Crítica do filme Entre Facas e Segredos

Longe do óbvio, próximo do genial

por
Fábio Jordan

20 de Dezembro de 2019
Fonte da imagem: Divulgação/Paris Filmes
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 6 min

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Auguste Dupin, Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Miss Marple e outros tantos detetives da ficção permearam nossa imaginação por anos sugerindo todos os tipos de histórias, modus operandi, manias, trejeitos e frases de efeito. Muitos dos fãs do gênero investigativo foram educados pelos personagens de Poe, Doyle e Christie, sendo difícil termos uma surpresa no segmento, seja em obras escritas ou do tipo audiovisual.

Muitas das vezes, o que temos são releituras ou colchas de retalhos com detetives que usam traços de diferentes personagens clássicos. Assim, é de pontuar logo de cara como “Entre Facas e Segredos” consegue algo inusitado, não tanto pelo ineditismo, mas pelo brilhantismo na construção de uma trama que flerta com o impossível, porém que nos mantêm atentos aos detalhes que revelam algo improvável, mas verdadeiro.

Nesta história, acompanhamos A Grande Família os Thrombey em um momento delicado. Era para ser uma manhã tranquila após a festa de 85 anos de Harlan Thrombey (Christopher Plummer), que é famoso por seus romances especializados em crimes. Todavia, os familiares são surpreendidos quando o patriarca da família é encontrado morto em sua propriedade, o que deixa todos muito assustados e sem saber exatamente o que aconteceu.

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Dadas as circunstâncias esquisitas do ocorrido, o detetive James Bond Benoit Blanc (Daniel Craig) aparece misteriosamente no local e se dispõe a investigar o caso. Agora, ele pretende examinar absolutamente todos os fatos, desde a família, que assim como tantas outras tem suas desavenças, bem como a equipe que cuidava do senhor Thrombey.

Num esquema investigativo que lembra muito o clássico jogo Detetive (ou Clue, no original), somos levados a acompanhar as técnicas distintas de Blanc, que tem de examinar meias-verdades e descobrir os fatos nessa teia de mentiras. A premissa já tem muito potencial, mas o roteirista e diretor Rian Johnson vai muito além do óbvio e nos presenteia com uma obra que certamente se destaca em 2019, bem como aflora em seu portfolio.

Vale resumir que “Entre Facas e Segredos” é o tipo de filme único em seu estilo. Apesar de beber da fonte de Agatha Christie, relembrar filmes como “Os 7 Suspeitos” e de se aproveitar de um elenco de talentos (o que, às vezes, até dá um medo), este longa-metragem se destaca pelo equilíbrio perfeito entre suspense e drama, mas isso sem deixar de encontrar espaço para uma dose de comédia. Um filme imperdível!

Todos são suspeitos até que se prove o contrário

Ora, e o que seria dos detetives sem possíveis culpados? Pois é, não há trama investigava sem um fato e, ao menos, alguns poucos suspeitos. Possivelmente pensando nessa equação e tomando como inspiração outros títulos clássicos, Rian Johnson opta por desenvolver uma trama com quase uma dúzia de personagens, o que deixa a coisa bem interessante e, por incrível que pareça, não é um filme cansativo.

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O intrigante é a forma como as pontas vão se conectando. Através dos mais variados perfis de personagens e com base na investigação minuciosa de Blanc, o roteiro vai se amarrando de forma desparelha: por vezes as informações se conectam, mas há outras em que os fatos não parecem fazer muito sentido. Assim, o filme nos coloca como investigadores junto ao detetive, de modo que tentamos desvendar a verdade sobre esses sujeitos perspicazes.

E não são quaisquer pessoas, estamos falando de personagens diversos (às vezes um tanto caricatos) interpretados por atores e atrizes gabaritados, incluindo: Chris Evans, Ana De Armas, Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Michael Shannon, Toni Collette, LaKeith Stanfield, Katherine Langford e Jaeden Martell. Reforço que nomes não significam muito, pois temos exemplos de como isso pode dar errado, mas nesse caso, em específico, o resultado é excelente!

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Obviamente, uma coisa está amarrada na outra, de modo que os atores interpretam de forma coerente graças ao roteiro e o roteiro fica convincente graças aos bons atores. Importante pontuar, contudo, que apesar de vários famosos e de cada um ter seu tempo e importância em tela, é Ana de Armas que se destaca, pois ela não é apenas uma peça-chave na trama, mas também interpreta uma imigrante, o que agrega um tópico adicional bem aproveitado.

Com grandes fortunas vem grandes investigadores

Bom, se por um lado temos uma personagem improvável conduzindo o roteiro, de outro temos um detetive inusitado complementando cada trecho. É James Bond na melhor vibe Freelancer que faz “Entre Facas e Segredos” ter seu charme, pois mesmo sendo um detetive gabaritado, o filme se prolonga por mais de duas horas até resolver todos os detalhes. E o melhor é que ele consegue prender nossa atenção e guardar o melhor para o fim.

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Contudo, é importante pontuar que Benoit Blanc não surge apenas do talento de Daniel Craig, mas também do personagem muito bem construído por Johnson, que consegue dar ênfase ao investigador com uma direção sensacional. O cineasta abusa de composições inesperadas para criar uma aura sobre o detetive e posteriormente inova ao salientar o modus operandi com diversas cenas bem inteligentes.

E falando em direção, é interessante como as coisas avançam de forma simultânea no filme. Conforme a investigação vai progredindo, o roteiro sai do cenário básico e explora mais locais que podem ter relação com o caso, o que amplia consideravelmente as possibilidades para o diretor. Com isso, o filme deixa de ser apenas uma investigação básica e ganha proporções maiores, que permitem explorar um bocado de ação com direito a perseguições insanas.

Tudo isso obviamente só é possível graças ao nível de detalhes elevado da produção. O cenário principal é a mansão do Sr. Thrombey, a qual já tem muitos ambientes e possibilita a criação de várias situações simultâneas. E interessante perceber também como uma coisa está atrelada a outra, pois parte da elegância do filme está justamente na fotografia e nesse local aconchegante, mas cheio de nuances misteriosas.

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Eu poderia passar horas comentando de tantos detalhes bem pensados e de como este filme consegue fisgar os fãs de suspense, mas o que vale é deixar claro que “Entre Facas e Segredos” encontra seu próprio estilo e surpreende pelos detalhes. Isto é o que eu chamo de cinema inovador, sem precisar cair na mesmice ou apelar para remakes. Certamente, um filmão para você investir seus dons investigativos e curtir com um balde de pipoca.

Fonte das imagens: Divulgação/Paris Filmes

Entre Facas e Segredos

Todos são suspeitos!

Diretor: Rian Johnson
Duração: 130 min
Estreia: 28 / Nov / 2019