Crítica do filme O Grito
Os fantasmas se divertem, a plateia não!
Há quase duas décadas, o cinema japonês ganhou projeção mundial com alguns títulos de terror que traziam inovação em um cenário que até então era dominado pelos clichês americanos. Nomes como “O Chamado”, “O Grito” e “Água Negra” marcaram época e se destacaram ao apresentar uma série de maldições bizarras, mas também muito assustadoras — algo impulsionado pelo próprio estilo japonês de trabalhar com o medo.
As versões originais desses filmes, no entanto, ficaram restritas aos canais de TV por assinatura (lembro de ter assistido todas essas pérolas no Cinemax) e a poucas cópias em locadoras selecionadas. Assim, as produtoras e distribuidoras americanas tiveram a brilhante ideia de fazer versões inspiradas nas originais, mas com elenco, efeitos e o estilo americanos, ou seja, pegando uma história e adaptando ela para caber nos moldes de Hollywood.
De lá para cá, a gente já teve ao menos uma versão de cada um desses filmes, mas os caras não cansam de ganhar dinheiro e resolveram refazer “O Grito” mais uma vez. E você poderia se perguntar: mas por que mais um remake? E a Sony certamente responderia: e por que não? Pois é, aparentemente, qualquer projeto que apareça de bandeja, os produtores estão aceitando, então o negócio é aceitar que algumas companhias já não tem mais fitros.
Bom, dito isso, a dúvida que fica é: o que a nova versão de “O Grito” tem para contar? Em teoria, nada de novo, mas a história mais recente tem alguns personagens diferentes e também uma nova condução da maldição, mas isso não significa que ela consegue fugir do básico: uma casa assombrada por um espírito vingativo que condena todos que ali entrarem com uma morte violenta. E isso é uma coisa boa, afinal um remake não pode desvirtuar completamente.
Todavia, o que torna esta nova pegada de “O Grito” muito ruim é o roteiro mal pensado, a execução simplista e a péssima construção dos momentos de tensão. Contado de forma não linear, o filme vira uma verdadeira bagunça após alguns poucos minutos de projeção e tudo só tende a ir por água baixo com personagens rasos que nem mesmo um elenco capacitado (que está presente aqui) consegue salvar. Vamos falar mais do filme, mas já fica o alerta: poupe sem tempo e dinheiro.
Antes de continuar falando sobre os defeitos do filme, eu acho válido apontar que “O Grito” não é uma sucessão de erros, mas apenas um projeto montado de forma errada e com uma trama que não consegue impressionar a audiência. Há que se apontar as qualidades do filme, que são notáveis na questão da fotografia, do design de produção e também da trilha sonora.
Sim, a equipe de arte do filme acertou bem nesses detalhes, sendo que o longa consegue ser bastante persuasivo em seu tom sombrio. Até mesmo nos momentos diurnos durante a história, é possível perceber o clima amaldiçoado do filme. Com uma boa ajuda de edição pra remover a saturação e uma montagem adequada de cenários mais antigos, o resultado é coerente para um script de terror.
Importante pontuar que, particularmente, eu sempre fico me perguntando o motivo pelo qual os americanos gostam tanto de locais mal iluminados, ambientes tão escuros e situações tão desconfortáveis. Sim, é óbvio que isso é proposital num filme de terror, mas a má vontade de tentar criar um clima de suspense e tensão em outras condições é uma regra em títulos do gênero.
Da mesma forma, toda a parte sonora do filme foi muito bem pensada, sendo que todos os pontos favorecem as cenas mais assustadoras do longa-metragem — que são poucas, previsíveis e quase inofensivas, mas elas existem. Assim, certamente “O Grito” não é uma falha na parte de desenho do projeto, mas da execução mesmo.
O problema principal para “O Grito” ser considerado uma falha é que ele não é um filme isolado. Não se trata de um projeto qualquer, mas de uma nova abordagem de uma história já conhecida. Assim, é perfeitamente natural que os fãs de terror irão ao cinema já com uma certa expectativa — e até com uma base de comparação, que pode não ser de um patamar muito elevado, mas os filmes antigos (principalmente o japonês) são satisfatórios em suas propostas.
Assim, temos uma série de erros de Nicolas Pesce, diretor e roteirista do filme, que até faz um trabalho competente como cineasta, mas que peca terrivelmente como escritor. O idealizador da película consegue criar situações bem interessantes para os momentos mais tensos do filme, o jogo de câmeras, os ângulos apertados dentro da casa e as cenas com close são adequadas para um terror.
Todavia, de nada adianta saber controlar a câmera, quando temos uma trama confusa, totalmente desordenada e até anticlímax. Com diálogos rasos, personagens totalmente irrelevantes e situações previsíveis desde o momento zero, o filme não apresenta surpresas e fica cansativo com apenas trinta minutos de projeção. O clichê aqui é o ingrediente principal!
Eu tenho dó do elenco, que inclui nomes relevantes como Lin Shaye (que não parece ter aprendido nada em “Sobrenatural”), John Cho (que certamente estava no filme errado), Andrea Riseborough (que fica igual uma barata tonta tentando conectar os pontos de uma história sem propósito) e Demián Bichir, o qual não agrega em nada à trama. Poderíamos trocar todos eles por vários desconhecidos, que não mudaria em nada o resultado do produto, pois eles são mal aproveitados.
Ao menos, Pesce teve a dignidade de fechar todas as pontas, mas ele provavelmente não será chamado para mais filmes de terror. Sem tentar dar explicações ou apresentar novidades na forma de criar terror, o novo “O Grito” é um desperdício de tempo e certamente foi um bom exemplo de como não recomeçar uma franquia. Se a ideia era pensar em uma possível sequência, a produtora vai desistir rapidinho.