Critica do filme Trinta

"Quem gosta de miséria é intelectual"

por
Gustavo Loeff Zardo

10 de Novembro de 2014
Fonte da imagem: Divulgação/
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 4 min

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Um filme precisa ter algum propósito explícito? Não quero aqui entrar no mérito da ética a respeito do dinheiro gasto em superproduções e sua contribuição para o mundo. Mas preciso falar um pouco disso para concluir alguma coisa nessa crítica.

Trinta” conta a trajetória de João Clemente Jorge Trinta na cidade de Rio de Janeiro a partir do momento que consegui se tornar bailarino oficial do Teatro Municipal do Rio, até conseguir ganhar o carnaval pela Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro em seu primeiro ano como carnavalesco.

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Uma coisa que achei curiosa, é o fato do filme ser categorizado como “cinebiografia”. Porém, ele não conta a história de vida de ninguém de fato. O exposto nas telonas é uma passagem da vida de Trinta, e não a sua história. Isso me fez sentir falta de alguns detalhes, como a vida antes do Rio, a origem da família, o seu envolvimento com a dança, mais detalhes da sua vida pessoal, quem eram seus amigos, seus parceiros, sua vida amorosa. Enfim, O roteiro não chega a ser ruim, mas não é uma biografia.

Há muito tempo li uma crítica a respeito do filme do Cazuza, e a frase que me marcou dizia: “Estamos cultivando péssimos exemplos”. Refleti um pouco sobre isso durante o filme, não porque Joãosinho trinta (como era carinhosamente chamado) é uma escola de mau exemplo, mas porque a vida dele não serve de cânone para nada. Sim, Trinta sofreu algumas dificuldades e lutou por um sonho com unhas e dentes, mas na nossa curtíssima história de Brasil temos pessoas que serviriam como fonte de inspiração mais profunda e, principalmente, nos ajudariam a questionar a nossa própria vida.

É aí que volto a pergunta da primeira linha: É preciso ter um propósito para se fazer um filme? Sem dúvida que algum tipo de motivação existe, mas nem sempre “arte” é instrumento de revolução.  Essa pergunta serve como base para eu afirmar que apesar não nos dizer nada, o filme é excelente.

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Outro ponto que me fez questionar tanto o filme e que levou a essa pergunta, é fato de serem apresentados muitos elementos da cultura brasileira: Lendas baianas das pretas-velhas que contam sobre a origem do Brasil e do mundo; a influência da cultura afro no dia a dia do carioca; características do preconceito de classe, de cor e de gênero; a hierarquização das escolas de samba, que são feitas no morro mas administradas pelos barões do Leblon; e muitos outros pontos que aparecem e poderiam ser melhores explorados e iriam enriquecer a história.

A fotografia é algo que dou uma estrelinha, todas as tomadas estão muito bonitas, sem excesso de informações e muito bem harmonizadas. A escolha das cores foi muito inteligente, pois mesmo longe da sede da Salgueiro o vermelho e o branco (cores da escola) prevalecem na  paleta de tons.

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A trilha-sonora é um tanto quanto curiosa. A primeira impressão que tive é que não foi feita uma pesquisa muito aprofundada para colocar as músicas, ou ainda que não quiseram gastar muito dinheiro com isso. Teve um momento que soltei um “Mas não é possível” na sala do cinema. Em uma das cenas em que Joãosinho é questionado se irá conseguir levantar o carnaval e não rebaixar a Salgueiro, que nunca tinha sido rebaixada, começa a tocar Corra e Olhe o Céu do compositor Cartola. Eu que não sou bacharel em samba e muito menos em Rio de Janeiro, sei muito bem o que Cartola é um representante nato da Mangueira, e a Mangueira é inimiga declarada da Salgueiro. Até me perguntei se aquilo era proposital, mas porque seria? Prefiro acreditar que foi um erro brabo.

Por fim o mais incrível: O elenco. Salvo raras exceções as interpretações estão sensacionais.

Quem faz o papel do Trinta foi Mateus Nachtergaele e o diretor do filme, Paulo Machiline, disse que o roteiro foi escrito para o ator. Não é a toa. Uma única cena já vale o tempo gasto no cinema. Nessa cena, Nachtergaele interpreta a “primeira vez” que o Trinta teve um ataque de nervos e solta milhares de palavrões. O que se sucede é algo tão genial e engraçado que eu veria novamente o filme todo só por essa cena.

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Como biografia o filme não existe. Porém, como uma história de drama, é uma produção interessante, com escolhas elegantes e algumas duvidosas, mas sem dúvidas muito bem interpretadas. Vale o samba. 

Fonte das imagens: Divulgação/
Gustavo Loeff Zardo

Meu sonho é ter barba.