Crítica do filme Bom Menino
O melhor amigo do homem e o pior inimigo do mal
Quando Todd e seu fiel companheiro Indy se mudam para a antiga casa de campo da família, o que parecia um recomeço tranquilo logo se transforma em uma história de arrepiar. A mansão herdada do avô carrega rumores de uma presença demoníaca, mas, como todo bom teimoso de filme de terror, Todd ignora os avisos. O resultado? Cabe ao seu cachorro — e não a ele — perceber que há algo muito errado nos cantos escuros da propriedade.
O diferencial de Bom Menino está justamente nessa escolha inusitada: toda a narrativa é contada sob o olhar de Indy. O público enxerga o mundo na altura do focinho (ou quase isso, já que não temos cenas com visão em primeiro cachorro), sentindo o medo e a confusão do animal diante de acontecimentos sobrenaturais que os humanos insistem em não notar.
Um conceito simples, mas extremamente eficaz, que transforma o melhor amigo do homem em uma espécie de guardião contra o pior inimigo do mal. Sim, já adianto aqui que o filme tem seu valor, tanto pela narrativa diferenciada quanto pelas cenas de tensão que são muito bem construidas. Mas será que vale o ingresso?
Bom Menino vale a pena?
Criativo, emocionante e tecnicamente refinado, Bom Menino entrega um terror tenso e original contado pela perspectiva de um cachorro. Apesar da curta duração e do roteiro que poderia explorar mais sua premissa, o filme é um destaque entre as produções independentes do gênero.
Não é novidade vermos cachorros protagonizando dramas ou comédias emocionantes — basta lembrar de Sempre ao Seu Lado ou Quatro Vidas de um Cachorro. Mas o gênero de terror raramente dá esse espaço a eles. Temos é claro alguns exemplares de projetos como Cujo, o clássico baseado em Stephen King, que mostrava um cão agressivo, mas não um herói. Nesse sentido, Bom Menino já merece aplausos por ousar inverter essa lógica: aqui o cachorro é a alma sensível e corajosa da história.
A proposta é ótima, e o roteiro encontra justificativas convincentes para levar Todd e Indy àquela casa amaldiçoada. Não é uma daquelas tramas preguiçosas do tipo “compramos uma casa e ela veio com fantasmas de brinde”. Há coerência emocional no enredo — o luto, o isolamento, a relação entre dono e animal — tudo faz sentido dentro da proposta.
Por outro lado, é inegável que falta substância para explorar melhor o potencial da ideia. Com apenas 72 minutos de duração, o filme parece se resolver antes de chegar ao clímax que prometia. Quem já viu o trailer ou leu a sinopse dificilmente será surpreendido. É um daqueles casos em que o conceito é tão bom que merecia mais espaço para florescer.
Ainda assim, a decisão de eliminar diálogos extensos é uma sacada genial. Para um cachorro, palavras não têm tanta importância — o que vale são os gestos, os sons e as emoções. A ausência de falas relevantes reforça a imersão: enxergamos o mundo com os olhos (e ouvidos) de Indy, que só quer carinho, atenção e proteger seu humano — e petiscos, é claro!
Fonte: Divulgação/Good Boy Movie Website - Ben Leonberg
A lealdade do bichinho é o verdadeiro coração do filme. O medo que sentimos não vem tanto das assombrações, mas da possibilidade de algo acontecer com o cachorro. Vida de cão não é fácil, e assistir a um animal tão valente enfrentando o desconhecido causa mais tensão do que qualquer susto armado. O público torce, sofre e suspira junto — e essa empatia é o que torna Bom Menino tão eficaz emocionalmente.
E que atuação! Indy, o cachorro que interpreta ele mesmo, dá um show digno de prêmios. Sua expressividade e naturalidade são impressionantes — e é graças a ele que o filme funciona tão bem. Trabalhar com animais em cena nunca é fácil, mas aqui tudo flui com espontaneidade, sem nunca parecer forçado.
O diretor Ben Leonberg, estreando em longas, demonstra um controle surpreendente sobre o material. Com experiência anterior apenas em curtas, ele e o roteirista Alex Cannon constroem uma atmosfera sólida, mesmo sem recorrer a truques baratos. A câmera acompanha Indy em ângulos baixos, tremendo levemente para simular o movimento natural do cachorro, sem exagerar ao ponto de causar desconforto. O resultado é imersivo e muito bem pensado.
A fotografia também merece destaque. A casa antiga, as sombras, os corredores estreitos e as luzes intermitentes criam um cenário de tensão constante. Há um cuidado visível na composição das cenas — as tomadas no porão, os planos sob a cama e até as sequências sob chuva ampliam a sensação de vulnerabilidade do protagonista. Tudo parece visto de um ponto de vista pequeno, frágil e corajoso ao mesmo tempo.
A montagem é precisa, e certamente não deve ter sido simples editar horas de filmagem com um cachorro. O trabalho de pós-produção dá ritmo à narrativa, evitando que o filme se torne cansativo, mesmo com a repetição inevitável de movimentos e expressões caninas. A trilha sonora de Sam Boase Miller complementa com perfeição essa ambientação, misturando percussões descompassadas e notas de violino alongadas e distorcidas. A edição de som complementa perfeitamente com ruídos de estática e o próprio choramingo de Indy em momentos de tensão crescente.
Os sustos aparecem em boa medida — nem em excesso, nem escassos demais. Leonberg entende que o medo verdadeiro vem da expectativa, não apenas do barulho. É o tipo de terror que prefere sugerir em vez de mostrar, e isso faz toda diferença. Cão que ladra não morde? Aqui ele morde o terror com estilo.
No fim das contas, Bom Menino é uma pequena joia indie: criativo, envolvente e emocional. Falta um pouco mais de substância para alcançar o status de clássico, mas é um filme corajoso, executado com talento e muito coração. Talvez não reinvente o gênero, mas prova que até o olhar mais inocente — o de um cachorro — pode revelar o lado mais sombrio da humanidade. Quem disse que não se ensina truque novo a cachorro velho nunca viu Bom Menino.
Confie nos instintos dele 🐶