Crítica O Telefone Preto

Não diga "Alô"! Diga "Socorro! Como vou sair daqui?"

por
Fábio Jordan

02 de Agosto de 2022
Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 8 min

☕ Home 💬 Críticas 🎭 Terror

O gênero de terror sofre bastante com a falta de inovação, permeado por filmes que aderem a clichês nos roteiros e na construção dos momentos assustadores. Assim, quando vemos um trailer promissor como o de “O Telefone Preto”, é perfeitamente normal manter a empolgação comedida para a decepção ser menor na hora de conferir o resultado final.

No entanto, aqui temos alguns pontos que permitem ter uma boa ideia de que o tempo e o ingresso não serão investimentos perdidos. Primeiro, é bom enfatizar que “O Telefone Preto” é dirigido e co-roteirizado por Scott Derickson, a mente por trás de “Doutor Estranho”, “A Entidade” e “O Exorcismo de Emily Rose”, ou seja, o LinkedIn do cara tem ótimas referências.

Além disso, temos a presença de Ethan Hawke no elenco de “O Telefone Preto”, o que pode não ser um indicativo de sucesso, já que há outras tantas obras de terror com famosos que acabam tendo resultados aquém do esperado, mas, ao menos, há alguns nomes aqui que acabam sugerindo que o potencial existe de fato.

Apesar do trailer caprichado, do diretor competente e do elenco promissor, é a trama de “O Telefone Preto” que chama atenção. Nesta obra, acompanhamos a história de Finney Shaw, um garoto de 13 anos que é sequestrado e mantido preso em um porão. Ali, há um telefone desconectado, o qual permite ao menino receber chamadas das vítimas anteriores do assassino.

otelefonepreto01 07cdbFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Se você quer a versão resumida da crítica, fica a dica: “O Telefone Preto” é um terror que capta muito bem a essência do gênero propagada em títulos recentes como “IT – A Coisa”, graças ao elenco infanto-juvenil, que é extremamente competente; bem como é uma obra que se destaca pela originalidade, ao mesclar lendas urbanas com paranormalidade. Agora, se você já viu o filme ou quer mais detalhes (sem spoilers), acompanhe o restante do texto.

Resgate do terror independente

Já faz algum tempo que Hollywood percebeu a magia do terror nostálgico, mas, não só isso, muitos estúdios perceberam como o terror independente lá da década de 1970 e 1980 tinha algo único: a originalidade. Mesmo que vários projetos antigos — hoje consideradas clássicos do gênero — não tivessem orçamentos mirabolantes, as ideias eram de fato muito boas, o que agradava a audiência.

É claro que há algumas décadas, o cinema de fato tinha recursos mais precários e a ausência da computação gráfica forçava tecnicalidades manuais na execução dos filmes, porém era bem comum ver roteiros originais. Com o passar dos anos, fica difícil reinventar a roda, afinal muitas obras anteriores já usaram todo tipo de ideia criativa, mas sempre há um jeito.

Aí é que entra dois fatores para “O Telefone Preto” merecer destaque. O primeiro é um conceito original (pelo menos na minha humilde memória de filmes do gênero, não me recordo de algum projeto que siga exatamente o mesmo percurso de ideias). O segundo é esse retorno ao charme visual da década de 1980, que pode ser algo proposital, mas que funciona muito bem.

otelefonepreto02 f1efaFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Bom, a originalidade deste filme vem de uma história curta concebida pelo escritor Joe Hill, também conhecido como Joseph Hillstrom King — e, para os menos familiarizados, este é um dos filhos do escritor Stephen King. Vencedor de prêmios como Eisner Award e Bram Stoker Awards, o autor famoso no segmento de títulos literários de terror iniciou sua carreira com Fantasmas do Século XX (20th Century Ghosts), obra que reúne alguns contos, incluindo “O Telefone Preto”.

Assim, a engenhosidade da versão cinematográfica está apoiada no material escrito, porém, pensando em obras audiovisuais, o filme “O Telefone Preto” traz um punhado de ideias que são inéditas. Bom, se você já viu o trailer, vai dizer que “um assassino sádico que sequestra crianças” não é algo bem original. E, de fato, a novidade não está nesta parte, mas sim no desenrolar da história.

O terror nos pequenos detalhes

A ideia de ser uma trama ambientada na década de 1980 ajuda muito, já que é difícil criar terror com os atuais artifícios de tecnologia, então situar um drama numa época sem celular, câmeras de segurança e localizadores garante simplicidade. De qualquer forma, é legal que “O Telefone Preto” acaba usando uma tecnologia (o nome já denuncia isso) para o desenvolvimento da trama.

E com essa pegada mais retrô, o filme acaba pegando carona na longa onda (eu diria até um tsunami) de filmes que imitam obras antigas e abusam de recursos saudosistas, como músicas, vestimentas, gírias e situações comuns de décadas anteriores. Nesse rumo, “O Telefone Preto” cativa facilmente e evita (ainda que existam) efeitos especiais, o que dá um ar de ousadia. Isto tudo combinado com uma fotografia impecável dá ao filme uma atmosfera sombria e constante.

otelefonepreto03c d2befFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Enorme parte do mérito do filme está justamente nas situações de construção da história, em que vemos como os personagens se entrelaçam e aí as menções vão para o elenco sumariamente composto por adolescentes muito talentosos. O destaque especial vai para Mason Thames, que assume uma parte gigante da trama sozinho e o faz de forma genial, certamente é um jovem que veremos em muitos títulos daqui para frente.

Interessante pontuar que Mason Thames e Madeleine McGraw até já tiveram outras aparições em filmes e séries recentes, mas nomes como Miguel Cazarez Mora, Rebecca Clarke, Spencer Fitzgerald e outros são estreantes, o que prova que o elenco escalado foi experimental, mas muito bem acertado, uma vez que o resultado ficou excelente!

Agora, é claro que Ethan Hawke dispensa comentários. O ator que estampa os cartazes do filme encarna o vilão da história. Aqui, vale elogios tanto à performance de Hawke — que não é alguém conhecido por papéis de terror, mas que acabou chocando pela sua dedicação ao papel — quanto ao desenvolvimento do personagem, que usa diferentes tipos de máscara, sendo mais um item simples, porém que traz originalidade à película.

otelefonepreto04 73d71Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

No todo, “O Telefone Preto” é um filme que agrada pelo desagradável, tanto que é possível que fique uma sensação de que podiam ter desenvolvido mais a história e mostrado outras situações de terror — mas, com o sucesso, nunca se sabe se não teremos mais história deste universo no futuro. É uma obra que evita o truque de “jump scare” (algo raro atualmente) e que aposta num suspense perene e flerta muito com o sobrenatural. Um longa-metragem para ver no cinema e rever em casa!

Fonte das imagens: Divulgação/Universal Pictures

O Telefone Preto

Nunca fale com estranhos

Diretor: Scott Derrickson
Duração: 102 min
Estreia: 27 / Jan / 2022