Alien: O Nono Passageiro
Mas não seriam oito?
Meu nome é Levi, sou linguista, semioticista e aficionado em cinema e games. E, agora, também colunista aqui no Café com Filme. Alien (1979) sob direção de Ridley Scott e design do gênio Hans Rudolph Giger (para os íntimos H.R Giger), sem dúvida, é o melhor filme do gênero terror Sci-Fi. Porém fica uma dúvida: o subtítulo em português menciona “o oitavo passageiro”, mas não seriam nove? Ao assistir a essa produção com atenção, isso poderá ser confirmado.
O consagrado "Alien, O Oitavo Passageiro" dispensa apresentações. Ele influenciou o plot de todo tipo de produção que viria em seguida (uma tripulação no meio do nada, sem assistência rápida, com recursos limitados, frente a um ser que não tem remorso em perseguir até o último tripulante; ao final sobra um herói, que tenta escapar da nave, acionando o sistema de autodestruição).
O aspecto narrativo do último sobrevivente é muito relevante em Alien, no entanto, ao observarmos com atenção, a Tenente Ripley (Sigourney Weaver) não está sozinha em sua fuga. Sem dúvida, há um personagem quase esquecido no primeiro Alien que pareceu não incomodar tanto a crítica ou as análises: o gatinho Jones ou, como é chamado carinhosamente, Jonesy. Assim que escrevi este texto, percebi haver muitas publicações sobre Jonesy. À uma hora e cinquenta e seis minutos, nos créditos, na versão do diretor do filme Alien, há referência ao Jones (´Jones’ trained by Animals Unlimited).
No IMDb, há algumas notícias a respeito do gato nos bastidores, mas a marca de sua importância no elenco é sempre lembrada pelos escritos e fãs do filme. Dentre as publicações encontradas sobre o gatinho Jonesy, está o momento em que ele encara a primeira aparição do Alien. Nos bastidores, o fizeram assustar por meio de uma tela que foi suspendida repentinamente revelando um cão pastor alemão atrás, o que fez Jonesy ficar feroz, enfim, o fez sibilar (em inglês: hissing).
Ao ver este filme pela enésima vez, o nível de direção de Ridley Scott é de cair o queixo, pois até mesmo um gatinho assustado parece atuar por meio da lente da câmera. Para garantir se o animal foi protegido, fui averiguar. Nas cenas em que Ripley corre por entre os apertados corredores com o gatinho chacoalhando na gaiola, percebemos que ele não está lá, sobretudo nesta cena do fechamento dos compartimentos, na qual ela já tinha pego o caixinha de transporte na tomada anterior.
A resposta é simples. Além dos sete tripulantes (cinco homens, duas mulheres) e o oitavo passageiro alienígena, o gatinho deve ser contado como passageiro. Aliás, qual o critério para desconsiderar Jonesy no subtítulo brasileiro? Seria porque é um pet ou porque é algo diferente de um ser humano? Mas o alien também não se enquadra nessas características? Vocês também poderiam pensar: é porque o gato não faz nada, somente aparece em algumas cenas ao fundo. Sim e não. Jonesy é o signo (um elemento narrativo de representação) que remete à “familiaridade” ou a algo próximo do planeta de origem, a Terra.
Ao mesmo tempo em que é mostrado ao fundo, como habitante da nave (e mesmo que ainda não desempenhe função narrativa no início), ele terá, de fato, participação nos momentos em que a nave Nostromo, após testemunhar o nascimento do Alien, terá sua primeira vítima. O gato, a partir daquele momento, passa a ser não somente o signo que remete ao lar Terra, mas também ao instinto e coragem frente ao Alien.
Pelo seu porte pequeno, Jonesy se esconde a aparece em momentos-chave, ora atrapalhando o sensor de movimento (aquele sensor nos causa arrepios!), ora encarando o alien de dentro de sua caixinha de transporte fofa, ora sendo salvo pela Ripley e lhe fazendo companhia após a cena da ejeção do alien.
Depois de todas essas participações, não menosprezemos a importância e, sobretudo, o contrabalanceamento que o signo “Jonesy” carrega na sua construção de sentidos: rememora o lar Terra, é algo familiar, tem instinto suficiente para se proteger do monstro, confunde-se com o alien no sensor, sabe ser pet ao estar à mesa com os tripulantes (mesmo não percebendo em função do clima de horror da atmosfera do filme, a importância do gato é percebido quando revemos os filmes nos detalhes).
Além dessas funções narrativas, o horror de atmosfera de Ridley Scott nos faz submergir no terror e ao mesmo tempo podermos respirar em momentos mais leves, sim, são somente dois alívios: o primeiro momento do lanchinho da tripulação (no segundo lanchinho já temos “chest burst” de Kane) e quando a Ripley oferece colo ao Jones, antes de entrar na câmara de hibernação.
Em uma direção técnica (sem dúvida, uma aula de cinema), há também muito pouco espaço para diálogos, pois o uso dos enquadramentos rege o filme (não há tantos planos sequência longos, apenas planos mais pacientes com algum movimento e somente uma ocasião de câmera na mão). Todo o filme, em resumo, é feito por enquadramentos de campo e contracampo, plongé, zoom in, zoom out, superclose, planos detalhe e grandes planos gerais.
Há um cuidado quase cirúrgico em tratar com parcimônia cada elemento da narrativa, não dando muita atenção à biografia de cada personagem, seus dilemas, sua origem, pois tudo é muito subentendido. Como as ordens provêm do Tenente Dallas, percebe-se que Ripley é o soldado que provavelmente assumirá o comando. Os dois reclamões Brett e Parker, são os rapazes do trabalho pesado, que ficam na parte de baixo e corrigem os danos elétricos e de solda. Há os dois pilotos da nave, Dallas e Lambert e um médico, Ash, o qual, no seu rosto frio, será revelada sua origem androide.
Há também um décimo personagem (sim, o filme tem somente dez personagens), que é a mãe, espécie de computador central que é o coração da nave, cuja importância narrativa será revelada ao final, nas decisões críticas da tripulação. O décimo primeiro personagem está implícito por meio da corporação Weyland, mencionada indiretamente pelo contrato assinado por todos e pela logomarca nos uniformes. O papel da corporação é relevante, pois representa o poder contratual do sujeito que manda pessoas para o espaço para concluir o seu desígnio, ou seja, além de trazer 20.000.000 de toneladas de minério para a Terra, secretamente Weyland mantém o interesse, acima das vidas humanas, de encontrar vida inteligente no espaço sideral.
Todos esses elementos narrativos, a semiótica os considera signos, pois são elementos de representação, que produzem sentidos no âmbito de uma narrativa futurista, dentro da suficiência do que o diretor quer mostrar. Ou seja, para dar espaço ao horror de atmosfera, que nos assusta até hoje (41 anos após seu lançamento), foi necessário deixar vários implícitos, a fim de que o público ficasse atento a todos os elementos: o horror de atmosfera como carro-chefe, momentos raríssimos de alívio social, dramas contidas nos olhares dos personagens ou na sua inação frente ao facehugger no rosto do Kane (que pouco falam ou que pouco sabem o que fazer ao ser infectados ou atacados), além de estarem cativos na própria nave-mãe Nostromo quanto no planetoide, no qual se deparam com o drama inicial alienígena.
Que obra, que direção e que design de Hans Rudolph Giger! Artista plástico e figurinista suíço, Giger se baseia no surrealismo de suas obras estranhíssimas para nos premiar com a ambiguidade que a fera alien nos é apresentada.
O monstro não é somente uma mistura de signos orgânicos e artificiais/mecânicos (é ora metal, ora ácido, ora babas, ora dentes, patas e cauda penetrante), mas também uma armadura biomecânica mortal (que se camufla nas ferragens) e ao mesmo tempo sexual, a qual despertou admiração do androide da tripulação pela sua capacidade de sobreviver em qualquer tipo de atmosfera.
Em suma, de alien se espera sempre alguma extremidade horrorosa a perfurar crânios e tórax, de forma que os planos-detalhe fazem lento o momento das penetrações mortais de suas caldas e dedos gigantes. Essa é a ambiguidade genial que faz a fera de Giger ter a função semiótica narrativa perfeita para os desígnios do filme de Scott. Nunca uma atmosfera de horror poderia combinar tanto com um ser biomecânico completamente adaptado a qualquer atmosfera, felizmente, ele não suporta somente um elemento, o fogo.
O elemento simbólico da desolação é composto, vai sendo descrito tranquilamente, sem pressa. O que parece lentidão narrativa, à primeira vista, é usado como recurso o filme todo. A composição da solidão no espaço na técnica dos enquadramentos é clara e proposital. Logo nas primeiras cenas, há uma parcimônia em revelar signos que funcionam como parte de um todo. São denominados signos indiciais (signos metonímicos, que nos guiam da parte para o todo).
Os planos gerais da nave Nostromo vão aos poucos compondo o ambiente da história sem precisar dizer uma palavra. De grandes planos gerais do espaço sideral, revela-se uma decomposição de signos, por meio de planos das cabines da espaçonave, mudando para corredores, sala de máquinas e os capacetes solitários, representando as vidas que serão narradas na nave. Os capacetes constroem a metonímia das partes das pessoas que serão apresentadas.
Os ambientes internos e estofados claros das câmaras de junção e de hibernação contrastam com o escuro dos corredores de canos e fios apertados. Enfim, todos os contrastes e oposições são significativos, partindo do Alien completamente “unfamiliar” e biomecânico ao gatinho Jonesy, fofinho, esperto e pet.
Enfim, "Alien, O Oitavo Passageiro" é uma daquelas pérolas que fazem ter orgulho do cinema setentista e oitentista de horror que flerta até mesmo pela parcimônia técnica com elementos do cinema clássico. Além disso, conta com um orçamento na casa dos 11 milhões de dólares.
A sua aprovação no IMDB passa dos 80% e no Rotten Tomatoes chega na casa dos 94 a 98%, simplesmente insana. Portanto, Ridley Scott, em sintonia com o designer do alien, H. R. Giger, nos dão uma lição de cinema inesquecível, a partir do qual, com marisco, ostra e fígado (sim, isso mesmo, reparem na foto acima do facehugger) fazem os efeitos práticos do alienígena algo realista, em um cena em que ainda não era possível inserir elementos digitais.
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Referências
No espaço, ninguém pode ouvir você gritar
Se eu fosse 10% do Ryan Gosling, tava bom! Levi Henrique Merenciano é linguista e semioticista, aficionado por cinema e games. É dono do canal Cinessemiótica, página especializada em indicação de filmes cults, documentários e lançamentos.