Evolução: a temática de filmes brasileiros não fala mais só de miséria e pobreza

por
Maurício M. Tadra

06 de Abril de 2014
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Tempo 🕐 7 min

O cinema brasileiro até meados da década de 1990 era recheado de produções de forte cunho intelectual e que foram realizadas com pouca disponibilidade de recurso. Em outras palavras, o quesito artístico pesava muito na composição das obras, o que inviabilizava por vezes a melhor compreensão do conteúdo pelo público geral – uma vez que esse nicho artístico (e teatral) não está exatamente preparado para a exposição frente a muitos conteúdos.

Além disso, o experimentalismo era o que dominava nos filmes da época, o que significou na prática a inserção de muitos palavrões nos textos e muita sexualidade presente em praticamente todas as produções vigentes. Essa última característica conseguiu se destacar mais do que todas as outras, sendo que nos anos 70 chegou a ganhar um subgênero que é reconhecido até hoje como “pornochanchada”.

damalotacaoA Dama da Lotação (Reprodução/Papo Cult)

Mesmo que a maioria do conteúdo desses filmes não fossem exatamente pornográficos, a falta de qualidade na produção das obras (frente a um ascendente cinema hollywoodiano, onde coisas explodiam e robôs davam a noção de que o futuro estava mais próximo) acabou por conseguir criar uma espécie de rejeição consensual de tudo o que estiver relacionado ao termo “cinema nacional” (ou “filmes brasileiros”).

Primeiro passo

Assim que os anos 80 deram lugar a próxima década, o centro das produções nacionais começou a ganhar novas vertentes de produção e de conteúdo. As mazelas vividas durante o tempo de opressão militar criaram uma nova necessidade artística, que precisava expressar os sentimentos que ficaram presos na garganta dos diretores e artistas devido ao cerco governamental sobre as obras.

Eis que o cinema brasileiro deu um passo à frente, começando a deixar para trás a tal da pornochanchada, e fazendo nascer uma nova onda de produções nacionais orgânicas – que eram feitas a partir da necessidade de expor o Brasil para o próprio Brasil. E nessa levada foi que começamos a criar o segundo estigma da indústria cinematográfica tupiniquim, que é a inserção de pobreza, miséria, seca e todas as demais variações da pobreza em praticamente tudo o que produzíamos.

centralbrasilCentral do Brasil (Reprodução/Diário do Nordeste)

Assim, principalmente aquele pessoal que está em torno das trinta primaveras de vida carrega consigo uma visão que se assemelha a isso: “filmes brasileiros só falam de pobreza e de miséria”. Mas agora, pelo menos, já começamos a encontrar filmes mais bem trabalhados em termos de fotografia e visual, principalmente porque as produções estavam sendo feitas em associação entre empresas privadas (note a existência de produtoras a partir desse período) e por meio de editais governamentais.

Temas menos responsáveis e conteúdos mais maduros

Enfim chegamos ao ano 2000, quando o “bug do milênio” não foi tão maléfico quanto todos esperavam, e a indústria cinematográfica deu um grande passo em direção ao que vemos atualmente. A partir dos primeiros anos dessa década, o avanço da publicidade brasileira resolveu estender seu campo de atuação para o cinema, o que impactou diretamente na temática dos filmes.

Desde então, onde antes víamos desgraças mil, miséria, seca e gente morrendo, agora encontramos um nordeste colorido, animado e funcionando como plano de fundo para as mais variadas histórias. A trilha sonora dos filmes passou a ter função mais importante na composição das tramas, visto que também poderiam funcionar como produtos posteriores.

 estomagoEstômago (Divulgação/Zencrane Filmes)

E essa nova onda do cinema brasileiro conseguiu afastar um pouquinho o verdadeiro asco que muitas pessoas mais antigas nutriam (e ainda nutrem) pelas produções aqui de casa. Para ajudar na popularização dos filmes, as adaptações cinematográficas de peças e livros brasileiros resolveram adotar a mesma postura, sendo eu agora as comédias “água com açúcar” se consolidaram como o principal alicerce da indústria nacional.

Atualmente

Claro que essa linha temporal dos filmes nacionais tem a intenção apenas de dar uma leve pincelada sobre como tudo funcionou, funcionava e como tende a ficar. Portanto, podemos notar que nessa segunda década após a virada do milênio, a temática de incluir favelas com plano de fundo está super na moda e, com o sucesso de Tropa de Elite 1 e de Tropa de Elite 2, o confronto entre policiais e traficantes também está sendo muito requisitado.

Por um lado isso é ótimo, pois os filmes brasileiros de ação estão ganhando muitos pontos em termos de qualidade, o que ajuda a enterrar ainda mais o estigma da “miséria e sexo” nas temáticas. Além da ação, hoje vemos diretores revisitando propostas culturais (principalmente fora do eixo Rio-São Paulo), incluindo temas religiosos e adaptações de livros, utilizando diálogos menos responsáveis e mais interessantes.

Que tal um homem que inventa uma máquina do tempo? Ou a história de uma prostituta que ficou mais famosa escrevendo um livro do que no ofício noturno? E por incrível que pareça, hoje é possível encontrarmos suspenses nacionais, histórias policiais, romances dramáticos e até mesmo contos fantásticos, sendo que tudo é produzido com um padrão de qualidade digno, menos experimental e mais direcionado (olha a influência publicitária aí, gente!).

Para finalizar, fica aqui uma lista de produções que comprova que o ano dois mil funcionou como marco para o cinema brasileiro:

O Coronel e o Lobisomem, O Homem do Futuro, O Homem que Copiava, Lisbela e o Prisioneiro, Deus é Brasileiro, Meu Nome não é Johnny, O Auto da Compadecida, Carandiru, Cidade dos Homens, Os Desafinados, Bicho de Sete Cabeças (2001), O Bem Amado, Assalto ao Banco Central, O Homem do Futuro, Estômago, A Dona da História, Cilada.com, E aí Comeu?, Redentor, “Cinema, Aspirinas e Urubus”, Histórias de amor duram apenas 90 minutos, A Mulher Invisível, Cidade Alta, Dois Coelhos (esse filme merece atenção especial) e Alemão...

redentorRedentor (Reprodução/Renato Felix)

Também há aqueles filmes alegres, que contam, sobretudo, com o forte apelo da mídia televisiva, como Qualquer Gato Vira-lata, Minha Mãe é uma Peça (o filme mais visto de 2013), Bruna Surfistinha, Muita Calma nessa Hora, Se Eu Fosse Você e Se Eu Fosse Você 2.

Espera aí, eu sei que nem tudo está ótimo

Claro que nem tudo está perfeito ainda, como por exemplo a tecnologia de efeitos visuais. No filme Alemão (confira a crítica clicando aqui), há um momento em que os traficantes usam um lança-mísseis (e depois uma granada) para quebrar uma porta, o que ocasiona uma explosão. Não que a sequência não tenha ficado boa (ficou sim), mas convenhamos que os efeitos são bastante primários quando comparados aos que vemos em várias outras produções atuais.

Mesmo assim, acredito que o cinema nacional está em vias claras de evolução e a cada ano que passa podemos sentir que os filmes ficam melhores. Daqui pra frente, quem se dignar a acompanhar o material que é lançado mensalmente nas salas de cinema de todo o Brasil (mesmo que em poucas) certamente ficará orgulhoso de poder estar vivendo exatamente nesse período de vacas gordas. Cavera!

Maurício M. Tadra

Bara bin, Bara ben, Bara Bum!