Baseado no clássico “O Livro do Verão”, de Tove Jansson, Memórias de um Verão traz para o cinema uma história contemplativa, que transforma pequenos momentos em grandes gestos de humanidade. O longa parte de uma premissa simples: a convivência entre uma avó e sua neta em uma ilha isolada. Porém, essa simplicidade funciona como porta de entrada para reflexões profundas — sobre o tempo, a infância, a velhice e o que fica guardado na memória de cada um.
Acompanhamos Sophia (Emily Matthews), uma menina de nove anos, e sua avó (Glenn Close) durante um verão marcado por descobertas silenciosas. Elas exploram a natureza, conversam sobre o mundo, desviam do tema da perda recente da mãe de Sophia e, aos poucos, deixam que a paisagem cure aquilo que elas ainda não conseguem dizer. É um enredo discreto, minimalista, mas que se apoia na força emocional dos detalhes: um olhar, um gesto, uma respiração longa diante do mar.
Fonte: Divulgação / Helsinki Filmi
E é justamente por ser tão discreto que o filme levanta a pergunta inevitável: esse tipo de narrativa ainda funciona, num mundo acelerado? A resposta depende do olhar de cada espectador — mas, para quem se permitir entrar no ritmo da ilha, Memórias de um Verão entrega uma experiência sensorial rara, que mistura silêncio, contemplação e sentimentos intensos. É um filme que pede calma; em troca, devolve introspecção e beleza.
Memórias de um Verão vale a pena?
Sim, vale — desde que você esteja disposto a desacelerar. Memórias de um Verão é um filme sobre pequenas coisas que revelam grandes verdades; sobre uma avó no fim de sua jornada e uma neta que mal começou a dela. A narrativa pode parecer parada, quase imóvel, mas funciona como uma meditação cinematográfica. A direção convida o espectador a sentir o vento, o mar, o silêncio — e a perceber que ali existe um mundo inteiro acontecendo. É um drama sensível, às vezes triste, outras vezes imensamente terno, reforçado por atuações impecáveis e uma fotografia de tirar o fôlego.
A Trama da Quietude: Vida, Tempo e Memória
O enredo de Memórias de um Verão é propositalmente simples — quase vazio à primeira vista. Pouca coisa acontece durante os 90 minutos: são conversas quebradas, passeios pela ilha, pequenas brincadeiras e silêncios prolongados. Mas essa “falta de ação” é justamente o que dá sentido ao filme. A narrativa funciona como um lembrete sobre o que realmente importa: observar, sentir, estar presente. É na calmaria que surgem as reflexões mais profundas.
Fonte: Divulgação / Helsinki Filmi
A relação entre Sophia e sua avó é construída em gestos miúdos: a avó ensinando a criança a montar uma barraca, recordando histórias da juventude enquanto tenta lembrar fatos que já começam a escapar da memória, ou simplesmente caminhando lado a lado na praia. São momentos que poderiam passar despercebidos, mas que ganham enorme peso emocional quando vistos como fragmentos de uma vida inteira prestes a se despedir.
O filme também trabalha um contraponto poderoso: a infância e o fim da vida, lado a lado. A menina cheia de perguntas, irritada, teimosa, curiosa; a avó paciente, cansada, muitas vezes perdida entre lembranças e lapsos de memória. Através desse contraste, o longa sugere que compreender a existência talvez esteja justamente no meio-termo entre esses dois extremos — não no que sabemos, mas no que sentimos.
Destaque para o gatinho fofo no filme! - Fonte: Divulgação / Helsinki Filmi
Outro elemento forte é a forma como a natureza influencia a narrativa. A ilha é quase um personagem: o sol, o mar, as flores, o vento. A câmera se aproxima de detalhes minúsculos — gotas de orvalho, pedras à beira da água, folhas tremendo — como se cada pequeno elemento fosse parte de uma conversa maior. Essa estética transforma o simples em poético e reforça a ideia de que a vida acontece nas entrelinhas.
A Beleza do Silêncio
Glenn Close está magnífica. Sua atuação é contida, sutil, cheia de nuances — uma avó que mistura sabedoria, humor seco, fragilidade e um leve temor diante da passagem do tempo. É daquelas performances que não precisam de grandes discursos para emocionar; basta um olhar demorado ou uma respiração hesitante. Já Emily Matthews, em sua estreia no cinema, surpreende com naturalidade e sensibilidade, equilibrando inocência e intensidade sem nunca soar artificial.
Fonte: Divulgação / Helsinki Filmi
A direção de Charlie McDowell abraça totalmente o espírito contemplativo do romance original. Em vez de explicar tudo, ele deixa que as situações falem por si — e quando fala demais, justamente aí o filme dá seus tropeços. Algumas cenas são mais verborrágicas do que deveriam, um contraste com a linguagem silenciosa que domina a maior parte da obra. Ainda assim, o equilíbrio final funciona e o tom geral permanece coerente.
A fotografia é, sem exagero, deslumbrante. Os planos da ilha parecem pinturas, com luz suave, cores quentes e composições que valorizam tanto a grandiosidade quanto os detalhes minúsculos. Há momentos que mais parecem haicais visuais: a avó observando o nascer do sol, Sophia correndo entre as rochas, o mar refletindo o céu como um espelho infinito. A câmera convida o espectador a respirar junto com a natureza.
Fonte: Divulgação / Helsinki Filmi
A trilha sonora — ou a ausência dela — é outro trunfo. Muitos trechos são guiados apenas por piano leve, pelo som do vento, pela batida do coração, pela água tocando as pedras. O resultado é quase terapêutico, como se o filme pedisse: escute a vida. Essa combinação entre imagem e som cria uma atmosfera de serenidade e introspecção que permanece muito depois dos créditos.