Crítica do filme Nós

Somos nossos piores inimigos

por
Fábio Jordan

21 de Março de 2019
Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 5 min

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A psique humana é fantástica. Complexa até o último suspiro, nossa mente é capaz de nos pregar grandes sustos, mas muitas das vezes nos convencemos de que tudo não passa de imaginação. Por outras vezes, no entanto, acabamos levando alguns traumas para o resto da vida, por uma simples crença no imaginário.

Esta é uma máxima na vida de Adelaide Wilson (Lupita Nyong’o), que passou por uma experiência bizarra quando ainda era criança. Contudo, ao chegar na fase adulta, ela acaba superando esse trauma, mas um final de semana na praia com a família pode ser o gatilho para que sua paranoia atinja o ápice.

Depois de um dia tenso à beira mar, Adelaide volta para a casa de campo com seus familiares, onde são surpreendidos por desconhecidos que param – e os observam com muita fixação – em frente à garagem. Logo, eles vão descobrir que essas pessoas são mais conhecidas do que eles imaginam, porém este é um lado da realidade que eles não vão querer encarar.

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Quem já viu o trailer de “Nós” tem uma noção da proposta da película, mas eu vou parar por aqui para não estragar a experiência de quem busca surpresas. Ponto é que o diretor Jordan Peele (a mente brilhante por trás de “Corra!”) retorna com seu lado mais assustador às telonas através de uma história inusitada e uma direção complexa para temermos nossos lados mais sombrios.

Qualquer semelhança não é mera coincidência

Conforme você já percebeu pela sinopse, trabalhando com duas situações temporais de uma mesma personagem, Jordan Peele nos faz entender como um terror oculto na mente pode impactar a vida de uma pessoa. O gatilho da paranoia é um tanto óbvio, mas as descobertas do que é realidade e o que é ilusão são surpreendentes.

Curiosamente, o terror de “Nós” não se dá apenas pelo medo de desconhecidos – algo já explorado em filmes do gênero –, mas sim pela semelhança com os inimigos. Isso já fica evidente no trailer, agora perceber como isso pode sair de uma perspectiva única e passar para toda uma situação ampla é que faz o roteiro ter sua genialidade.

E é difícil um filme como este guardar segredo e manter uma racionalidade, por isso o idealizador do projeto (o próprio Jordan Peele) começa já entregando pistas para a solução do enigma. Não se preocupe, as frases no início da película não entregam todo o ouro, mas elas evitam dúvidas que seriam complexas para resolver no roteiro.

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Com o decorrer da história, fica claro quem são os inimigos, ainda que hajam algumas considerações pontuais que impeçam a total crença numa situação dessas. Por mais que o roteirista se esforce e tenha alguns argumentos na manga, a enorme lacuna de possibilidades entre realidade e ficção impede uma conclusão mais crível.

Tenha medo da sua própria sombra

Ainda que o roteiro tenha seus méritos e seja a ignição para os feitos da direção, é a condução de Jordan Peele nas câmeras – e a edição detalhada –, que nos faz aceitar essa paranoia desenfreada. Com o uso abusivo de espelhos, jogos de câmeras e um refinamento excessivo dos atores em cena é que ficamos realmente impressionado.

Sério, quem gosta de divagar sobre a produção cinematográfica deve ficar louco com as incríveis montagens desta película. A presença de um mesmo ator em diferentes pontos das cenas nos faz aplaudir em pé o trabalho de Jordan Peele. É claro que muitos jogos de plano e contraplano facilitam a coisa, mas há alguns trechos sinistros.

Mérito incondicional também do elenco de primeira, conduzido pela fantástica Lupita Nyong’o, que tem sua presença marcada excessivamente tanto por ser a protagonista quanto por ser uma atriz expressiva e gesticulada. A transformação de personalidade parece ser algo simples com ela em primeiro plano, sendo que cremos facilmente nas diferentes personificações.

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O desdobramento dos personagens também é marcado pelo restante do elenco, que traz Winston Duke, Shahadi Wright Joseph e Evan Alex nos papéis principais. Ainda que menos famosos, os integrantes da família se mostram muito competentes em papéis aterrorizadores e também se saem bem nesse jogo de múltiplas presenças em cena.

A obra se completa com uma trilha sonora muito pontual, que nos embala pelos momentos de suspense e deixa a gente boquiabertos com os acontecimentos. A musicalidade também se faz presente através de sons comerciais, que são bem introduzidos e até fazem brincadeiras com a tecnologia e os acontecimentos do filme.

Apesar de algumas lacunas e da conclusão previsível para alguns, “Nós” tem inúmeros méritos e certamente é um terror para marcar época ao resgatar um suspense de raiz com muitas cenas assustadoras que não precisam abusar de jump scare. Um filme para refletir sobre as inúmeras possibilidades desse mundo que não compreendemos.

Fonte das imagens: Divulgação/Universal Pictures

Nós

O que será de nós

Diretor: Jordan Peele
Duração: min
Estreia: 21 / Mar / 2019