Enterrem meu Coração na Curva do Rio

Tristeza indígena sem fim

por
Fábio Jordan

04 de Janeiro de 2015
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Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 5 min

Eu sempre fui fascinado pela cultura indígena. Talvez porque eu sou um pouco índio ou quem sabe porque esses povos antigos eram muito manjadores. Fala sério, os caras sempre mandaram muito bem em vários aspectos.

Eles tinham um estilo de arte único, com pinturas nos rostos uns balaios cheio de padrões, músicas que mais pareciam os sons da floresta orquestrados, danças que eram capazes de fazer chover, isso sem contar as técnicas de pesca, navegação, caça e por aí vai.

Justamente por curtir a cultura dos índios, é que eu geralmente me interessei por filmes relacionados às histórias desses povos. Aí, um belo dia eu vi uma propaganda na HBO — isso lá em meados de 2007 — e me interessei por um filme chamado “Enterrem meu Coração na Curva do Rio”, que por sinal é baseado em um livro homônimo.

Na época, pude conferir o filme na televisão e achei demais o que ali foi mostrado, mas eu não levei o diálogo adiante além de papos com amigos durante os cafezinhos no escritório ou com meu pai que também tem muito interesse no tema — com quem, por sinal, tive o prazer de ver a minissérie Into the West, que trata de temática semelhante.

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Bom, há algum tempo, por um acaso do destino, encontrei o DVD original (que é uma verdadeira raridade) e finalmente pude rever essa obra. É claro que essa segunda visita ao tema despertou várias emoções e assuntos que poderiam gerar inúmeros textos e até debates, mas hoje só quero comentar um pouco sobre a ideia do filme e traçar um paralelo rápido sobre a realidade atual desse povo.

Uma guerra injusta e sem sentido

A história nos ensinou até agora que o homem branco é um canalha. Falo aqui dos colonizadores, principalmente dos que detinham o poder, que ao longo dos séculos escravizou, massacrou, ludibriou e cometeu todo o tipo de atrocidade com diversos povos.

Quando tratamos em especial dos indígenas, podemos ver que os europeus que aqui chegaram (independente da região da América) passaram a perna em todos os nativos. Todos os locais que eram habitados pelos índios, foram tomados para a construção de cidades, ferrovias, estradas e, claro, para a exploração dos recursos naturais.

No filme, vemos essa “guerra” (em que um lado tinha todo o poder e outro estava ali apenas para morrer) já em situação avançada. O ano é 1876 e acompanhamos várias tribos e grandes líderes indígenas ainda resistindo e tentando ter seu espaço na vastidão da nação norte-americana.

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Um dos protagonistas aqui é Nuvem Vermelha, líder de uma pequena tribo que acabou se rendendo às ordens do governo. Eles foram levados para a reserva Sioux, no estado da Dakota, onde ficaram sob “os cuidados” do homem branco, que julgava necessário educar ou, melhor dizendo, civilizar os nativos.

Acontece que nem todos os índios se rendiam. Touro Sentado e Cavalo Louco, por exemplo, seguiram suas tradições e não se entregaram facilmente. A resistência deles é lendária. E os nomes são ainda mais maneiros!

O filme faz questão de retratar a ganância do homem branco, principalmente por ouro, algo que era abundante nas terras Sioux, local chamado de Black Hills. Para evitar a guerra, os ingleses faziam acordos do tipo “ou vocês assinam o tratado — cedendo os direitos de uso e exploração das terras e do povo — ou morrem (de fome e na guerra)”.

É válido colocar aqui, no entanto, que o enredo não foca apenas nas desgraças. Em paralelo, acompanhamos a história de Charles Eastman, um índio que cresceu no meio dos brancos e que foi responsável por garantir direitos a seu povo e evitar futuros confrontos — como o de Little BigHorn que é retratado no longa-metragem.

Execução de qualidade

Uma das coisas que deixa Enterrem Meu Coração na Curva do Rio ainda mais interessante é a forma como ele é construído e o capricho nos detalhes. Assim como outras tantas produções da HBO, este filme também não deixa a desejar no aspecto visual, histórico, sonoro e dramático.

A obra dirigida por Yves Simoneau (um cara que se dedica especialmente a longas e minisséries televisivas) mostra toda a questão da importância que os nativos norte-americanos dão a suas tradições. Eles são muito apegados às penas, aos cabelos compridos, às roupas e outros tantos costumes que se desenvolveram ao longo dos séculos.

Felizmente, o filme retrata tudo isso de uma forma convincente, já que o elenco é quase que totalmente composto por nativos que conheceram a verdadeira história através de seus antepassados. É comum ver cenas com cinquenta ou mais índios em campo de batalha. Algumas filmagens aéreas das batalhas deixam o resultado ainda mais impressionante.

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A direção de fotografia sob responsabilidade de David Franco é impagável. Os cenários mostram como os índios perderam muito nesse período e como os europeus destruíram terras que eram belíssimas. A obra fica completa com a trilha de George S. Clinton, que caprichou para dar o tom de drama aproveitando um pouco da musicalidade indígena.

Quem está à procura de um programa diferente, vale ficar de olho na programação dos canais HBO (dá pra ver no HBO GO) ou tentar achar o DVD, pois é um título ímpar e muito bonito. Ouso dizer que Enterrem Meu Coração na Curva do Rio é um longa no mesmo nível de Dança com Lobos ou de O Último dos Moicanos (exceto por conta de algumas limitações), mas com uma puxada de orelha histórica e um enredo ainda mais centrado nos nativos.