Critica do filme Millennium: A Garota na Teia de Aranha

Bug do Millennium

por
Carlos Augusto Ferraro

19 de Novembro de 2018
Fonte da imagem: Divulgação/Sony Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 7 min

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A série literária “Millennium” conseguiu, ao longo da última década, vender mais de 80 milhões de cópias ao redor do globo. A trilogia original, escrita pelo falecido escritor sueco Stieg Larsson, rendeu uma série de filmes em sua terra natal — que ajudaram a mostrar o talento da sueca Noomi Rapace para o mundo — bem como uma refilmagem estadunidense comandada pelo brilhante, David Fincher.

Mesmo com algumas diferenças, as duas adaptações conseguiram fazer um belo trabalho em trazer todo o clima de tensão dos livros. Na verdade, um dos pontos mais interessantes das adaptações é como tanto na versão sueca como na hollywoodiana, a cadência narrativa e o clima de mistério são análogos, focando na investigação e desenvolvimento dos personagens. Vale destacar que a refilmagem de David Fincher foi indicado para cinco estatuetas do Oscar 2012, faturando o prêmio de melhor edição.

Apesar de a Sony ter planejado as continuações para a Millennium: Os Homens Que Não Amavam As Mulheres (2012), os projetos nunca saíram do papel. Enquanto isso, no reino da 6ª arte, lá nos idos de 2013, o escritor David Lagercrantz foi incumbido pela editora Norstedts de escrever uma continuação da Trilogia Millennium de Stieg Larsson. Batizado no Brasil como A Garota na Teia de Aranha (Det som inte dödar oss) o quarto romance da série Millennium, promoveu o retorno da dupla Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist.

Percebendo a volta do interesse do público, a Sony resolveu retomar o projeto diretamente da quarta  parte, A Garota na Teia de Aranha, deixando para trás o diretor David Fincher e os atores Rooney Mara ( Lisbeth Salander) e Daniel Craig (Mikael Blomkvist). Sob a tutela de Fede Alvarez, responsável pelo ótimo O Homem nas Trevas, e com um elenco revigorado — encabeçado por Claire Foy (O Primeiro Homem) — a nova adaptação é um misto curioso de continuação e reboot (recomeço) da série, se distanciando das outras iterações e tentando criar um estilo próprio.

Grande é a teia que tecemos, quando aos outros enganamos

Como dito anteriormente, o filme se inspira no quarto livro da franquia Millennium, o primeiro de David Lagercrantz, que assumiu a linha após a morte do criador Stieg Larsson. Por conta disso, é inevitável a estranheza quanto ao cenário, pois assume-se que espectador está minimamente familiarizado com os personagens e temas da série. 

Sem perder tempo, Fede Alvarez coloca nos dentro do duro mundo de Lisbeth Salander. Após os eventos da trilogia original — que não recebem sequer um “flashback” para benefício dos espectadores mais deslocados — Mikael Blomkvist (Sverrir Gudnason) seguiu escrevendo para a revista Millennium, na qual publicou várias reportagens sobre o Lisbeth Salander (Claire Foy) e seu passado sombrio. 

A hacker ficou conhecida como uma espécie de anti-heroína, que ataca homens corruptos e misóginos. Apesar da fama repentina, ela consegue se manter distante da mídia até que contatada por Balder (Stephen Merchant), um programador que pede que Lisbeth recupere uma de suas criações o Firefall — um projeto governamental capaz de assegurar o controle os arsenais nucleares de qualquer nação.

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Lisbeth, temendo que o programa caia nas mãos erradas, aceita a missão e consegue extrair o programa dos servidores da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Entretanto, um grupo de criminosos conhecidos como Aranhas, também estão interessados no sistema, sendo que os mesmos também possuem uma conexão muito próxima a Lisbeth.

Como esperado em qualquer tecno-thriller temos uma boa dose de digitação acelerada em telas múltiplas. A trama, que não traz nada de original, se desenvolve razoavelmente bem, introduzindo algumas curvas morais e dilemas éticos. Entretanto, tudo parece muito distante do estilo taciturno estabelecido tanto na trilogia original como na refilmagem de David Fincher.

A investigação ainda acontece, mas de uma maneira muito mais acelerada. A escolha de Fede Alvarez pela ação em detrimento do suspense pode afastar fãs das histórias originais, ao mesmo tempo em que deixa claro seu intento em criar algo diferente.

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O beijo da mulher-aranha

Claire Foy é o maior destaque do filme, não apenas por ser o nome mais famoso do elenco — seguida talvez por Sylvia Hoeks (Blade Runner 2049) — mas por entregar uma interpretação sólida.  A atriz — que ganhou fama com o seriado The Crown, mas que já vinha mostrando seu talento em filmes como Distúrbio, Uma Razão para Viver e do recente O Primeiro Homem — consegue emular o estilo de suas predecessoras, as igualmente excelente Rooney Mara e Noomi Rapace.

Elementos quintessenciais como a fluidez de gênero e sexualidade são evidenciadas por movimentos sutis e pela própria caracterização andrógina de Claire Foy. Se alguns podem questionar o sotaque da atriz, pouco se pode criticar quanto a forma como ela entrega as falas. Com um talento especial ela consegue se apropriar da personagem ao mesmo tempo em que faz referência ao estilo daquelas que a antecederam, seja no tom de voz ou até mesmo na forma como segura um cigarro.

Todavia há uma disparidade entre a Lisbeth de Claire Foy e a Lisbeth imaginada por Alvarez. Claire Foy faz um belo trabalho em trazer para telas o simulacro esperado pelos fãs da série, entretanto, “A Garota na Teia de Aranha” é uma nova visão da série Millennium e fica claro como o diretor tentou imprimir seu estilo, inserindo muito mais ação do que nas iterações anteriores. Assim a atuação de Foy acaba destoando um pouco do cenário, haja vista que ela traz muito da essência taciturna dos originais e não parece abracar totalmente o estilo “Jason Bourne” da nova Lisbeth.

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Porque aranhas não ficam presas nas próprias teias?

Millennium: A Garota na Teia de Aranha é um bom thriller policial, repleto de ação, mistério e algumas reviravoltas interessantes. Fede Alvarez entrega um trabalho interessante, mesmo que menos criativo do que O Homem nas Trevas, enquanto Claire Foy domina a película como a hacker-vingadora-feminista-pansexual Lisbeth Salander.

O grande ponto, negativo ou não, é a dissonância de A Garota na Teia de Aranha com o resto da franquia. Nos livros, nas adaptações suecas e na refilmagem estadunidense, fica evidente o tom sóbrio da narrativa e dos personagens. No entanto, em A Garota na Teia da Aranha temos algo totalmente diferente, com uma Lisbeth mais ativa, um Blomkvist que beira a inutilidade, e uma história megalomaníaca que se espelha em um episódio da franquia 007.

Fede Alvarez entrega um bom filme, que não tem nada a ver com a franquia Millennium!

As mudanças abalam a apreciação do filme como uma nova edição da série Millennium, mas ajudam a entregar um filme ágil que possui uma identidade própria e que abre muitos caminhos para o futuro da personagem. A pergunta que fica é se esse distanciamento todo é algo bom ou ruim? 

Fonte das imagens: Divulgação/Sony Pictures
Diretor: Fede Alvarez
Duração: min
Estreia: 8 / Nov / 2018