Crítica do filme A Primeira Noite de Crime

Crítica social foda!

por
Fábio Jordan

28 de Setembro de 2018
Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 6 min

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Já faz cinco anos que os cidadãos de todo o mundo esperam ansiosamente por novos capítulos da franquia “Uma Noite de Crime”. Mais recentemente, os produtores resolveram se arriscar e trazer mais histórias que compõem este universo um tanto sádico, macabro e dramático.

Neste ano, tivemos duas gratas surpresas: uma série exclusiva da Amazon Prime Video e, agora, um novo episódio que chega aos cinemas e conta a origem dessa ideia inusitada e um bocado perigosa — ainda mais em tempos de governos extremistas e que buscam soluções muito questionáveis.

Para quem caiu de paraquedas neste campo de guerra urbano, vale uma introdução. O expurgo (palavra proveniente do título original, “The Purge”) é um evento anual que visa reduzir a taxa de criminalidade ao longo do ano. Trata-se de uma única noite (de 12 horas) em que os cidadãos podem cometer qualquer tipo de crime sem penalidades.

O evento já consolidado nos demais filmes é bastante apreciado pelo público, mas até então não tínhamos uma ideia clara de como se deu a primeira faísca para uma prática tão absurda. No filme “A Primeira Noite de Crime”, finalmente podemos ver quem encabeçou esta teoria sociológica e como os primeiros participantes reagiram a tal proposta.

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A visão principal se dá sob a ótica de Nya e seu irmão Isaiah, que moram num bairro pobre e, de repente, descobrem sobre essa barbárie autorizada pelo governo. Paralelamente, acompanhamos outros tantos casos de cidadãos que topam participar do evento, quando os realizadores oferecem 5 mil para quem conseguir sobreviver ao experimente e bônus para quem participar ativamente.

A arte imita a vida

A primeira coisa bastante interessante deste episódio da franquia é o debate que o filme traz à tona, afinal cada indivíduo do público-alvo tem concepções diferentes — e possivelmente acompanha o desenrolar da história por interesses distintos. Muitos adoram o clima de terror desta ficção, outros gostam do drama de situações tão perigosas e há quem aproveite o filme para uma reflexão.

Particularmente, eu gosto da mistura proposta pelos filmes da franquia, mas principalmente pela verossimilhança com os recentes “debates” (que mais parecem um circo) com discursos marcados pela violência como solução para a… violência. Pois é, não é de hoje que uns e outros buscam soluções fáceis para problemas bem mais complexos.

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De qualquer forma, seja no mundo real ou na telona, a violência é uma pauta recorrente e, querendo ou não, muitas das vezes as pessoas chegam à conclusão de que situações extremas exigem medidas extremas. Este é justamente o ponto central do roteiro de “A Primeira Noite de Crime”. Os poderosos desistem do governo e tentam um extermínio dos pobres pelos próprios pobres. E por mais louco que isso possa soar, não é algo tão distante na cabeça de muitas pessoas.

A ficção, ainda que um tanto absurda, não está longe de algumas falas — que empregam termos como “cidadão de bem” e “família tradicional” —, as quais colocam um estereótipo irreal acima de outrem, como se alguns fossem mais humanos do que outros. E aqui podemos incluir no panorama os cidadãos que se julgam parte desse grupo superior e que assinam embaixo qualquer proposta que possa acabar a violência — mesmo que a solução seja liberar armas para todo mundo se matar.

Na vida real, isso implica em consequências terríveis e, como um reflexo do mundo, o filme mostra com detalhes o potencial destrutivo e odioso do ser humano. Como um espectador, é fácil ficar enojado e com um sentimento de repulsa pelos canalhas por trás do poder. Por outro lado, ao se colocar no lugar das vítimas, o filme propõe um olhar amedrontador: o terror de não sobreviver numa guerra provocada pelo alto escalão.

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Em um terceiro olhar, temos a oportunidade de perceber como uma situação tão extrema poderia colocar criminosos de todos os tipos, psicopatas, grupos paramilitares, milícias, políticos e ricos juntos para combater e extinguir um único inimigo em comum: o pobre indefeso que “suga” os recursos governamentais, que cada vez ganha mais direitos, que ocupa novos lugares de fala e que, na cabeça destes lunáticos, representa uma ameaça para os poderosos.

O medo toma conta

Quem acompanhou os outros filmes do expurgo sabe que há vários olhares possíveis do evento: desde uma família trancada em casa, passando por grupos resistentes que se organizam para sobreviver até chegar em situações de muita tensão com bandidos mascarados aterrorizando cidadãos indefesos.

A Primeira Noite de Crime” se apoia justamente nessa diversidade de perspectivas para mostrar os protagonistas da história, que interagem com tantos outros personagens e grupos, enquanto tentam sobreviver às terríveis doze horas de agonia. O roteiro se apoia em algumas situações um tanto frágeis, que são facilmente questionadas pelo espectador, mas temos de considerar que as pessoas tomam decisões burras em situações de vida ou morte.

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Assim, ainda que a história seja um tanto fraca e que muitas ideias sejam difíceis de engolir, o filme tem algum sucesso ao criar uma empatia da plateia com os personagens. Muito dos acertos está no tom severo da violência, que nos provoca inúmeras sensações, afinal nunca sabemos a reação dos criminosos, quem está por trás das máscaras e qual será a tática de atuação dos bandidos.

Nesse ponto, a franquia sempre foi bem-sucedida e continua genial. A composição dos cenários, o figurino criativo com tantos disfarces e fantasias, bem como o modus operandi dos psicopatas são aspectos que merecem atenção, pois surpreendem a cada instante. É na somatória desses pontos que o filme funciona legal, ainda mais com a ação desenfreada de alguns combates, bem embalada por raps devidamente pensados para o ambiente periférico.

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No fim do dia, entre mortos e feridos, a franquia continua funcionando e este filme deve ser um adendo apropriado para dar mais substância ao ritual do expurgo. Contudo, já deixo um alerta: há alguns exageros, personagens bizarros e muitos atos desnecessários no script. Vale lembrar que a Noite de Crime não é uma franquia de terror que pretende ser imaculável, então não espere muita coerência ou atuações excelentes, pois o negócio aqui é ver o circo pegar fogo.

Boa sorte e bom expurgo!

Fonte das imagens: Divulgação/Universal Pictures

A Primeira Noite de Crime

O Renascer de uma Nação

Diretor: Gerard McMurray
Duração: 98 min
Estreia: 27 / Sep / 2018