Crítica do filme A Criada

Tramoia perversa orquestrada com maestria

por
Fábio Jordan

20 de Janeiro de 2017
Fonte da imagem: Divulgação/Mares Filmes
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 8 min

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Desde a divulgação do trailer genial de “A Criada”, lá no começo de dezembro, fiquei um tanto intrigado para descobrir o que Chan wook Park — a mente por trás de Oldboy — teria bolado em sua mais nova obra.

Na trama, somos levados para a Coreia do Sul, lá por volta dos anos 1930, onde conhecemos a Sooke (Kim Tae-Ri), uma jovem que vai trabalhar como criada de Hideko (Kim Min-Hee), uma herdeira japonesa que leva uma vida isolada junto a seu tio autoritário.

O que poderia ser um drama datado sobre a vida luxuosa de uma donzela — com pontos para debates sobre condições, abusos e relações —, no entanto, é o palco perfeito para Chan wook Park virar o comum do avesso e apresentar uma história de ganância, segredos e reviravoltas.

Cheia de astúcia e ambiciosa para levar uma vida fácil, Sooke está mancomunada com Fujiwara (Jung woo Ha). Os dois arquitetaram um plano para desposar Hideko, roubar sua fortuna e, por fim, trancafiá-la em um sanatório.

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Numa trama que envolve questões sobre caráter, confiança, traição e outros pormenores, “A Criada” chega como um drama com boas doses de romance e até com um leve toque de suspense. Uma obra genial do começo ao fim que vale ser conferida em um cinema de luxo. Embarque nessa viagem ao passado e vamos prosear um pouco sobre esta obra de arte.

Respingos de perversidade que aguçam a tensão

Histórias sobre oportunidades de fazer um dinheiro fácil são sempre interessantes. Não tanto pela questão de um personagem tomar vantagem sobre outro, mas pela engenhosidade dos planos e as motivações que levam a tais ações. Cartas na manga para possíveis reviravoltas são bastante comuns nesse filme, o que nos leva a esperar por surpresas a qualquer momento.

É nesses pontos que o roteiro a dois, com dedos de Seo-kyeong Jeong (“Lady Vingança” e “Sede de Sangue”) e Chan wook Park, se mostra bem-sucedido. A característica detalhista que vemos em outros filmes de Park se repete aqui, com um pano de fundo bem explanatório sobre as origens das personagens, o que dá substância para o desenrolar da trama.

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A história minuciosa de “A Criada” é contada de forma bastante linear, porém dividida em capítulos, os quais ajudam na compreensão do enredo. Curiosamente, alguns elementos na execução da história acabam destoando um tanto da pegada característica do diretor, o que acaba sendo bem aproveitado e justificado aos poucos.

É com uma cautela fundamentada que Chan wook Park constrói personagens profundos e que cativam facilmente. Para o público ocidental, habituado a culturas mais extrovertidas, poucas ações são suficientes para atrair a atenção, uma vez que até pequenos trejeitos e algumas poucas frases já se mostram muito discrepantes das produções deste lado do globo.

Talvez, até por conta de um imaginário inconsciente é que questionamos até que ponto o diretor tem coragem de levar a história – apesar de que aqueles que já viram “Oldboy” sabem que os orientais não são de brincadeira. Assim, com muita astúcia, somos levados pela mão por uma cultura distinta e podemos conferir a exploração do caráter de vários personagens.

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Aos poucos, os pedaços da história se encaixam e tomam rumos inesperados. Ainda que seja premeditado a presença de algumas cenas de romance, a sinopse não faz jus ao quão profundo o filme pode ir em gêneros distintos. Park transita entre drama e suspense com uma naturalidade que deixa a plateia boquiaberta.

Todavia, da mesma forma como o roteiro consegue ser surpreendente em cenas suaves e bem explanatórias, ele se mostra muito afiado ao dar guinadas rumo a uma perversidade pouco habitual. Não espere nada tão ousado como o primeiro trailer, que deixa muito mistério no ar, mas pode ter certeza que o rumo dessa história vai deixá-lo tenso e curioso a todo instante.

Intimismo a 24 quadros por segundo

Toda essa transposição de roteiro repleto de mudanças radicais para a telona não se dá apenas com a genialidade do diretor. A construção de “A Criada” se dá nos mínimos detalhes, a começar pelos cenários selecionados a dedo – que dão espaço  para enquadramentos muito bem aproveitados –, os figurinos construídos sobre pilares históricos e maquiagem impecável.

A história focada na mansão de Hideko não precisa dar muitos passeios pela Coreia do Sul, por isso há uma grande quantidade de cenas em ambientes fechados. Todavia, a contextualização das personagens e até várias cenas que dão base para o centro do roteiro são executadas em locações externas.

Uma obra de arte que transita de forma sinuosa pela perversidade e surpreende com cenas audaciosas

O que vemos na tela é uma época com limitações tecnológicas, onde há poucos locais com energia elétrica e apenas alguns veículos motorizados. Essa premissa de buscar a construção de locais simples é adequada para apresentar Sooke, mas há um contraponto interessante na residência de Hideko, que já dispõe de muito dinheiro e privilégios.

A mansão que serve de ponto de encontro para todos os personagens, na verdade, é um cenário que apresenta várias regiões para as filmagens, indo desde cômodos incrivelmente luxuosos, passando por bibliotecas sinistras, até chegar a bosques gigantescos. Cada ambiente guarda segredos e se encaixa de forma adequada para o desenrolar dos diálogos.

As cenas de romance é que ficam ainda mais aguçadas nesses locais recheados de elementos que provocam o espectador e dão espaço para muito erotismo. O cuidado com iluminação e a paleta de cores também são pontos que ajudam bastante, já que garantem o desenvolvimento de situações inusitadas e ainda mais excitantes.

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Para tais sequências, o figurino caprichado com um refinamento sem precedentes também serve de alicerce, uma vez que mostra a intimidade das personagens e transparece a sensualidade. Em outros casos, o jogo de câmeras dá sua contribuição para enaltecer ângulos propícios para cenas ousadas.

No centro de toda essa produção temos o elemento mais importante: um elenco fenomenal. Apesar de alguns personagens caricatos, o filme é construído com muita realidade, principalmente quando falamos do trio central da história. Tae-Ri Kim e Min-Hee Kim formam a dupla perfeita, com um balanço entre inocência e malícia, timidez e desinibição.

A trama é muito focada nas duas, com pequenas participações de Jung-woo Ha e Jin-woong Jo. Os dois atores experientes contribuem bastante para a trama, ainda mais com a abordagem de alguns pontos mais excêntricos da história. Na junção dos arcos, o time escolhido é muito coeso e entrega atuações críveis e de uma exuberância elevada.

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Por fim, mas não menos importante, “A Criada” é uma produção que se completa com uma trilha sonora que esbanja requinte em algumas partes e deixa um ar de confidências a serem reveladas em outras circunstâncias. A composição original que abusa de sons de violino e piano  também é muito bem pensada, casando com precisão com cada situação.

Amantes da sétima arte não podem perder a oportunidade de ver esta obra magnífica nos cinemas e apenas reverenciar o mestre Chan wook Park por seu brilhantismo. Veja, reveja, aproveite e esteja preparado para muitas surpresas. Um verdadeiro deleite para os olhos!

Fonte das imagens: Divulgação/Mares Filmes

A Criada

Em quem você pode confiar?

Diretor: Park Chan-wook
Duração: 145 min
Estreia: 12 / Jan / 2017