Crítica do filme Lion - Uma Jornada Para Casa
Um empurrãozinho da tecnologia
Quão longe uma criança pode ir ao se perder da família? A resposta é: longe, muito longe, longe pra caramba. Quem vem pra confirmar isso é o pequeno Saroo, um menino indiano de apenas cinco anos, que vai parar do outro lado do país num piscar de olhos.
É assim que começa o longa-metragem "Lion - Uma Jornada Para Casa", um dos concorrentes à estatueta do Oscar em 2017.
Baseado no livro do próprio Saroo Brierley e adaptado por Luke Davies, o filme tem direção de Garth Davis e traz o fofíssimo ator Sunny Pawar no papel do protagonista enquanto criança.
Ao lado do irmão Guddu (Abhishek Bharate), ele faz alguns trabalhos para levar dinheiro para casa, onde ambos vivem com a mãe e uma irmã. Numa dessas, ele entra num trem, pega no sono e vai parar onde nem ele sabe onde.
A vida passa, várias coisas acontecem e ele se torna um adulto relativamente bem sucedido - vivido por Dev Patel -, que começa a ficar curioso e perturbado com o que pode ter acontecido com sua mãe e seus irmãos. Armado apenas com algumas memórias, sua determinação e uma revolucionária tecnologia chamada Google Earth, ele decide procurar sua família perdida e finalmente retornar para sua primeira casa.
O filme se divide em dois momentos: no primeiro, acompanhamos Saroo ainda criança, da vida com sua família no interior da Índia até a chegada à Austrália, onde é adotado por duas pessoas da Tasmânia. No segundo, ele luta contras as incertezas geradas pelo momento de entrada na vida adulta, as consequências da infância sobre a sua identidade e a busca por suas origens.
O motivo pelo qual "Lion - Uma Jornada Para Casa" se sustenta tão bem durante a maior parte do tempo é que se fixa muito mais em seu primeiro momento, onde o grande destaque é o pequeno Sunny. O menino é sensacional, atua incrivelmente bem e dá todo o espírito e o ritmo ao longa-metragem.
É ele quem está na tela na maior parte do tempo e é dele a perspectiva que acompanhamos do começo ao fim. E é aí que reside a beleza do filme: o olhar de uma criança que se vê frente a uma série de violências e injustiças nunca antes imaginadas - muito embora até então o mundo que ele conhecia não fosse exatamente o mundo ideal.
Essa sustentação no elenco que começa com o menino Sunny continua com Dev Patel - especialmente em sua caracterização nas várias fases que vive -, mas também com os grandes nomes que compoem o longa-metragem: Rooney Mara, Nicole Kidman e David Wenham, entre outros menos conhecidos.
Embora sua história tenha tudo para levar o público às lágrimas, "Lion - Uma Jornada Para Casa" nos mantém muito mais concentrados e tensos, do que emocionados. Os personagem nos cativam e sensibilizam, mas não é exatamente um drama feito pra chorar.
Não que ele tivesse que ser, claro. É até bom quando um filme consegue nos contar uma história de forma consistente e, de certa forma, mais objetiva. O que eu estou querendo dizer é apenas: se você está procurando um programa para colocar pra fora as emoções contidas, usando a desculpinha de um filme triste, essa não é a melhor escolha.
O que ele faz, isso sim, é colocar o espectador pra pensar sobre todas as mazelas da vida e sobre o tanto que a gente reclama de barriga cheia. Sobre quão frágeis - e ao mesmo tempo, quão profundas - são nossas conexões com as pessoas e os lugares. Sobre quantas injustiças e quantos tipos diferentes de violência existem por aí e como isso ferra com a cabeça de tantos de nós.
O filme coloca o espectador para pensar sobre todas as mazelas da vida e sobre o tanto que a gente reclama de barriga cheia
Pra contar essa históra, não foi preciso ser muito inovador em termos de tecnologia empregada na produção. O filme não inventa nada: enquadramentos bem dentro do padrãozinho Hollywood, uma trilha sonora bem básica e figurino simples - afinal, nao tinha nem muito como ser diferente, né. Ainda assim, me pareceu bem fiel aos diferentes momentos em que a história se passa.
Apesar da simplicidade, no entanto, a caracterização dos personagens é bastante caprichada e atenciosa, replicando roupas, penteados e maquiagens a partir de fotografias fornecidas pela família de Saroo - especialmente da personagem interpretada por Nicole Kidman!
A fotografia de "Lion - Uma Jornada Para Casa" é outro plus, pois retrata bem algumas belas paisagens - outras, nem tanto, já que a pobreza impera em diversos dos cenários usados nas filmagens - e um último ponto muito interessante é o respeito à linguagem dos personagens. Durante a maior parte do filme, se fala apenas em hindi e bengali, com poucos trechos em inglês, concentrados apenas na segunda metade.
Em resumo, é um filme que passa rápido, apesar de suas duas horas de duração, mas não é nada excepcional ou impressionante. Um bom conjunto de diversos fatores, mas que difícilmente vai render um Oscar de Melhor Filme.
Uma busca intensa pelo passado em que as únicas ferramentas são as memórias