Crítica do filme Ilha dos Cachorros

Nós não merecemos os cachorros

por
Thiago Moura

09 de Agosto de 2018
Fonte da imagem: Divulgação/20th Century Studios
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 6 min

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Animações feitas em stop-motion sempre são marcantes. Geralmente são criadas com um aspecto lúdico que remete a infância quase inconscientemente, além do trabalho minucioso de horas de trabalho que transpiram para a tela. Claro que não é uma tarefa simples, mas Wes Anderson já experimentou essa mídia anteriormente em “O Fantástico Sr Raposo”  construindo de forma brilhante e divertida uma história com simpáticos animais antropomorfisados.

Em “Ilha dos Cachorros” não é diferente, e a comparação é inevitável. Wes Anderson já desenvolveu um estilo singular durante sua carreira e essa marca é gritante em todas suas obras. É justo falar que todas as qualidades do diretor estão retratadas na película, mas é claro que para aqueles que não apreciam seus trabalhos anteriores vai soar tudo como apenas “esquisito”.

Baseado em uma história de Anderson, o roteiro é desenvolvido por Roman Coppola, Jason Schwartzman e Kunichi Nomura. Apesar de tantas cabeças envolvidas, a história é bastante simples e linear, o que de forma alguma é um demérito para a narrativa. Em “Ilha dos Cachorros”, vemos um mundo a partir do ponto de vista dos melhores amigos do homem, imersos na cultura e arte japonesa.

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A história se passa 20 anos no futuro e o prefeito Nomura Kobayashi, um renomado amante dos gatos, anuncia que o surto de “gripe focinhal” entre a população canina fez com que os cães virassem uma ameaça para a humanidade. Apesar de uma pequena comunidade científica declarar que uma cura é possível com o devido investimento em tempo e pesquisas, o prefeito decreta que todos os cães devem ser enviados a Ilha do Lixo, começando pelo querido Spots (Liev Schreiber), o cão da família Kobayashi responsável por cuidar do jovem Atari (Koyu Rankin). Mas o pequeno Atari não aceita se separar do cachorro Spots. Ele rouba um avião e parte em busca de seu fiel amigo.

Seis meses após o decreto, toda a população canina já foi movida para a Ilha do Lixo, todos apresentando sintomas da “gripe focinhal” e lutando para sobreviver. Chefe (Bryan Cranston), Rex (Edward Norton), Boss (Bill Murray), Duke (Jeff Goldblum) e King (Bob Balaban) formaram uma matilha, composta apenas por alfas, e seguem os dias revirando o lixo em busca de alimento, até que sua rotina é quebrada com a chegada do pequeno piloto Atari.

Eu mordo

A narrativa parte da perspectiva dos cachorros e isso fica claro pois a história se passa no Japão, mas os cães falam apenas em inglês e a legenda não traduz as falas em japonês propositalmente. Isso pode parecer uma escolha estranha, mas dentro do contexto do filme não é tão confuso assim, já que quando é necessário existe uma “tradução simultânea”.

Chefe é o único na matilha que sempre foi um cachorro de rua, e não sente muita vontade em ajudar o pequeno piloto que chegou até a ilha, ao contrário de todos os seus companheiros que sabem a importância da amizade e lealdade entre cães e humanos.

Toda a jornada é repleta de cenas marcantes bem características do já citado estilo peculiar de Anderson. Apesar de extremamente simples, a história tem um bom desenvolvimento sem muitos rodeios ou ideias mirabolantes. A animação passeia do stop-motion para uma estética mais voltada para o desenho tradicional, passando pelo estilo de gravuras japonesas e até mesmo para algo que lembra um anime, com transições inseridas em momentos precisos que acontecem de forma muito fluída.

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Um bom exemplo, sempre que uma luta começa, os envolvidos entram numa nuvem de poeira, que visualmente lembra muito um algodão, para quem vê de fora não focar em detalhes. Mas em uma cena de ação mais complexa, a estética de anime é escolhida, já que a movimentação e ângulos seriam complexos demais em uma animação stop motion. São por detalhes como esses que Anderson segue cativando quem aprecia sua visão de cinema.

As referências são diversas, lutas de sumô e demonstrações de taikô, os tradicionais tambores japoneses, além de homenagens sutis ao próprio cinema nipônico, sobretudo Akira Kurosawa. Tudo isso pensado com ritmo e a já famosa obsessão do cineasta por composições simétricas, ainda que “Ilha dos Cachorros” seja sua obra mais “torta” nesse sentido.

O humor também é bastante sutil e por isso mesmo muito interessante. Apesar de não haver nada que restrinja o filme para crianças, talvez os pequenos não achem a animação atraente. Não existe um apelo estético para esse público em relação aos personagens, que apesar de bonitinhos não são estilizados a ponto de ser uma explosão de fofura, assim como
as piadas que não contam com o humor exagerado de produções semelhantes.

Ao criar uma distopia fantástica, essa é a obra mais política de Anderson, mas ao invés de ser soturna e incômoda é balanceada para que as ideias sejam digeridas com mais naturalidade. 

Alexandre Desplat, que já havia trabalhado anteriormente com Anderson, entrega uma trilha sonora fantástica com diversas canções originais e uma variedade de artistas, a maioria de origem japonesa. A inspiração no cinema clássico de Akira Kurosawa se sobressai em diversos temas musicais, assim como no design de alguns personagens.

Obviamente não seria um filme de Wes Anderson sem os seus atores de estimação, com algumas adições significativas. O protagonista é Bryan Cranston (o Walter White, de Braking Bad), que empresta sua voz ao cão Chefe, que rouba a cena por todo seu desenvolvimento e destaque na trama. Os outros personagens não são tão bem relevantes assim, mas é impossível não se importar com eles e suas peculiaridades.

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Cada cão do grupo principal tem uma característica engraçada, como Duke (dublado por Jeff Goldblum), que sempre tem uma fofoca na ponta da língua, e Rex (Edward Norton) com planos diferente dos de Chefe e que é sempre seguido pela matilha.

Essas peculiaridades são uma adição sutil para a história, mas servem para pegar desprevenido quem não espera uma piada oportuna em momentos relativamente banais. Bill Murray, Bob Balaban, Greta Gerwig, Scarlett Johansson, Tilda Swinton cada nome marcante é um cachorro com características únicas que adicionam graça nessa história fantástica e cativante. Espero que "Ilha dos Cachorros" inspire novos trabalhos originais, e que essas obras achem um espaço para seu público.

Fonte das imagens: Divulgação/20th Century Studios

Ilha dos Cachorros

Felizes os cães, que pelo faro descobrem seus amigos...

Diretor: Wes Anderson
Duração: 105 min
Estreia: 19 / Jul / 2018
Thiago Moura

Curto as parada massa.