Crítica do filme Black Mirror: Bandersnatch
Você não tem escolha
Você provavelmente parou aqui porque estava na dúvida se devia ver o filme Bandersnatch – derivado da famosa série de episódios distópicos de Black Mirror. Talvez você nem conheça o Café com Filme, mas você já parou para pensar que todas as suas ações prévias (que você imagina ter tomado por livre e espontânea vontade) convergiram para você vir ler este texto neste exato momento?
Este tipo de questionamento é o que permeia toda a trama de Bandersnatch, mas o grande diferencial do longa-metragem polêmico (que pode durar até quase cinco horas) é um aspecto inusitado: a possibilidade de o espectador tomar decisões durante o enredo, as quais alteram a linha temporal dos personagens e, consequentemente, o final da história. É tipo um filme interativo, em que você tem o poder da decisão.
A sinopse original não fala muita coisa, dando apenas a pista de que acompanhamos um jovem programador que começa a questiona o conceito de realidade e enfrenta um desafio alucinante durante sua jornada para criar a adaptação de um livro famoso em um jogo de videogame. E, na verdade, talvez seja melhor você não saber muito além disso, pois há muitas surpresas para serem reveladas e escolhidas.
E a pergunta que fica é: vale a pena ver esse filme do Black Mirror? A resposta é: depende. É claro que o conceito de “valer a pena” está atrelado à experiência de cada um, o que é incerto no caso de um filme pouco convencional e até experimental. Na minha opinião, “Black Mirror: Bandersnatch” alcança sucesso parcial, sendo preciso separar a produção como um todo, do conceito e também da linha temporal.
Primeiro de tudo, é bom ressaltar que, diferente dos episódios da série, o filme do Black Mirror não se passa no futuro, mas no passado. Assim, o roteiro como um todo não incorpora o velho jargão de “que isso é muito Black Mirror”. A história é bem simples, retratando a jornada de um programador e as respectivas tecnologias da época, então não espere grandes surpresas quanto aos rumos do enredo.
O trunfo então que caracteriza o filme é essa quebra da quarta parede, que normalmente separar o fictício do real, mas que aqui é completamente ignorada dada a proposta de interação. Pensando em filmes de longa duração, de fato, a ousadia dos produtores merece reconhecimento, já que são tantos desdobramentos, que a produção ganha nossa atenção sem precisar ir muito além de algumas poucas decisões.
E é claro que muita gente fica impressionada com essa ideia de “controlar” o rumo da história num primeiro momento, mas a verdade é que o conceito não é exclusividade de Black Mirror. Há inúmeras outras mídias, incluindo livros, vídeos na internet (tem até canal do YouTube que já fez isso) e principalmente jogos – como “Heavy Rain” e o recente “Detroit” –, que já exploraram esse conceito de inúmeras formas e talvez até com mais audácia.
E assim como muita gente já criticou em games, o problema maior aqui possivelmente é a indecisão da obra, que para alguns não parece um jogo e para outros não parece um filme. Particularmente, eu gosto muito da ideia e acho que ela funciona muito bem em Bandersnatch, mas há algumas considerações que devem ser feitas e que justificam um certo insucesso da proposta.
Quando você começar a assistir a “Black Mirror: Bandersnatch”, você logo vai perceber que há poucos pontos que podem ser controlados e que as opções são bem escassas. Há determinadas partes em que seu poder de decisão será limitado à trilha sonora, o que pode ser divertido já que você pode escolher sua canção favorita, mas que, na prática, não muda absolutamente nada no enredo.
Essa ideia de inúmeros desdobramentos é bastante interessante num primeiro momento, mas o filme acaba freando o espectador em várias ocasiões, obrigando a volta para uma determinada parte e, consequentemente, uma escolha diferente. Nessas horas, a gente vê que o roteirista Charlie Brooker não foi tão ousado na proposta, mas algo que a gente pode relevar dado o alto custo da produção.
Pois bem, fazendo as escolhas certas (ou seja, as que realmente levam a história para frente), você pode ter algumas surpresas bem legais, mas também pode ter outras decepcionantes. E eis aqui o ponto que faz o público se dividir, pois dependendo do final que você consegue para a história, sua experiência pode ser mais ou menos divertida.
De que adianta ter uma suposta liberdade de escolha se o resultado não é o que você esperava? Nesse sentido, Bandersnatch pode ser frustrante como a vida
Felizmente, eu fiz algumas escolhas bem acertadas e cheguei no final mais épico de todos, o que me deixou bastante satisfeito com a ousadia de determinadas partes do roteiro. Todavia, após chegar a um final, a Netflix dá a opção para o espectador ver outros finais alternativos, voltando para partes em que há decisões cruciais. Se você resolver embarcar nesta jornada (como eu fiz), talvez a história comece a ficar bem bagunçada e sem sentido.
Enfim, particularmente, eu vejo acertos no elenco, na trilha sonora, na direção e até mesmo no roteiro, mas a experiência inusitada inevitavelmente vai resultar em diferentes reações do público. Eu gostei da ideia e da forma como a história prosseguiu em minha jornada, mas as limitações impostas e até algumas guinadas no roteiro são fracas. Veja por sua conta e risco, mas saiba que, assim como na vida, você não tem escolha!
Escolha o rumo da história em uma viagem alucinante