Resenha: Os Gritos, de Tokuro Nukui
Um mergulho sombrio na dor, no silêncio e nas falhas humanas
Antes de começar minha análise, deixo a sinopse oficial para situá-lo.
As pessoas acreditam no que querem acreditar...
Uma série de sequestros trágicos de meninas. Uma investigação que se arrasta, sem pistas. A discórdia se alastra pela polícia. O imperturbável chefe da Primeira Divisão Investigativa está em uma posição difícil, sendo cobrado pela opinião pública, por seus superiores e principalmente por si mesmo. Que tipo de terror se esconde por trás das máscaras? O que um assassino sem escrúpulos está disposto a sacrificar para conseguir o que quer?
Entre duas narrativas que caminham em paralelo, Tokurō Nukui constrói um thriller psicológico denso, enigmático e muito próximo do espírito do noir japonês.
Nesta crítica, não há spoilers — no máximo, alguns elementos básicos da história e comentários sobre minha perspectiva geral do livro e de seu desenvolvimento, sempre sem entrar em detalhes. Se você está se perguntando se vale a pena ler o livro “Os Gritos”, de Tokurō Nukui, acompanhe minha resenha para descobrir o que essa história realmente entrega.
Publicado originalmente em 1993, Os Gritos é um noir japonês que une duas tramas paralelas marcadas por mistério, silêncio e uma investigação desafiadora.
Eu descobri o lançamento de Os Gritos graças a uma publicação do talentoso artista Wagner Kuroiwa. As obras de Kuroiwa falam por si só. Com sua criatividade afinada, ele se expressa por meio de cores, formas, curvas e elementos que, à primeira vista, parecem aleatórios, mas encontram significado no contraste e na harmonia.
Quando Kuroiwa revelou que havia feito a arte de Os Gritos, fiquei bastante curioso para descobrir mais sobre o livro. Talvez porque no meu inconsciente, eu tenha um conceito abstrato do que a arte de Kuroiwa representa: profundidade, mistério, enigma e sentimentos complexos de expressar em palavras.

Assim, imaginei que o livro poderia despertar algo do que eu via na obra desse talentoso artista. Fui atrás de mais informações da obra literária, mas acabei não comprando de imediato. Felizmente, às vezes, as energias se alinham e o universo parece conspirar em favor de nossos desejos. Inesperadamente, ganhei o livro da minha companheira — sem eu sequer ter mencionado absolutamente nada sobre o livro.
Bom, se o destino me prestigiou com tal fortúnio, imaginei que seria, no mínimo, de bom grado agarrar esta oportunidade e conhecer a história de "Os Gritos" o mais breve possível. Apesar da rotina caótica, finalizei a leitura em cerca de 15 dias e, já adianto, fiquei chocado com a trama orquestrada de forma singular. Nada trivial, aliás, longe disso, porém uma experiência curiosa e repleta de reflexões sobre meu hábito de leitura, principalmente no que tange diferentes perspectivas de escrita.
"Os Gritos" (em japonês: Doukoku) foi publicado originalmente em 1993 e, por ser uma obra nipônica, traz uma diferença gritante de narrativa, muito ligada à ambientação do país e ao estilo de construção típico da época.
Isso pode causar certa estranheza ao leitor desavisado que imagina estar diante de algo “familiar”.
Longe disso: aqui tudo é único, tangível e imersivo, especialmente para quem não consome com frequência a literatura ou o cinema da nação do sol nascente.
O enredo se desenvolve por meio de duas histórias paralelas, alternadas entre capítulos curtos o suficiente para manter o ritmo e evitar que o leitor se perca.
De um lado, temos Matsumoto e sua história pessoal.

Sua história é de luto, tristeza e vazio — uma vida sem propósito que começa a ganhar uma fagulha de esperança após conhecer uma garota que promete orar por sua felicidade.
Apesar do tom trágico dessa perspectiva, o livro consegue nos fazer esboçar alguns sorrisos através das ironias da vida.
A visão de Matsumoto sustenta o ritmo do livro. Sua trajetória tem peso, e a sensação é de que avançamos junto com ele rumo a algo construtivo, mesmo que isso implique em uma possível armadilha.
Do outro lado, há Saeki e a investigação policial.
Confesso que, durante boa parte da leitura, fiquei um pouco inquieto com os entraves na história de Saeki. Contudo, ao refletir posteriormente percebi que é justamente aí que o livro brilha: ele retrata com realismo as dificuldades e limitações de uma investigação nos anos 1990, quando não havia câmeras, celulares, rastros digitais ou recursos tecnológicos modernos.
Assim, a trama é permeada por cenas que expõem as picuinhas internas da corporação, o embate entre opinião pública e mídia, atrasos da investigação e até relatos curtos dos pais das crianças — o que adiciona uma camada melancólica e mais humana.
Particularmente, adorei o livro, mas confesso que ele demora para engrenar. Isso pode frustrar quem espera uma narrativa mais fluida e rápida.
Eu mesmo fui avançando e percebendo esse passo vagaroso, o que me lembrou que nem tudo precisa ser direto ao ponto.
Apesar do excesso de detalhes, nada aqui está por acaso.
Apesar de que possa parecer o contrário em determinadas partes, a narrativa não tem rodeios ou floreios desnecessários. O detalhamento é proposital: ele serve para dar corpo aos personagens e torná-los mais tridimensionais, evitando o superficial.

Cada nome, cada pequeno trecho faz alguma conexão que, aos poucos, dá forma a esse universo tomado pelo silêncio ensurdecedor, pela raiva contida e pelo mistério perturbador.
Os Gritos é uma queima lenta, que entrega informações em doses pequenas e calculadas. É uma abordagem ousada, especialmente para leitores acostumados a reviravoltas constantes, mas fica claro que Nukui quis mostrar justamente a dualidade de perspectivas. De um lado, uma investigação morosa e desafiadora; doutro, um ser humano buscando com avidez um propósito de vida.
Também fica evidente a intenção do autor em trazer realismo à história. Mesmo sendo ficção, a construção dos personagens, da instituição policial e do cenário urbano japonês é pé no chão e crível — o que impede o livro de cair em tramas mirabolantes. Afinal de contas, como se resolve um caso sem pistas concretas?
Nem tudo é óbvio. Não se trata de incompetência — ainda que haja críticas claras às corporações de segurança e ao sistema de justiça —, mas sim da dificuldade inerente ao caso.
Além disso, é impossível não notar o paralelo gritante entre as neorreligiões japonesas dos anos 1990 e as do Brasil de 2025.
Há críticas, há sutilezas, e há espaço para refletir sobre a exploração da fé — não necessariamente a fé em um ser divino, mas a fé em reencontrar o que se perdeu.
O livro faz questão de enfatizar o vínculo evidente entre religião e finanças, entre esperança e promessas, entre poder e submissão. São temas pesados, cenas densas, mas que fazem parte de uma trama policial extremamente bem construída.
Apesar do ritmo vagaroso, a recompensa é gigantesca. O final entrega uma reviravolta realmente inesperada. Realmente, é de quase gritar com as surpresas do grand finale! E digo mais: a guinada que leva ao desfecho só é possível graças à escrita meticulosa e ao domínio técnico de Nukui.
É impossível terminar o livro sem sentir que fomos premiados por um escritor brilhante. Tokurō Nukui é talentoso, ímpar e enigmático. Não há como explicar em palavras a conclusão da obra, de modo que minha única dica é: leia e surpreenda-se.
Que bom que a Editora Rocco nos presenteou com essa tradução, mesmo que após trinta anos após a publicação original.
Moral da história: “Os Gritos” é um noir japonês intenso, marcado por narrativa lenta, temas densos e uma reviravolta impactante que vale cada página.
Antes de finalizar minha resenha, só quero fazer um adendo para os leitores que estão pensando numa possível adaptação de Os Gritos para um filme. Essa é uma dúvida super válida diante do número de obras recentes que ganham adaptações para o cinema — e aí fiquei imaginando como seria Os Gritos em versão audiovisual.
Cheguei à conclusão de que seria praticamente impossível transpor o livro de forma direta — a não ser com um roteiro extremamente cuidadoso e uma direção capaz de prender o espectador pela atmosfera, e não apenas pela ação.
Não seria impossível, mas talvez a surpresa não fosse a mesma.
E por aqui, paro por onde devo — para não entregar mais do que preciso.
Publicado originalmente em 1993, Os Gritos é um noir japonês que une duas tramas paralelas marcadas por mistério, silêncio e uma investigação desafiadora.
Confira o trailer deste filme dirigido por
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