Omar Sy - Café com Filme

Crítica do filme Corra! | Tem caroço nesse angu

O ano é 2017, mas pelos noticiários, às vezes, parece que estamos vivendo em épocas primitivas, com tantos casos de racismo estampando as capas dos tabloides.

O tema também é lugar-comum para produções cinematográficas, porém, na maioria dos casos, temos retratos de episódios históricos. A verdade é que são poucas as obras que ousam trazer essa pauta para o debate num cenário atual.

Esta é justamente a proposta de “Corra!”, um filme de terror — pois é, um gênero pouco habitual para esse tipo de debate — que pretende mostrar como um simples final de semana pode ser intenso para um jovem negro que vai conhecer a família de sua namorada — branca, bonita e bem sucedida.

De início, a sinopse pode não representar nada de extraordinário, afinal estamos em 2017 e as pessoas — ainda mais americanos, de primeiro mundo, civilizados, avançados na pauta — já se desvencilharam do preconceito e nada de mal pode acontecer numa simples visita. Só que nem tudo é preto no branco...

Não temos nada contra...

Esta minha pequena introdução e até mesmo a sinopse de “Corra!” pode dar a impressão de que o filme realmente quer debater o racismo e mostrar como um jovem negro pode entrar numa enrascada simplesmente por ter a cor de pele diferente de outros indivíduos. Todavia, a história escrita por Jordan Peele é um pouco mais profunda, sendo que há várias camadas que permitem uma série de debates e reviravoltas.

É interessante como o filme trata de sua pauta com base nas diferentes perspectivas dos personagens. Para o protagonista, toda a ideia de visitar a família da namorada parece um tanto desconfortável, ainda mais porque a garota não comentou com os pais que ele é um rapaz negro. A garota, por outro lado, parece tranquila e até comenta que uma coisa dessas parece um tanto absurda, já que seus pais não são racistas.

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Um ponto bastante importante, que serve tanto como argumento para o script quanto como assunto para conversas sobre as dificuldades no trato do racismo, é o comportamento exageradamente hospitaleiro da família para com o rapaz. Para o jovem Chris (Daniel Kaluuya), num primeiro momento, as ações são normais, já que a relação com Rose (Allison Williams) é um tanto incomum e tudo pode ficar um pouco desajeitado.

Os discursos da família Armitage também parecem ir na contramão do racismo, sendo que há vários argumentos para não mordermos essa isca. O senhor Dean Armitage (Bradley Whitford) e a senhora Missy Armitage (Catherine Keener) se mostram muito abertos e jamais dão a impressão de que haja qualquer problema no namoro dos dois.

Todavia, como diz o ditado: todo cuidado é pouco. Então não é de estranhar as reações do protagonista a determinados ocorridos. É nessa pegada da desconfiança que o filme resolve construir sua tensão, sendo que as cenas pendem muito mais para o suspense do que para o drama, então, de fato, não espere um racismo tão comum, porque o roteiro é ardiloso.

Até temos amigos que são...

Apesar de ser um cara mais voltado para comédia, o diretor e roteirista Jordan Peele mostra que tem talento para o terror — inclusive, ele está por trás da nova série de horror da HBO, “Lovecraft Country”. A trama  de "Corra!" é pautada em uma vertente mais voltada ao psicológico do indivíduo, muito mais pela questão da raça, mas a sensação de pavor é terrível para qualquer um na plateia.

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O roteiro de Peele é sagaz, com desvios de foco nos diálogos. Assim, tal qual o protagonista, somos guiados pelas dúvidas e sempre fica aquela pulga atrás da orelha: será que isso não é coisa da minha cabeça? O script vai direto ao ponto e coloca o racismo como tema central, porém usa de situações familiares — que, às vezes até destoam do rumo principal — para disfarçar suas intenções e, em alguns casos, evidenciar o racismo velado ou mais sutil.

O uso de personagens-chave para debater o tema de forma natural é o que garante o tom convincente no desenrolar da história, sendo que a presença de outros negros, além do protagonista, é o que aguça ainda mais o ar de mistério. O reforço na desconfiança e no medo foi um recurso útil para intensificar — ainda que com certo exagero — como o racismo pode afetar o psicológico de uma pessoa.

Aqui, os méritos vão para Daniel Kaluuya, que, às vezes, com alguns olhares mais estáticos consegue nos passar bem a tensão de estar numa situação tão perturbadora. O ator se mostra muito convincente ao dialogar com os demais personagens, deixando sempre o tom de dúvida no ar com um simples franzir de testa ou com ações que comprovam a estranheza da situação.

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O comportamento um tanto questionável de todos nos faz pensar no pior. Os destaques para incrementar esse tom de medo vão para Betty Gabriel, Lakeith Stanfield e Marcus Henderson, trio de suma importância para o desenrolar da história. Ainda que sejam personagens de menor destaque, a seriedade deles ao encaram às câmeras é de dar arrepios. A trilha intensa e carregada de momentos angustiantes também ajuda muito.

Curiosamente, apesar de se voltar bastante para o terror e o suspense, a obra de Peele não apela para cenários escuros ou mesmo para clichês. A ideia claramente não é dar sustos na plateia, mas deixar o nervosismo tomar conta. A fotografia é caprichada e a direção é ponto fundamental para o sucesso da trama. Com closes bem expressivos, o registro das expressões dos personagens é o que faz o filme ficar tão assustador.

Você está convidado para essa visita à casa dos Armitage, mas não espere uma recepção muito habitual, pois o clima pode ficar realmente pesado. Pegue sua pipoca e esteja preparado para momentos de tensão! Em caso de medo, fica a dica: Corra!

Uma Família de Dois | Trailer legendado e sinopse

Samuel (Omar Sy) vive uma vida sem laços ou responsabilidades à beira-mar no sul ensolarado da França, perto das pessoas que ama. Até que uma ex-namorada o procura e deixa sob sua responsabilidade sua filha Glória (Gloria Colston), um bebê de poucos meses. Incapaz de cuidar de um bebê e determinado a devolver a criança à sua mãe, Samuel corre para Londres para tentar encontrá-la, sem sucesso. Oito anos depois, enquanto Samuel e Glória vivem em Londres e tornaram-se inseparáveis, a mãe de Glória volta em suas vidas para recuperar sua filha.

A Mão que Balança o Berço | Trailer legendado e sinopse

Claire e Michael contratam uma babá aparentemente perfeita, a dedicada Peyton. Porém, a babá passa a se comportar de maneira misteriosa, tornando-se obcecada por tomar o lugar da mãe da criança. Quando Claire vai investigar, descobre que isto tem ligações com o passado obscuro de Peyton.

Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento | Trailer legendado e sinopse

Divorciada, desempregada e com três filhos para criar, Erin Brockovich vai trabalhar como arquista num escritório de advocacia. Quando descobre que uma poderosa corporação vem poluindo a água de uma cidade onde vários moradores estão doentes, Erin começa reunir provas e leva enfrenta nos tribunais uma das mais rumurosas batalhas da história.

Crítica do filme O Pesadelo - Paralisia do Sono | Boa noite, e boa sorte...

Você desperta e logo percebe que algo não está certo. Uma força estranha estala seus sentidos e você instintivamente sabe que não é seguro. Sua mente acelera e comanda seu corpo a se levantar e investigar o que está acontecendo. Entretanto, ao tentar se mover seus braços e pernas não respondem. A vontade existe, mas seus membros não se mexem. 

Você tenta chamar por socorro, mas também não consegue. A sensação de incerteza e insegurança aumenta. Sem saber o que está acontecendo o pânico se instala. A respiração fica cada vez mais difícil e você começa a sentir a paralisia se espalhar para o seu peito, pressionando os seus pulmões.

De repente tudo começa a tremer, como um terremoto cujo epicentro é você. Um apito ensurdecedor começa a tocar, você sabe que algo o espreita e está prestes a dar o bote, quando, sem qualquer aviso, você acorda de sobressalto em sua cama. 

Essa é uma das descrições mais amenas da “paralisia do sono”. Ninguém sabe ao certo o que é, mas são várias as vítimas espalhadas pelo mundo.

Com descrições que vão do mitológico ao extraterrestre, os episódios de dessa sindrome podem tomar contornos realmente aterrorisantes. Certamente um dos documentários mais assustadores já feitos, O Pesadelo - Paralisia do Sono de Rodney Ascher mistura depoimentos e re-encenações de histórias de pessoas que vivem com a Síndrome da Paralisia do Sono.

Angustiantemente curioso

Partindo de um lugar de curiosidade pessoal, o diretor parece buscar mais empatia do que respostas. O que acaba funcionando na hora de transformar o filme em entretenimento, mas distancia um pouco da objetividade típica do gênero.

Vale destacar que Rodney Ascher é o mesmo diretor do enigmático Labirinto de Kubrick. Para quem não viu, o documentário explora a miríade de teorias em uma das obras mais emblemáticas de Kubrick, O Iluminado, e diferentemente do que realiza em Labirinto de Kubrick, Ascher se insere dentro do projeto em busca de respostas para algo que lhe incomoda desde a infância, haja visto que o próprio diretor também sofre com os episódios de paralisia do sono.

O diretor transforma as narrativas das vitimas em verdadeiros contos de terror.

A percepção de Ascher é obviamente afetada por sua proximidade do assunto, no entanto, isso acaba rendendo uma interpretação singular do tema, e aqui está o grande trunfo do filme. Ao entrevistar oito pessoas, que relatam suas experiências com o distúrbio, o diretor consegue prender a atenção do espectador transmitindo com muita eficácia toda a angústia e pavor das vítimas.

Infelizmente essa característica também é a maior falha do filme. Se em O Labirinto de Kubrick, Ascher se cerca de especialistas e analistas que entregam explicações elaboradas e “cientificamente estruturadas”, em O Pesadelo o diretor não oferece nenhum contraponto as narrativas das vítimas. 

Em momento algum recebemos uma contextualização médica sobre o assunto. Possíveis causas e eventuais tratamentos são deixados totalmente de fora do filme. Isso certamente restringe o mérito científico do documentário, ao mesmo tempo em que o "mistério" ajuda a mostrar a angustia que aflige as vitimas.

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Quando te deitares, não temerás

Para os não iniciados no gênero, O Pesadelo pode ser uma boa “porta de entrada”. O modelo típico documental está ali, trazendo histórias de pessoas afetadas por um problema real e angustiante.

Entretanto, se você já é fã do gênero talvez se sinta um tanto frustrado quando o filme acabar. A total ausência de uma análise médica sobre o tema, sem qualquer participação de especialistas no assunto, contando somente com os relatos e opiniões das próprias vítimas torna toda a abordagem superficial e pouco informativa.

Crítica do filme Colossal | Uma forma criativa de chamar atenção aos abusos

Monstros gigantes (ou Kaiju) voltaram a moda, e agora Anne Hathaway é um deles, mais ou menos. "Kaiju"  é uma palavra japonesa que significa "besta estranha", "animal incomum", mas que costuma ser traduzida como "monstro", além daquele gênero característico de filme com seres gigantes destruindo cidades, como “Godzilla” ou “Círculo de Fogo”.

Mas não se engane: “Colossal” é um filme sobre Anne Hathaway, e de diversas outras mulheres pelo mundo, sobre abusos químicos e emocionais. Por acaso conta com a participação de um monstro gigante, talvez uma alegoria explícita e escancarada dos nossos monstros internos.

Antes de continuar, é importante dizer que alguns pontos abordados aqui podem revelar detalhes da história, nada que comprometa o filme, mas recomendo fortemente assistir antes de ler se quiser manter as surpresas que os trailers não revelam.

Gloria (Anne Hathaway) é uma colunista de revistas online em Nova York, mas atualmente não trabalha muito e passa a maior parte do tempo nas festas com as amigas, e está em um relacionamento codependente com seu namorado Tim (Dan Stevens). Tudo acaba desmoronando quando Gloria chega em casa pouco antes de Tim sair para trabalhar, ainda levemente inebriada, quando Tim decide que tudo passou dos limites, expulsando Gloria de casa.

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Gloria é forçada a voltar para Mainline, sua cidade natal, já que não tem mais para onde ir e precisa colocar sua vida de volta aos eixos. Ela acaba encontrando com seu amigo de infância Oscar (Jason Sudeikis), dono de um bar que passa a maior parte do tempo bebendo com seus amigos Garth (Tim Blake Nelson) e Joel (Austin Stowell).

As coisas parecem começar a melhorar para Gloria, com Oscar prontamente disposto a ajudá-la com o que for preciso, desde móveis para sua casa ainda vazia até um emprego e salário, ainda que regados a muita bebedeira após o bar fechar, algo que ajudou a piorar o alcoolismo de Gloria.

Enquanto isso, do outro lado do mundo, um monstro gigante apareceu misteriosamente em Seoul, Coréia do Sul. Com seus constantes apagões após beber a noite toda, Gloria demora para entender o que está acontecendo, mas descobre que o monstro está imitando todos seus movimentos enquanto ela passa por um parquinho local. Ao compartilhar isso com Oscar, subitamente um robô gigante aparece também, e as coisas começam a ficar complicadas.

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O diretor Nacho Vigalondo fez um excelente trabalho ao desconstruir o gênero de filmes com monstros gigantes, com uma história original, toques de comédia e muito peso emocional disfarçado. “Colossal” é um filme que engana a primeira vista, pois apesar de mostrar um monstro gigante dançando, foge totalmente do óbvio ao contar a história de uma mulher que precisa sobreviver e tomar o controle de sua própria vida, em paralelo a dois kaijus se enfrentando e tentando evitar que tudo piore. 

O primeiro ato mostra uma típica comédia romântica, com um possível novo amor e uma vida mais simples numa cidadezinha do interior. Porém, os vícios e problemas começam a surgir, começando com o óbvio abuso do álcool, que leva a rejeição do possível interesse amoroso que Oscar claramente tem por Gloria. A partir disso, o segundo ato mostra um drama psicológico, com Oscar perseguindo e fazendo de tudo para controlar Gloria, transformando-se de amigo querido em vilão. A descontração inicial dá lugar a momentos dramáticos e até pesados, principalmente no quesito emocional.

Com grandes poderes vem grandes responsabilidades

A súbita descoberta de que suas ações influenciam um monstro gigante que pode devastar uma cidade e diversas vidas inocentes despertam em glória um enorme senso de responsabilidade. Ela tenta se recuperar do alcoolismo, mapeia a cidade para não destruir mais nada e até tenta comunicar aos cidadãos que tudo aquilo não passa de um mal entendido.

Mas quando Oscar, o amigo que estava lá disposto a ajudar “sem segundas intenções“, faz exatamente o oposto. O poder sobe a cabeça e ele escancara o quanto ele é desequilibrado emocionalmente, tendo vivido por algumas decepções durante a vida, acaba usando o kaiju como uma fuga, da forma mais irresponsável possível. É claro que Gloria não compactua com nada disso, então Oscar começa a ameaçar e chantagear a amiga.

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Tudo piora quando Tim vai em busca de Gloria e ela pensa em retornar a sua vida antiga, agora que está conseguindo se recuperar de todos os problemas. Claro que não funciona como deveria. Tirando o fato de existir monstros e robôs destruindo uma cidade, as situações e momentos mostrados ali são infelizmente verdadeiros demais. Mesmo em cenas menores e personagens secundários, fica claro que cada um possui um monstro que precisa combater dentro de si.

Visualmente, os kaijus ficaram realmente impressionantes. Vigalondo conseguiu tornar os personagens convincentes e cativantes, com direito a história de origem e final catártico, ainda que bastante surreal. Você pode até ter procurado assistir o filme para ver uns monstros destruindo tudo, mas vai continuar a assistir ao ver situações reais que acontecem o tempo todo e personagens humanos até demais. Nessa onda de remakes, sequências de 17 filmes iguais e adaptações literárias, é interessante ver que ainda existem histórias originais e relevantes para serem contadas.