Crítica do filme Julieta

Todas as cores de Almodóvar

por
Lu Belin

05 de Julho de 2016
Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 5 min

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Até onde estamos dispostos a ir e o que estamos dispostos a fazer para lidar com nossos próprios fantasmas interiores? Seria fugir uma forma de enfrentá-los? O mais novo filme do aclamado diretor espanhol Pedro Almodóvar trata justamente deste conflito: como encaramos a culpa, a dor, o sofrimento, a aversão a alguém? 

O longa-metragem “Julieta” nos apresenta à professora de literatura clássica que dá nome ao filme, utilizando-se de uma narrativa descontínua e fundamentada em memórias da protagonista para relatar sua história. 

Uma madura e talentosa Emma Suárez vive a Julieta contemporânea, que cruza com uma pessoa do seu passado. Esse reencontro faz surgirem à tona acontecimentos que ela vinha tentando enterrar há vários anos, entre eles a figura da própria Julieta quando mais jovem, interpretada pela belíssima Adriana Ugarte.

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Em um ritmo bastante característico e sem muita pressa, Almodóvar vai nos liberando trechos da trama que permitem ao público conhecer o íntimo de Julieta. Aos poucos, vamos sabendo que Julieta tem uma filha chamada Antía (Priscilla Delgado/ Blanca Parés), que ela é filha do pescador Xoan (Daniel Grao) e que a protagonista precisa conviver com grandes ausências em cada fase da vida. 

Aqui estamos todos nus

“Julieta” parece ser um lembrete sobre o quanto a mágoa, a dor e a tristeza podem conduzir nossas ações e nos fazer não apenas abandonar pessoas que amamos, mas excluí-las das nossas vidas como se nunca tivessem representado nada. Sobre o quão rápido uma presença pode se transformar em ausência, pelo motivo que for.

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Almodóvar parece entender as camadas mais íntimas do ser humano. Nos rasga inteiros, nos desdobra e nos desconstrói até sobrar apenas o que há de mais puro: a alma indefesa de quem já não sabe mais o que fazer e como lidar com certas intempéries às quais somos submetidos.

E tudo isso com um trabalho de direção impecável. O conjunto dos diferentes elementos do filme é incrivelmente bem orquestrado para nos fazer mergulhar nos sentimentos de Julieta e olhar o mundo através de seus olhos. 

A fotografia belíssima traz tomadas e enquadramentos que são verdadeiras obras de arte, retomando uma característica já presente nas produções anteriores de Almodóvar. 

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O diretor concilia com um talento incrível cenas externas em paisagens lindas com tomadas internas em plano próximo e close, se aproveitando das cores alegres e sempre contrastantes, o que resulta em um produto final que parece estar sempre em movimento, sempre vivo.

Na obra de Almodóvar, mesmo a dor e o sofrimento são sempre coloridos.

Ainda que se passe em  uma Madrid contemporânea, “Julieta” traz elementos estéticos e de cor que remetem às décadas de 70 e 80. Não é difícil se sentir dentro de um filme do Kubrick graças aos ambientes, à cenografia e ao figurino.

Tudo que é sólido derrete

Um dos grandes recursos utilizados em “Julieta” para tornar a narrativa tão envolvente é a composição sonora do longa. É admirável a capacidade que o diretor tem de conduzir a trilha do filme, conciliando os momentos de silêncio e o som ambiente como se fosse uma orquestra. 

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As canções que embalam as cenas mais marcantes do filme são bastante características e até mesmo familiares a quem já prestigiou outras produções do cineasta, embora ele trabalhe com trilha original na maior parte do tempo. A longo prazo, isso pode fazer com que todo filme de Almodóvar pareça igual. No entanto, também é um fator que marca bem a identidade do diretor.

Em qualquer produção cinematográfica, a trilha é determinante para o bom andamento da narrativa, pra que a história flua de uma forma agradável. Em “Julieta” não é diferente e o longa acerta bastante neste sentido, permitindo ao público “engolir” todos os conflitos sem que o filme fique maçante – o que não é muito difícil, considerando o gênero de drama. 

A trilha sonora também tem parte importante ao passar a mensagem de que “Julieta” é um filme sobre dor e ausência, sobre culpa e consciência pesada e sobre lidar com estes sentimentos diretamente ou fugir. É, sem dúvida, um filme para refletirmos sobre nossos próprios medos, culpas e fugas.

Para quem espera a agitação quase policial de “A Pele Que Habito”, recomendamos mudar um tanto o rumo e escolher outra produção. No entanto, para curte um drama intenso, inteligente e bem construído e com boas reviravoltas, “Julieta” está mais do que recomendado. 

Fonte das imagens: Divulgação/Universal Pictures

Julieta

Fora da vista, longe da mente

Diretor: Pedro Almodóvar
Duração: 97 min
Estreia: 7 / Jul / 2016
Lu Belin

Eu queria ser a Julianne Moore.