Crítica do filme Mundo Cão
Conversa pra cão dormir
O Brasil está cheio de bons temas a serem retratados e volte e meia surge algum roteiro que promete levar para as telonas algum assunto que merece atenção.
O novo filme do diretor Marcos Jorge, que você talvez conheça pela obra "Estômago", é para ser um desses projetos que tem uma mensagem importante. Já no começo do filme, fica bem claro que o script foi selecionado em alguns eventos, o que leva a plateia a acreditar que vem aí uma história surpreendente. Só que não é bem assim.
Na trama de "Mundo Cão", acompanhamos a história de Santana, funcionário da carrocinha (Departamento de Combate às Zoonoses). Ele é um sujeito simpático, que vive num subúrbio com sua família, conseguindo manter a violência longe de casa. Até o dia em que captura, exercendo seu ofício, um enorme cachorro.
Por ordem da prefeitura, depois de alguns dias, cachorros sem dono devem ser executados. Acontece que eles acabaram matando o cachorro errado, pois se tratava do bicho de estimação de um ex-policial (Lázaro Ramos), que hoje é um bandidão casca grossa. O sujeito aparece no local e fica sabendo do ocorrido e, por um mal-entendido, acaba rolando um conflito com Santana. Logo, essa história que não deveria ter nada de excepcional vai virar um caso de vingança.
A premissa de "Mundo Cão" realmente tem algum potencial. O filme inclusive faz uma brincadeira no título com o fato do funcionário que trabalha na carrocinha e que vive no verdadeiro mundo cão, tendo que enfrentar tantas dificuldades nos diversos ambientes em que participa ativamente. Vale notar aqui que tanto a questão do trato com os animais quanto os cenários de vingança são coisas legais para se mostrar, só que o modo como isso é passado acaba não colando.
O filme começa bem, com Lázaro Ramos roubando a cena e mostrando seu potencial. Só que, logo após isso, o filme desvia do foco e mostrar cenas que não agregam tanto à construção da trama. O roteiro perde um tempão divagando e mostrando fatos pouco importantes da família de Santana. Algumas informações até são aproveitadas depois, porém a ligação dos fatos demora tanto, que o espectador pode perder o interesse.
Quando o filme engata num ritmo bom mesmo, o roteiro acaba decepcionando com algumas bases que não colam muito. As motivações dos personagens poderiam ser melhor desenvolvidas. É uma história que talvez até poderia acontecer mesmo, mas fica tão surreal que fica complicado comprar a ideia. Outro problema aqui são os personagens, que são pouco chamativos e não ajudam muito na construção do roteiro.
Apesar de ter grandes nomes, incluindo Adriana Esteves e Milhem Cortaz, o elenco não parece muito sintonizado, principalmente alguns novatos, que por sinal até desempenham papéis importantes na trama. Lázaro Ramos, por outro lado, se mostra ousado em várias cenas, incorporando mesmo o bandidão e até se desdobrando em várias cenas. Ponto novamente para o cara que realmente ficou bichão que nem o Cão!
A gente sabe que, geralmente, as produções brasileiras não apresentam qualidade tão elevada como os filmes de Hollywood, mas é sempre bom ver um mínimo de capricho. Aí é que "Mundo Cão" pode se mostrar um pouco mais decepcionante. A primeira grande mancada aqui são as transições constantes mal executadas. Em parte, isso é culpa do roteiro que opta por cenas curtas, mas a falta de esmero para ligar as pontas pode incomodar os mais atentos.
Acontece que não é só nisso que esta produção acaba pisando na bola. A parte sonora também apresenta alguns descuidos. A mixagem e até mesmo a edição de som acabam mostrando falhas que não deveriam estar ali. Há cenas em que os personagens mal abrem a boca e o som sai da mesma forma; noutras o áudio fica fora de sincronia. E a trilha sonora, apesar de funcionar legal na maior partet, também se mostra muito exagerada.
Em questão de imagem, o filme mostra cenários comuns no Brasil, o que retrata a realidade, mas não fica tão bonito na tela. Pode ser uma reclamação boba, mas caprichar mais na questão da fotografia poderia dar algum diferencial à produção. Ainda tratando dessa questão, quase tudo no filme parece artificial, sendo perceptível que faltou uma orientação mais precisa para encaixar os detalhes da história.
No fim das contas, a nova obra de Marcos Jorge não se mostra nada genial em termos de execução ou mesmo de roteiro. Há sim uma história a ser contada aqui, que talvez até teria melhor potencial se fosse aparada para fazer mais sentido, mas a enrolação no desdobramento dos fatos e até mesmo o tema principal deixam o filme mais cansativo do que empolgante. Infelizmente, "Mundo Cão" não contribuiu para acabar com alguns estereótipos relativos ao cinema brasileiro. Melhor esperar na Tela Quente mesmo.
