Crítica do filme Trumbo: Lista Negra
Uma grata surpresa
Poderia resumir minha impressão de Trumbo: Lista Negra em apenas uma frase: fui ao cinema achando que ia cochilar um pouquinho, mas não me distraí nem por um minuto. Então, logo de cara já vou dizendo que é um filme eu vale a pena.
O longa dirigido por Jay Roach (Austin Powers e Entrando numa Fria) conta a saga de um bem-sucedido roteirista de cinema de Hollywood, Dalton Trumbo (o eterno Heisenberg de Breaking Bad, Bryan Cranston), que passa a ser perseguido por suas polêmicas opiniões políticas.
Acontece que, em plena Segunda Guerra Mundial, ser um cidadão norte-americano de projeção e declarar-se comunista não era exatamente uma coisa bem vista. E não só o nosso amigo Dalton Trumbo fez panfletagem, como também usou seus roteiros cinematográficos para emitir e fazer chegarem opiniões políticas contrárias à postura oficial do governo do país ao grande público.
Assim, junto com outros nove importantes nomes do cinema estadunidense na época – os caras que ficaram conhecidos como The Hollywood Ten –, ele foi indiciado e “convidado” a participar de um interrogatório no qual deveria “confessar” que estava contribuindo com o partido Comunista, do qual fez parte entre1943 e 1948. Mas o Trumbo era um cara danado que se importava com uma tal de liberdade de expressão e não acreditava que o que fazia pudesse ferir alguma lei ou prejudicar de alguma forma a grande nação americana.
A coisa fica feia quando Trumbo e seus amigos se recusam a cooperar com o Comitê de Atividades Antiamericanas do congresso – além de fazer uma troça com os oficiais na frente de todo mundo. Daí pra frente é aquela coisa: os caras vão presos e, quando saem da prisão, passam a ser boicotados pelo resto da galera hollywoodiana e não conseguem mais trabalho nos estúdios.
Deve ser algo bem desafiador escrever um roteiro sobre um cara que escreve roteiros. E aí acho que a gente deve uns aplausos pro John McNamara, porque o cara faz um trabalho muito bem feito.
O longa tem um ótimo andamento, intercala muito bem os momentos mais lentos e reflexivos com os mais intensos. As cenas que seriam mais arrastadas são bem incrementadas com diálogos inteligentes e bem-humorados e a história tem vários picos e reviravoltas que mantêm o público atento.
Outro ponto bacana são as pessoas. Personagens bem trabalhos e complexos sempre deixam um filme mais interessante. E Trumbo é um filme sobre uma situação bizarra envolvendo Hollywood, mas é também sobre as confusas e difíceis relações humanas de um cara dividido entre seu próprio orgulho, sua preocupação com uma situação global e os dramas familiares.
O arco do relacionamento do protagonista com sua família, especialmente com a filha mais velha, Nikki (Madison Wolfe e Elle Fanning, nas diferentes fases da vida), é bem interessante. Tudo isso torna o longa instigante e mais profundo, além de trazer questões muito atuais, embora seja ambientado na década de 40.
Bem, eu achei que o roteiro valia um bloco de texto inteiro, mas é claro que ele não se sustenta sozinho. Belas atuações contribuem para deixar a história redondinha, especialmente do Bryan Cranston, que fez um encarquilhado e expressivo Dalton Trumbo e que foi indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor Ator por esse papel.
Também merecem ser mencionados a diva Helen Mirren (também indicada do Globo de Ouro), que está especialmente detestável no papel da colunista Hedda Hopper, e o Roger Bart. Esse último dá até um nervoso de ver no papel de Buddy Ross e foi muito bem envelhecido – ponto pra galera da maquiagem.
Confesso que não conheço muito o trabalho do diretor Jay Roach e achei que, com essa galera competente no elenco e com esse roteiro tão bem trabalhadinho, ficou fácil pra ele, vai. Mas tem seu mérito, pois a montagem do filme está super bacana.
Particularmente, achei a trilha sonora ok, mas talvez esse seja o ponto fraco do filme. Não é algo que super chama a atenção em Trumbo, e uma boa trilha sempre faz a diferença, né.
A caracterização dos personagens é excepcional, o figurino e a maquiagem parecem feitos com bastante cuidado. A iluminação do filme também é um diferencial. Os jogos de sombra e luz nas cenas de gravação, no começo do filme, me chamaram bastante a atenção. Parecia que eu estava dentro de um estúdio em uma das gigantes do cinema em Los Angeles.
Outra coisa legal sobre o filme é que ele funciona como uma coluna de dicas culturais. Algumas das cenas mostradas no longa são originais de "A Princesa e o Plebeu" e "Spartacus", dois filmaços que devem entrar na sua lista, especialmente se você curte um clássico.
No fim das contas, essa é uma crítica bem puxa-saco. O ponto é: como eu disse lá no comecinho, não é um filme do qual esperava demais e muita gente nem prestou atenção em sua passagem pelos cinemas, pois não ficou lá muito tempo nas salas mais conceituadas. Talvez por isso tenha surpreendido tanto e positivamente. Por isso, nossa dica é: vai atrás de "Trumbo: Lista Negra" e aproveite os bons momentos que esse filme vai te proporcionar.
Convicções inabaláveis