Crítica do filme Obsessão
Fixação, minha assombração...
A gente sempre ouve o quanto é perigoso dar trela para desconhecidos, mas ao mesmo tempo somos instruídos a praticar a gentileza para com o próximo. Contudo, num mundo com tantos relatos de psicopatas que comentem os piores tipos de abusos, ser generoso, às vezes, pode ser uma grande cilada.
Este é mais ou menos o caso em “Obsessão”, no qual acompanhamos Frances (Chloë Grace Moretz), uma jovem que acaba de se mudar para Manhattan e, num dos trajetos entre sua casa e o trabalho, encontra uma bolsa abandonada no metrô. Em vez de chamar o esquadrão antibombas, ela decide fazer o favor de levar o item ao seu dono, uma sorte, aliás, que havia o endereço para entrega em caso de extravio.
Foi assim, por um acaso do destino, que Frances acaba conhecendo (Isabelle Huppert), uma viúva bem mais velha que ela, que agradece gentilmente o favor e oferece uma xícara de café (até aí, eu também não recusava um convite desses). E tudo vai bem, tanto é que elas criam um laço de amizade inusitado, mas isso só até que a garota perceber alguns comportamentos esquisitos de amiga senil.
É pautado nessa relação nada comum e pouco saudável que o filme elabora sua trajetória de suspense. Quer saber se é bom? Olha, eu sou suspeito pra falar, pois gosto do gênero e tenho admiração pela Huppert que tem um talento nato pra esse tipo de papel, mas particularmente eu gostei muito do desenrolar da coisa, tanto pela temática moderna quanto pelo clima de tensão bem intenso, mas vamos falar mais do filme.
O tema de “Obsessão” pode não ser novidade, já que temos vários filmes com perseguições, mas a situação inusitada, principalmente por conta da vilã incomum (ainda que não seja lá muito idosa, a antagonista não é um clichê em filmes de suspense), prende nossa atenção e dá o diferencial do filme. Todavia, apesar de funcionar muito bem, o filme deixa a gente com a pulga atrás da orelha por conta da circunstância pouco convencional da protagonista.
Ainda que o roteiro use de bons argumentos para colocar a personagem nesta situação, há uma série de recursos um tanto inacreditáveis que fazem parte do script perder sua credibilidade. Tudo bem, a jovem protagonista é simpática, acabou de chegar à cidade, tem poucos amigos, mas convenhamos que por mais inocente que a pessoa seja, ela dificilmente vai se envolver tão profundamente com uma desconhecida.
Apesar disso, esse tópico sobre “forçar a amizade” vale muito bem para o contraponto do roteiro, em que temos uma personagem bem desenvolvida e sólida, que poderia realmente enganar “suas presas” — e aqui a história usa bem várias desculpas para construir o background da vilã, além de apelar para o lado psicótico. A parte legal dessa personagem é que ela guarda muitos segredos, o que resulta em muito suspense e surpresas.
A construção do clima de tensão foi bem planejada, tanto pela direção pontual de Neil Jordan, que já esteve por trás de projetos como “Caso 39”, quanto pela fotografia, que abusa das penumbras. O diretor mantém a câmera próxima da protagonista, impedindo que tenhamos noção do ambiente e ele usa truques para começar a confundir o público. Há poucos cenários utilizados, mas todos são tão escuros, que a gente toma uns sustos, mas nada de jump scare.
Com a boa atuação de Chloë Grace Moretz, que conduz muito bem o filme quase que sozinha, e a maestria de Isabelle Huppert, com um cinismo sensacional, o resultado final acaba sendo muito bom. Enfim, fica a dica final para quem gosta de um suspense inovador: “Obsessão” é uma cilada para deixar a galera bem grilada. E uma dica pra vida: não confie em ninguém.