Crítica do filme Máquinas Mortais
Seria melhor não existir um pós-apocalipse
Assim como a maioria dos filmes hoje em dia, “Máquinas Mortais” é baseado em uma série de livro para jovens adultos com potencial para virar uma franquia. O autor britânico Philip Reeve publicou em 2001 o primeiro dos quatro livros sobre um futuro distópico steampunk, chamando a atenção de Peter Jackson, que transportou essa aventura para as telonas como co-produtor e co-roteirista juntamente com Fran Walsh e Philippa Boyens. Christian Rivers, que já havia trabalhado anteriormente com Jackson como supervisor de efeitos visuais estreia na direção e faz um bom uso de todo seu conhecimento técnico.
“Máquinas Mortais” se passa após a “Guerra dos 60 Minutos”, que levou a humanidade até o limite, criando um mundo devastado e obrigando as metrópoles a saírem andando por aí para garantir a sobrevivência de seus habitantes. Logo na cena inicial vemos Londres devorar uma cidade Bavariana de mineradores, no novo sistema adotado chamado “Darwinismo municipal”, em que as grandes cidades “predatórias” se locomovem por aí devorando as menores, assimilando sua população e absorvendo seus recursos, além de buscar relíquias tecnológicas da era anterior, tipo torradeiras.
Em oposição às “Cidades Tração” ainda existem “Cidades Estáticas” recusando transformar-se em máquinas gigantes sobre rodas, a fim de preservar seus recursos. Porém, Londres é a mais gananciosa das cidades e busca soluções agressivas para atacar os anti-tracionistas e de certa forma “controlar o mundo”.
Conceitualmente tudo parece bem interessante, mas o filme é enredado numa teia confusa de personagens sem graça, que de alguma forma estão relacionados, o que complica a progressão da aventura até virar uma coisa monótona que dura mais de duas horas. Dificilmente você vai se importar com qualquer um dos personagens, mas não custa tentar.
A protagonista é Hester Shaw (Hera Hilmar), uma andarilha que vive nas terras desoladas, fora das cidades. Ela busca vingar-se de Thaddeus Valentine (Hugo Weaving), um político engenheiro que matou sua mãe, e principal entusiasta das Cidades Tração. Quando Hester falha em assassiná-lo, ela é seguida por Tom Natsworthy (Robert Sheehan), um historiador devotado as ideais de Valentine, mas que logo percebe toda a verdade por trás de suas ideias e passa a acompanhar a garota com uma "cicatriz grotesca" no rosto.
Após alguns contratempos fora de Londres, eles encontram a líder do grupo anti-tracionista Anna Fang (Jihae), que desconfia que Valentine está construindo uma perigosa arma com tecnologia antiga. Para adicionar um tempero nessa sopa sem graça, um andróide zumbi conhecido com Shrike (Stephen Lang) persegue Hester e Tom, com uma motivação tão idiota que talvez fosse melhor permanecer misteriosa.
A falta de química entre o casal de protagonistas é gritante, além do roteiro fraco e atuações duvidosas. Hester é uma jovem criada na severidade de um mundo pós-apocalíptico, com uma vida baseada apenas na sobrevivência, mas mesmo assim ela acaba sempre em situação de “donzela em perigo”, sendo salva por um garoto criado em condomínio que não sabia nada além de procurar em pilhas de lixo por alguma coisa interessante do passado. Além disso tudo já ser forçado, eles têm uma relação amorosa, porque se tem um homem e uma mulher é isso que precisa acontecer, certo?
Claro que trabalhar em cima de um universo pré-estabelecido é bastante desafiador, e mostrar tudo de uma forma coesa sem atravancar a história não é nada fácil. A personagem que mais adiciona emoção é Shrike, e olha que supostamente ele não deveria ter sentimentos, mas para ser justo, Anna Fang tem as melhores cenas e presença na trama, o que infelizmente não salva a coisa toda.
A moda steampunk é legal, mas não é exatamente novidade. Visualmente o filme entrega cenas bem elaboradas, máquinas gigantes, veículos aéreos inventivos e até uma cidade flutuante belíssima, apesar de nada prática, tudo pelo bem da poesia visual. Tanto os cenários quanto os figurinos são deslumbrantes e há diversidade suficiente para que o mundo de “Máquinas Mortais” pareça rico e interessante. Porém, todo esse potencial é desperdiçado em uma trama superficial e personagens rasos.
“Máquinas Mortais” é conceitualmente interessante, mas acaba se perdendo entre uma direção fraca, roteiro ruim e atuações insípidas.
Não há necessidade de comparar o filme ao livro, mas os fãs mais ardorosos certamente vão se decepcionar. Desde a cicatriz horrenda que envergonha Hester até os personagens secundários que foram minimizados ao ponto de se tornarem meros figurantes, a adaptação falha em contar uma história interessante, soando muito mais clichê e datada do que seria aceitável. Se isso tudo não bastasse, há ainda uma cena envolvendo Minions, adorados nessa distopia como “deidades americanas”.
Como entretenimento puro e simples, “Máquinas Mortais“ não chega a ser ofensivo. Se sua curiosidade foi despertada pelos conceitos apresentados, é um filme assistível. Porém, talvez não compense tanto assistí-lo no melhor cinema de sua cidade, já que talvez toda a maravilha visual empregada no filme não salte aos seus olhos com óculos 3D da forma que deveria.
Um novo mundo, a mesma guerra