Crítica 120 Batimentos por Minuto
Relato cru e cruel sobre a AIDS nos anos 90
As décadas de 80 e 90 foram um verdadeiro terror para a comunidade LGBTT do mundo todo. E não digo isso apenas por conta do preconceito, que ainda hoje atormenta quem se identifica como Lésbica, Gay, Bissexual, Transexual, Transgênero e qualquer outra identidade que desafie o padrão heteronormativo. Naquela época, uma outra sigla de apenas quatro letrinhas fez com que tantas e tantas pessoas vivessem - e morressem - em pânico: a AIDS.
É justamente sobre o período em que as pessoas mais tentavam entender e combater a síndrome que se centra o longa-metragem francês "120 Batimentos por Minuto". A trama gira em torno do romance entre dois jovens - Nathan (Arnaud Valois) e Sean (Nahuel Pérez Biscayart), integrantes de um movimento de luta em defesa dos direitos das pessoas LGBTT, o ACT UP.
Embora tivesse outras pautas, o movimento se concentrou especialmente sobre a questão da AIDS e seu efeito devastador sobre as pessoas que se contaminavam. Assim, ao nos contar a história de Nathan e Sean, o roteirista e diretor Robin Campillo faz um verdadeiro retrato da França da década de 90 - que ele mesmo vivenciou enquanto gay.
Assistir a "120 Batimentos por Minuto" é conhecer as minúcias de uma organização voluntária, de um movimento social. E a produção faz isso sem romantizar de forma nenhuma a luta. Nos conduz por desde os atos públicos empolgantes e cheios de rebeldia, até as entediantes e longuíssimas reuniões para debater as ações passadas e futuras da Act Up.
Este é um dos grandes pontos positivos do filme: ele mostra as dificuldades, a bravura e a seriedade com que os militantes se lançaram à manifestação, é um retrato cru, sem mascarar os percalços, mas valorizando cada etapa do processo de organização de um grupo social que se move por uma pauta.
Então esqueça o amor, o romancinho: "120 Batimentos por Minuto" é composto por 140 minutos de militância mesmo.
Um ponto interessante sobre o filme é que o coletivo, que na ficção é presidido por Thibault (Antoine Reinartz), não existe somente nas telinhas. A película é inspirada nas ações da verdadeira Act Up, entidade fundada em 1989 cuja ação foi determinante para atrair a atenção do governo francês e de autoridades do mundo todo, já que inspirou coletivos em diversos outros países.
No recorte feito por "120 Batimentos por Minuto", temos um grupo devastado, que já não aguenta mais perder membros, amigos, namorados para uma doença implacável, que sabe que a indústria farmacêutica já possui soluções mais eficazess que as disponíveis até então, mas não a libera por motivos comerciais.
Nesa fase da militância retratada no filme, portanto, o que se reivindica é um posicionamento do governo francês com relação aos casos de AIDS que destruíram as vidas de tantos jovens homossexuais franceses, mas que permanece sendo ignorado pelas autoridades.
A intenção é muito bonita, a história é intensa e envolvente e o filme tem momentos interessantíssimos de embate, trocas, construções coletivas, mas também cai inevitavelmente no cansaço. As intermináveis reuniões da Act Up começam a dar um pouco de sono e o filme se estende um bom tanto, com algumas cenas desnecessárias e que não agregam muito a uma trama que já é complexa por si só.
Alternado a isso, como que para equilibrar o ritmo lento dos atos, são inseridas cenas em que o longa-metragem de cinema, ao melhor estilo francês quase sem trilha na sonora, quase chega a se parecer com um clipe musical, com cenas em baladas que funcionam como transição entre um momento e outro do filme, mas que não fazem sentido.
A gente até entende a intenção, de mostrar que apesar do envolvimento, a vida dos jovens militantes não era só virada em reunião, que eles também faziam questão de curtir. Mas sabe quando fica deslocado? Então...
Se você estiver muito envolvido com a história dos protagonistas, com a pauta em questão, curtir uma reunião, tudo isso pode nem te incomodar, mas certamente segmenta um pouco o público - o que não é necessariamente um problema.
Cotada para concorrer ao Oscar 2018, representando a França, "120 Batimentos por Minuto" acabou ficando de fora da premiação e não apareceu na lista de finalistas. No entanto, a produção é de extrema importância para chamar a atenção para uma doença que, embora esteja muito mais sob controle, ainda existe e ainda tem força - embora não mais apenas entre os homossexuais.
- Em 2014, 67,5% das pessoas com HIV era de heterossexuais, na maioria mulheres (58,2%), segundo o Ministério da Saúde
- 36,7 milhões de pessoas em todo o mundo viviam com HIV em 2016
- 1,8 milhão de novas infecções pelo HIV em 2016
- 1 milhão de pessoas morreram por causas relacionadas à AIDS em 2016;
- 76,1 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV desde o início da epidemia;
- 35 milhões de pessoas morreram por causas relacionadas à AIDS desde o início da epidemia.
Fonte: O Globo e UNAIDS
A indiferença é a pior das doenças!