Crítica do filme Relatos Selvagens

Descubra seu lado selvagem!

por
André Luiz Cavanha

31 de Outubro de 2014
Fonte da imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 5 min

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Por tantas vezes enfrentamos situações extremas em que uma linha tênue separa o bom senso das atitudes de puro descontrole. E não adianta: mesmo que você seja uma pessoa adepta do deboísmo e se considere tão calmo como um monge zen budista ou mais perseverante que o senhor Miyagi, em algum momento da vida as tensões desembocam numa atitude completamente estúpida.

Se enquanto lê essas primeiras linhas passou pela sua cabeça qualquer recordação constrangedora, garanto que sua experiência assistindo alguns “Relatos Selvagens” será agradável e divertida. São seis pequenas histórias bem diferentes entre si, mas que se conectam dentro do mesmo filme apenas por um único aspecto comum a todas elas: a falta de controle desencadeando ações inconsequentes e totalmente impensadas.

Impossível não se identificar com as situações apresentadas e segurar o riso diante de personagens tão enlouquecidos. Algo que o trailer fracassa em sugerir, pois dificilmente nos sentiríamos atraídos se fôssemos confiar na prévia apresentada por aquela sequência confusa de cenas entrecortadas.

O prólogo se passa dentro de um avião, local onde os passageiros aos poucos descobrem como suas vidas estão vinculadas por uma única pessoa: Pasternak. Distribuem-se entre as poltronas os seus piores professores, o crítico de música clássica que o reprovou numa audição (Darío Grandinetti), ex-namoradas e até mesmo o psiquiatra que fracassou em seu tratamento. Mais perfeito que a vingança desse que se tornou comissário de bordo é o ritmo dos diálogos que antecedem o previsto desastre.

A segunda história é de uma garçonete (Julieta Zylberberg) que trabalha num restaurante pouco movimentado em beira de estrada. Ela reconhece seu cliente chamado Cuenca, o atual empresário e influente político da região, que no passado havia provocado problemas econômicos em sua família culminando no suicídio do pai da moça. Aqui novamente as falas são cômicas durante a discussão entre ela e a cozinheira, que sugere envenenar o prato do velho algoz.

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“O mais forte” vem em seguida mostrando como o trânsito consegue comprometer o juízo de quem já tende à estupidez. Mais rápido que um Audi consegue chegar de zero à cem é a velocidade que dois viajantes acumulam stress para se digladiar literalmente de forma patética na estrada, assemelhando-se àquele clássico episódio do Pateta no trânsito.

Ainda com a temática do trânsito, a quarta história é estrelada por Ricardo Darín (O filho da Noiva e O Segredo de Seus Olhos). Sob a ótica do engenheiro que vive a rotina da cidade grande, tão cheia de empecilhos que provocam atrasos e prejudicam suas relações afetivas. Destaque para a crítica apontada contra o excesso de multas injustas que caracterizam uma sociedade punitiva e burocrata, onde os poderosos tiram proveito por meio da corrupção. Cenário que alimenta o sonho de explodir tudo que faz parte dessa gigantesca farsa!

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Em “La propuesta” o filme segue denunciando o péssimo caráter dos privilegiados que se aproveitam de suas riquezas para distorcer a realidade da forma como lhes convém: o rapaz rico chega em casa após dirigir bêbado e atropelar uma mulher grávida. E nos bastidores da poderosa família é que se decide o preço e sobre a cabeça de qual pobre a culpa se estenderá (qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência).

A última história é talvez a melhor cena de casamento possível na história do cinema! É fácil dizer isso, primeiro porque de fato ela encerra a sequência de forma magistral e segundo porque casamentos geralmente são chatos tanto em filmes quanto em finais de novelas. Mas a atuação do casal Romina (Érica Rivas) e Ariel (Diego Gentile) é destaque na mais turbulenta cerimônia que já assisti.

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Sucesso em pouco tempo

Existem vários fatores que podem explicar a alta repercussão da primeira semana em cartaz nos cinemas argentinos. O trabalho do diretor Damián Szifron é bem reconhecido por lá e tendo como produtor ninguém menos que o espanhol Pedro Almodóvar, assim como o elenco com atores já consagrados, confirma-se a certeza de um produto final de bastante qualidade.

Além do humor negro que tempera cada parte dessa antologia, as contradições sob as quais os personagens se envolvem ao confrontarem a individualidade e o convívio social servem como exposição da raiva contida, acumulada cotidianamente por tudo que há de pior num país tão próximo (não só do ponto de vista geográfico) do Brasil.

Apesar de o diretor ter sido acusado de apologia ao delito, acredito que sua obra funciona mais como um descontraído alívio das tensões do que incitação. Somado a tudo isso, vale ressaltar a criatividade na elaboração de cenas engraçadas sem apelar para piadas infantis e preconceituosas.

Fonte das imagens: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Relatos Selvagens

Todos nós podemos perder o controle

Diretor: Damián Szifrón
Duração: 122 min
Estreia: 23 / Oct / 2014
André Luiz Cavanha

Todo coração é uma célula revolucionária.