Crítica do filme Raça

O retrato de um homem e de uma época

por
Lu Belin

20 de Novembro de 2016
Fonte da imagem: Divulgação/Diamond Films
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 6 min

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Jesse Owens é uma das figuras mais icônicas do esporte norte-americano - talvez do mundo. Um dos primeiros negros a conseguir destaque nas pistas de corrida e no salto em distância em um dos países que até hoje está entre os mais racistas do mundo, ele foi além disso: ficou cara a cara com Adolf Hitler quase no auge do regime nazista, nos Jogos Olímpicos da Alemanha, em 1936.

Até que demorou para a galera do Tio Sam querer contar a históra de Owens, mas agora finalmente podemos vê-la brilhantemente contada pelo olhar dos roteiristas Joe Shrapnel e Anna Waterhouse, em um belíssimo filme dirigido por Stephen Hopkins.

Em "Raça", Stephan James (Selma) dá vida a um mais baixo, mais encorpado e menos desengonçado Owens do que o original. Crescendo em uma família de condições financeiras restritas, o atleta é apresentado no longa-metragem a partir do ano em que é aceito na Universidade de Ohio, deixando sua cidade-natal e, junto com ela, os pais, irmãos, a namorada Ruth (Shanice Banton) e a filha Gloria (Yvanna-Rose Leblanc e Kayla Stewat).

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Nesse percurso, acompanhamos sua turbulenta entrada na comunidade acadêmica, onde nem de longe podemos dizer que foi bem aceito pelos colegas. Se hoje, em 2016, a porcentagem de pessoas de pele negra ainda é reduzida nas universidades, imagine na década de 30.

Quem enxerga para além da pele até as habilidades do esportista é o treinador Larry Snyder  (Jason Sudeikis) que percebe o talento de Jesse e vê nele a chance de uma medalha olímpica para os Estados Unidos. E aí começa a dura rotina de treinamento do garoto de Cleveland.

Tríplice conflito

Assim como são três as modalidades esportivas às quais Jesse se dedica, a trama de "Raça" também se sustenta basicamente sobre um tripé.

A dedicação ao treinamento e os conflitos familiares gerados pela distância de casa e pela fama repentina de Jesse complementam a base de um roteiro extremamente bem escrito e que tem como ponto central a questão do preconceito racial frente a um contexto turbulento da história da humanidade.

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A maneira como Jesse lida com as provocações dos colegas brancos desde o primeiro dia na faculdade transita entre um retrato fiel aos fatos biográficos do atleta e algumas cenas ficcionais que conferem mais romantização e dramatização - fazendo com que sua saga seja ainda mais heróica.

No entanto, o mais surprendente deste filme é o retrato histórico para além até mesmo do próprio protagonista. O longa-metragem faz um impressionante trabalho de "esfregamento de realidade na nossa cara", como eu eu costumo dizer.

Explico: Mais do que uma ~América hipócrita e racista que oprime e marginaliza um jovem negro que rompe barreiras discriminatórias e sociais para entrar na universidade - a mesma que o idolatra quando o vê tornar-se um gigante no esporte nacional e trazer glórias para o país -, "Raça" faz um desenho breve, mas justo, da sociedade alemã nos anos pré-Segunda Guerra Mundial, quando, meio por debaixo dos panos, meio na cara dura, os seguidores de Hitler e Goebbels arrancam descendentes judeus de seus lares, os excluem de toda e qualquer atividade - inclusive a esportiva - e iniciam um dos maiores genocídios da história.

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E o que a gente vê na tela são cenas assustadoramente similares - guardadas as devidas proporções - aos relatos de violência e discriminação que temos ouvido por aí, em tempos de Trump, Temer, Cunha e Bolsonaro.

Vou deixar você com essa reflexão enquanto sigo para os próximos aspectos do filme.

Bonito em todos os sentidos

Além de contar uma bela história de uma forma emocionante, Raça também é um rostinho bonito no que diz respeito ao aspecto estético.

Atores obviamente dentro de todos os padrões estéticos foram escolhidos para o papel dos protagonistas e da maioria dos coadjuvantes e vestidos para o sucesso, claro. Tudo muito caprichoso na hora de reproduzir o figurino dos anos 30, a maquiagem das moçoilas e os cenários nas casas, festas e vestiários.

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Para complementar o retrato histórico fiel, a trilha sonora assinada por Rachel Portman majoritariamente comercial resgata alguns intérpretes que marcaram época, além de uma série de composições originais.

Embora seja um filme bonito e preocupado com os detalhes, a fotografia do mesmo  não é algo que se destaca. Com muitas cenas internas ou focadas nos estádios, vestiários e dormitórios, não tem muito como ser um primor em fotografia, né. Mas ainda assim, dá pra perceber que o olhar de quem fez essa parte foi muito cuidadoso com a fidelidade e em manter uma paleta de cores que respirasse história.

"Raça" é um cuidadoso retrato histórico de um homem e uma época.

Assim, "Raça" é, de fato, um filme belíssimo em todos os sentidos, que passa num instante e nos deixa com aquela sensação de termos visto um bom filme, e aquele amargo na boca por não poder fazer nada pra mudar aquela realidade que fez tantos perecerem.

Por isso, se você é partidário de qualquer tipo de separatismo, preconceito, construção de muros e etc, é seu dever cívico assistir esse filme - e não estou falando só com os norte-americanos.

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Jesse Owens nasceu em setembro de 1913 como James Cleveland Owens. O apelido de Jesse surgiu pois, quando pequeno, a família o chamava de JC. Ao dizer o apelido a um professor, esse entendeu "Jesse" ao inves de "JC". A partír daí, nunca mais foi chamado de James. Owens casou-se com Ruth e teve três filhas: Gloria, Beverly e Marlene, morrendo em 1980 de câncer de pulmão. É dono de quatro medalhas olímpicas, todas obtidas em Berlim em 1936. Ficou famoso por ter composto o time de negros e judeus na delegação norte-americana que confrontou o regime nazista. Muitas polêmicas envolvem Jesse Owens e o comandante do estado alemão da época, sobre se Hitler de fato ignorou o corredor norte-americano ou não. Em sua biografia, Jesse diz que compreende a atitude de Hitler, mas o que o magoou mais do que isso foi a reação do próprio presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, que não enviou sequer uma carta de agradecimento.

Fonte das imagens: Divulgação/Diamond Films

Raça

Uma corrida contra o tempo e uma luta contra o preconceito

Diretor: Stephen Hopkins
Duração: 134 min
Estreia: 16 / Jun / 2016
Lu Belin

Eu queria ser a Julianne Moore.