Crítica do filme Um Limite Entre Nós

(Des)Construindo cercas simbólicas

por
Lu Belin

15 de Março de 2017
Fonte da imagem: Divulgação/Paramount Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 7 min

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Assim como muitos brasileiros crescem com o sonho de se tornarem jogadores de futebol, nos Estados Unidos o basebol é que é o alvo das noites acordadas de muitos e muitos meninos e homens. Troy Maxon (Denzel Washington) é um desses norte-americanos que, durante o início da vida adulta, carregava esse desejo, mas que acabou desviando do caminho.

"Um Limite Entre Nós" nos leva para um momento da vida Troy em que, casado há 18 anos com Rose (Viola Davis) e pai deCory (Jovan Adepo) e Lyons (Russel Hornsby), ele reflete sobre o que sua vida poderia ser se, ao invés de abraçar o certo em vez do duvidoso, ele tivesse seguido na carreira de atleta, e não na de lixeiro, como fez.

Com sua casinha conquistada a duras penas com a ajuda da pensão do irmão Gabe (Mykelti Williamson), que voltou da guerra incapacitado graças a um ferimento na cabeça, Troy e Rose lutam para manter a estabilidade capenga que conquistaram, ao mesmo tempo em que lidam com os conflitos diários da família e do emprego dele, com o difícil temperamento do chefe da família, e com o processo de construção da cerca em torno da casa.

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Ambientado em algum lugar dos anos 50, o longa-metragem é inspirado no livro "Fences" (Cercas), de August Wilson, que também fez o roteiro do filme, e dirigido pelo próprio Denzel Washington, em talvez seu melhor trabalho na cadeira de diretor até agora.

Retratos do cotidiano

Filmes que contam histórias de anônimos e pessoas comuns que não conquistaram grandes feitos – além do fato de se manterem vivos e sãos diante de conflitos complexos que marcam a vida de qualquer ser humano – estão em voga ultimamente (talvez desde sempre, né). E “Um Limite Entre Nós” chegou pra engrossar esse caldo.

O longa sofre do mesmo mal – se é que isso é um mal – de “Moonlight – Sob a Luz do Luar” e de “Manchester à Beira-Mar”, entre outros que estrearam nessa leva 2016/2017: são histórias belas e complexas, possíveis de análises longas e extensas e capazes de despertar nossos demônios interiores, mas a quem, enquanto produto cultural e de entretenimento, sobra tempo e falta clímax.

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Assim como esses outros dois filmes, “Um Limite Entre Nós” não é para qualquer público. São duas horas de bunda cravada na cadeira acompanhando uma película em que pouco ou nada de impactante acontece. A grandeza do filme reside nas nuances do roteiro, na performance dos atores, nos discretos enquadramentos de câmera, na delicadeza da trilha sonora. Mas não vá ao cinema (se ainda der tempo de ver nas telonas) esperando um filme de altos e baixos e de clímax intenso.

É um daqueles filmes em que você passa o tempo todo um pouco (muito) incomodado com algumas situações, esperando que algo seríssimo vá acontecer a qualquer momento, sem perceber que esse algo que você está esperando já vem acontecendo desde a primeira cena, devagarinho, sempre no mesmo ritmo.

O clímax não existe porque o filme inteiro é seu clímax. Esse desconforto está ali porque causar desconforto é justamente o objetivo da produção.

Por falar em desconforto, não existe outra palavra que descreva melhor a brilhante atuação de Denzel Washington. Troy é aquele personagem que se sustentaria mesmo que fosse interpretado por um ator mais ou menos. Mas, na mão do Denzel, parece que ele se encontrou. O ator te faz rir aqueles risinhos nervosos que somente as situações mais tragicamente constrangedoras conseguem arrancar. Uma das melhores performances do ator que lembro de ter visto.

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Nesse quesito, outro nome que se destaca é o de Mykelti Williamson, que é a verdadeira personificação do alívio cômico. Agradeçam ao Gabe, é graças a esse cara aqui que você não vai ter que procurar um psicólogo quando subirem os créditos.

E, já que estamos tratando de atuações, que tal falar de Viola Davis?

Um aparte sobre o Oscar

Um Limite Entre Nós” foi indicado em 2017 ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator principal, Melhor Roteiro Adaptado, e Melhor Atriz Coadjuvante, mas acabou levando pra casa apenas essa última estatueta, pela atuação de Viola Davis como Rose.

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Se foi de fato uma atuação digna de Oscar? É claro que foi. Algumas cenas justificam e muito essa premiação. Aquela que aparece em parte no trailer, da discussão da personagem de Viola com o marido representado por Denzel, é primorosa.

Uma parte dela está aqui, mas aviso desde já que ela contém spoilers comprometedores, portanto não digam que eu não avisei! De quebra você confere a Viola falando com o Jimmy Kimmel sobre como conseguiu manter o nariz escorrendo depois de 23 takes pra fazer essa cena.

Para além dessa cena, no entanto – e não me levem a mal, entendo demais a importância de uma atriz negra ganhar um Oscar e acho que, por todo o seu conjunto da obra Viola mais do que merece ter várias e várias estatuetas em casa – não acho que tenha sido o trabalho mais brilhante da Viola.

Não estou dizendo que não tenha sido uma atuação maravilhosa. Mas, como espectadora de "How to Get Away With Murder" e fã incondicional de "Histórias Cruzadas", não posso deixar de mencionar que não considero essa a obra prima dela como atriz. Já fomos presenteados com performances melhores dessa rainha absoluta, e dessa vez tínhamos outras candidatas que ficaram à altura ou talvez até apresentaram melhores trabalhos do que ela, apenas isso.

Do teatro para as telas

Como um trabalho que nasceu como peça de teatro e foi transplantado para as telas de cinema, “Um Limite Entre Nós” é uma excelente adaptação! Denzel Washington, que já havia conhecido a história como espectador em um teatro nos anos 80, abraçou o projeto, com a ajuda do olhar do próprio criador da história, conseguiu ajustar cada canto para que a linguagem fosse toda adaptada sem causar estranhismos ao público.

Para quem curte dramas, especialmente dramas históricos, e especialmente para a infinidade de pessoas que se identificam com os conflitos como os vividos por Troy, Rose e seus filhos, irmãos e amigos, “Um Limite Entre Nós” é um prato cheio. Uma obra que abre brechas para reflexões complexas sobre relacionamentos, machismo, preconceito racial, egoísmos, sobre perspectivas diferentes sobre a vida, e principalmente, sobre família.

Se você está disposto a refletir com um toque ardido de humor, se joga!

Fonte das imagens: Divulgação/Paramount Pictures

Um Limite Entre Nós

Uns constroem cercas para manter pessoas fora. Outros, para mantê-las dentro

Diretor: Denzel Washington
Duração: 139 min
Estreia: 2 / Mar / 2017
Lu Belin

Eu queria ser a Julianne Moore.