Crítica do filme Jackie
Algumas histórias são simplesmente entediantes
O assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy, em 1963, é um dos episódios mais marcantes da história contemporânea. A cena em que ele e a primeira-dama Jacqueline Kennedy desfilam no conversível quando o presidente é alvejado e o desespero da esposa ficaram guardados na memória e na história universal pra sempre.
Como tal, obviamente já foi retratada um sem número de vezes em todas as plataformas imagináveis. E não apenas por toda a aura kardashiana que recobre a família Kennedy, mas pela forma que o casal conduziu seu tempo na casa branca e, claro, pela conduta de Jackie durante o mandato do marido e depois que ele foi assassinado.
Os dias subsequentes ao crime são o recorte que dá vida ao mais novo filme que se preza a contar essa história. "Jackie", de Pablo Larraín, quer abrir as portas da Casa Branca e mostrar a ex-primeira-dama de cara limpa, na semana que se seguiu ao episódio.
Jacqueline Kennedy é um mito nos Estados Unidos. Um dos maiores símbolos de elegância e requinte do país, ela deixou em seu legado, além da fama de extravagante e cheia de bom gosto, uma grande conexão e preocupação com a conservação e decoração da Casa Branca.
Neste longa-metragem, que é inspirado na famosa entrevista do jornalista Theodore White, da revista Life, com a então recém-viúva do presidente John Kennedy, temos um retrato de uma mulher que é muito mais do que um rostinho bonito, do que uma primeira-dama troféu - como tantas vezes Jackie foi apresentada.
Nele, vemos o lado determinado de Jacqueline, enquanto conduziu com firmeza todo o processo de enterro do marido, com todas as honras que julgava justas.
Com excelente montagem e uma narrativa não-linear, o roteiro escrito por Noah Oppenheim leva seu público a acompanhar o choque pelo qual ela passa e suas polêmicas - e até um tanto criticadas - iniciativas para levar a cabo o velório planejado.
O olhar da equipe de produção é primoroso e muito minucioso ao conduzir esse retrato histórico, com exímia atenção aos elementos de decoração, cenário e figurino. Os ambientes da Casa Branca são delicadamente reproduzidos, fazendo uma bela leitura da época, e até mesmo a estética dos documentários dos anos 60 é muito bem repetida em uma ou outra cena.
Assim como os detalhes técnicos são bem pensados, outro importante aspecto do longa-metragem também é muito fiel: a atriz qe interpreta Jackie. Que trabalho de casting, maquiagem, figurino e que atuação, senhoras e senhores. Natalie Portman tem nesse filme talvez seu mais importante e bem-feito trabalho.
Enquadramentos e movimentos de câmera ora contribuem, ora dificultam a percepção de suas expressões, fazendo com que o público passe uma boa parte do tempo tentando desvendar o que se passa na cabeça dessa mulher.
Enigmática, intrigante e até um pouco fria, Jackie é até hoje um grande mistério no imaginário americano e Natalie Portman conseguiu transparecer essa aura que existe sobre ela. Com ela, não apenas os demais atores são coadjuvantes, mas todo o resto - é tudo detalhe, o que sustenta o longa-metragem é a protagonista.
É claro que outras participações também contribuem para incrementar a trama. É o caso de atores como Greta Gerwig como a dedicada amiga e assistente Nancy Tuckerman - saindo dos papéis estigmatizados de moça desastradona, o que foi bom -, Peter Sarsgaard, como Bobby Kennedy, e Billy Crudup, que interpreta o jornalista que entrevista Jackie.
Outra menção especial vai para o padre que ouve as confissões de Jack, um dos últimos trabalhos do ator John Hurt, que faleceu no dia 25 de janeiro, aos 77 anos.
Embore conte os primeiros dias de viúva de uma mulher, "Jackie" não parece ter sido feito para causar no público qualquer tristeza ou pesar - muito menos qualquer tipo de compadecimento.
A impressão que fica ao espectador é a de que o longa quer muito mais provocar um estranhamento e até mesmo um certo tipo de desconforto, pelo fato de que a própria história vai pelo caminho contrário daquele que poderia ter percorrido.
O mundo esperava uma mulher desolada, desmaiando pelos cantos, mas recebeu uma Jacqueline Kennedy firme e forte encarando com coragem o momento mais difícil de sua via - embora se saiba que ela sofreu muito pela morte de John.
Essa sensação de que se trata muito mais de um suspense do que de um drama ou simples retrato histórico é, em grande parte, consequência da trilha sonora um tanto descabida, que deixa o público até um pouco desconfortável.
Isso contribui para deixar o espectador tenso e ansioso com o que virá a seguir, ainda que a trama já seja conhecida por qualquer pessoa que tenha um mínimo conhecimento de história.
Essa opção por uma roupagem de suspense a um fato que é dramático por natureza contribuiu um pouco para dar mais movimento ao longa metragem, que nem assim se furta de ser um pouco chato - infelizmente, nem todo bom filme consegue empolgar.
E "Jackie" é um bom filme, com vários bons aspectos dignos de Oscar, muito bem produzido e montado, um belo trabalho de direção, mas ainda assim, é entediante.