Crítica do filme Aniquilação

Meu pior inimigo

por
Carlos Augusto Ferraro

16 de Março de 2018
Fonte da imagem: Divulgação/Paramount Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 6 min

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Depois de uma estreia surpreendente com Ex Machina: Instinto Artificial, Alex Garland, retorna em um novo projeto que consolida seu talento e abordagem singular. Aniquilação, lançado diretamente na Netflix, é um prato cheio para fãs de ficção científica. Com muita propriedade o filme mescla subgêneros como horror cósmico e até mesmo algumas pitadas de body horror (à lá Cronenberg), ao mesmo tempo em que aborda temas incômodos e profundos.

Na trama, adaptada da obra de Jeff Vandermeer, acompanhamos a jornada de Lena (Natalie Portman), uma bióloga e ex-militar que busca respostas sobre o misterioso retorno de seu marido Kane (Oscar Isaac) - um militar dado como morto após um ano em missão. Acontece que Kane fazia parte de uma expedição para investigar a Área X, um fenômeno de origem desconhecida que vem afetando uma região cada vez maior da costa da Flórida.

Aniquilação não é um filme fácil. Não exatamente por sua narrativa não linear, ou por qualquer outra minúcia cinematográfica, mas por essencialmente ser um filme inteligente. Garland aborda temas fortes sem apelar para clichês, o que decididamente pode causar algum desconforto. Todavia, aqueles que resolverem dar uma chance ao filme vão encontrar uma produção de alto nível, com ideias genuinamente interessantes e atuações de primeira.

Autoridade

Aniquilação tece uma história que se desenvolve naturalmente. Um bom exemplo é a própria formação da equipe que Lena íntegra. Cada pessoa tem um talento específico essencial para investigar e relatar o que realmente está acontecendo dentro da Área X.

O fato de serem todas mulheres é incidental — por sinal, também é uma equipe multicultural incluindo afrodescendentes e latinos —, são pessoas qualificadas executando uma missão. Essa naturalidade ao tratar de um tema tão em voga no mundo e, especialmente, na Hollywood pós-Weinstein, é algo que deve se tornar essencial para futuras produções, e um bom exemplo de como Garland introduz temas interessantes de uma maneira intrínseca a trama.

Não é de se estranhar que a Paramount tenha “pulado” fora do barco. O projeto de Garland não é algo fácil de se vender e passar o filme para a Netflix para se esquivar de um “fracasso” nas bilheterias foi uma ótima saída para ambas as partes. Graças a essa estratégia, o filme não perdeu tempo procurando seu nicho em um mercado cada vez mais conservador, que tem medo de abordar novas histórias, e novas maneiras de contá-las. Aniquilação dificilmente encontraria seu público nas salas de cinema, no entanto, dentro do catálogo do serviço de streaming é um dos melhores títulos disponíveis.

E lá vamos nós!

Aceitação

O elenco é excepcional, Natalie Portman, serena e multifacetada, encabeça um grupo talentoso que não apresenta nenhuma falha de caracterização. Destaque para Tessa Thompson, a Valquíria do universo cinematográfico Marvel. Em uma posição totalmente diferente daquela apresentada em Thor Ragnarok, a atriz prova que não ficará presa em um tipo de personagem, entregando uma performance forte e enternecedora. Outro ponto alto é Jennifer Jason Leigh, estoica e pungente é impossível não prestar atenção quando ela está em cena, é uma mulher ríspida que busca respostas para o niilismo de tudo. 

Muito da trama se consolida pela maneira que o espectador absorve as histórias pessoais de cada uma das cinco pesquisadoras enviadas para a Área X. E é justamente aí que as mulheres brilham, pois mesmo sem entregar grandes minúcias de seu passado, é possível compreender cada uma, suas motivações e, principalmente, suas bagagens.

A trilha sonora assinada por Geoff Barrow e Ben Salisbury é outro ponto forte. Quando presente, é um encaixe natural. Na verdade, é uma pena que o filme não experimente mais com o talento da dupla. Ao longo de todo o filme ouvimos trechos de Helplessly Hoping (Crosby, Stills & Nash) que contextualiza perfeitamente a história de Lena, mas é somente nos minutos finais que recebemos um “soco” sinestésico. O som dos sintetizadores e a evolução das imagens criam um show psicodélico que rivaliza a semiose de Kubrick em 2001 - Uma Odisseia no Espaço.

Bafo de dragão...

Pulsão de morte

Não, Aniquilação não é perfeito, longe disso, Garland faz algumas escolhas que não rendem o efeito esperado. A não linearidade da história não é um problema propriamente dito, todavia, ao apresentar o “final da história” desde o início ele priva o espectador de toda a construção do suspense inerente a tensão que se deseja apresentar.

Além disso, longe da introspecção claustrofóbica de Ex Machina, Aniquilação tem um escopo muito maior, não apenas pelo cenário em si, mas por apresentar um elenco maior e mais complexo. Assim, mesmo que a tensão esteja presente, ela nunca atinge os mesmos picos que outras obras como Enigma de Outro Mundo ou o próprio Ex Machina. Isso se torna relevante quando a paranoia e o medo do desconhecido são elementos-chave da trama e da própria ambientação.

"Quase ninguém se suicida, mas todos se autodestroem."
Bem-vindos à ficção biometafísica de Alex Garland

Em suma, Aniquilação não é um filme fácil, seu ritmo não é “dinâmico” e seus temas são incômodos. Existencialismo, ontologia, morte, identidade… Aniquilação não é exatamente uma ficção científica e muito menos um terror. Se em A Chegada tivemos uma “ficção científica de humanas” focando a linguagem e comunicação dentro de um cenário extraordinário, Aniquilação faz a sua versão de uma "ficção biometafísica”.

Ex Machina abordou temas difíceis, mas construiu uma linguagem acessível que conseguiu entregar sua mensagem para um público bem amplo. Já em Aniquilação, Garland não obtêm o mesmo sucesso, apresentando uma linguagem inteligente, mas pouco acessível, o diretor constrói um filme belo e perturbador que certamente levantará boas conversas entre filósofos de sofá/bar.

Banksy

Fonte das imagens: Divulgação/Paramount Pictures

Aniquilação

Nada pode prepará-lo para o desconhecido

Diretor: Alex Garland
Duração: 115 min
Estreia: 12 / Mar / 2018