoias. Ok, isso não dá muito certo nessa parte de manter segredos, mas funciona para criar um clima de mistério.

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Para orquestrar tudo isso, a gente tem o gênio Ben Affleck por trás das lentes. “A Lei da Noite” é um filme muito agitado, com cenas fortes, que exigem movimentação constante. Sequências de perseguição em alta velocidade, tiroteios incessantes e diálogos tensos — intensificados pela trilha sonora bastante imponente — exigem dinamismo, algo que Affleck tira de letra. O problema do filme definitivamente não está na direção.

O elenco é muito competente, ainda que apenas pareçam interpretar um filme (nada melhor do que obras que nos convencem de estar frente às verdadeiras figuras). Novamente, o roteiro pode ter alguma culpa, com um desenvolvimento fraco de personagens, que não permitem ao público dar a devida importância.

Com tom de romance excessivo, “A Lei da Noite” não passa de um filme que retrata um período turbulento, mas que não nos leva para este universo perigoso e atraente. Muito caprichado em quesitos técnicos, porém longe de ser uma obra no nível de Argo. Apesar de alguns inconvenientes, ainda é uma boa pedida para o cinema.

Fonte das imagens: Divulgação/Warner Bros. Pictures

A Lei da Noite

Mesmo entre criminosos há regras e uma traição pode acabar em tragédia

Diretor: Ben Affleck
Duração: 129 min
Estreia: 12 / Jan / 2017