Crítica do filme O Grande Circo Místico
A tragédia na arte
Não é uma história de amor. Não é uma história de fantasia. E, sim uma história de como relações pessoais podem andar em uma corda bamba e arrebentar no fim do espetáculo. O filme “O Grande Circo Místico” de Cacá Diegues revela o lado mais obscuro da família Knieps, herdeiros do circo Místico.
Semelhante a obra literária Cem ano de Solidão de Gabriel García Marquez, o filme conta de forma mística a história de cinco gerações da família Knieps, após o médico e apaixonado Dr Fred ganhar o circo mais encantado da cidade em 1910. Do apogeu à decadência tanto do circo quando dos Knieps é narrado pelo personagem que nunca envelhece Celavi (Jesuíta Barbosa), que carrega o significado do filme em seu nome: "C’est la vie" em francês, que em português significa "É a vida".
Celavi é a grande surpresa poética do filme, ele acompanha a trajetória de cada um da família e todos os atormentos familiares que vão passando de geração em geração. O seu jeito narrador e às vezes acolhedor revela o lado mais humano do Circo Místico, que apesar de propor uma viagem mística e cheio de encantamento, é só mais uma história trágica presente em várias famílias do Brasil.
As cinco histórias começam diferentes mas se constroem a partir de dois sentimentos comuns em todo ser humano: as paixões e os desejos. Cada personagem carrega consigo uma cicatriz amorosa, um sonho de infância, uma futilidade e especialmente uma dose de violência, algo que orbita em torno dos Knieps, como uma ferida aberta sem previsão de cura. Grandes nomes da dramaturgia ajudam a dar vida para a história da família, como Mariana Ximenes, Bruna Linzmeyer, Vicent Cassel e Antônio Fagundes.
Contra a maior parte dos filmes épicos, o longa de Cacá não veio para ser uma história bonita com um final feliz. O diretor parece ter o desejo espantar, causar agonia e pavor ao falar sobre um passado que não cicatriza. Apesar do longa explorar vários temas relevantes e obscuros que atormentam os seres humanos, o filme ganha um ritmo veloz no decorrer da drama que não permite o telespectador se aprofundar ou criar um afeto por cada personagem.
A dor e as situações dramáticas de cada geração tornam-se superficiais aos olhos de quem assiste, já que é difícil entender os reais motivos dos problemas apresentados. Ainda que o filme desperte um sentimento de impotência por assistirmos a decadência da família de geração a geração, o enredo cria mais dúvidas do que respostas.
Tão mágico quanto o circo vive no imaginário de cada pessoa que visita o picadeiro pela primeira vez, O Grande Circo Místico usa e abusa de efeitos especais, que traz através de imagens deslumbrantes e da trilha sonora de Chico Buarque e Edu Lobo, a poesia de A Túnica Inconsútil (1938) de Jorge de Lima.
Contudo, em alguns momentos os efeitos se tornam cansativos e exagerados, levando o espectador a se perguntar onde está a magia simples, realista e mística do circo. Afinal, sem tecnologias avançadas, o picadeiro tem o poder de espantar e despertar emoção nos olhos de quem assiste malabaristas, contorcionistas, acrobatas e mágicos. São efeitos especiais que não precisam de tecnologia, mas que tornam real o impossível em nossa mente.
O filme foi recebido com aplausos calorosos no Festival de Cannes, porém, com críticas amenas no cenário nacional e internacional, o que me trouxe uma grande dúvida: qual é a real mensagem ou sensação que o filme trouxe ao seu público?
A minha foi de pavor. Um pavor de uma beleza que antes era bonita e tornou-se assustadora no fim de cada capítulo. Um pavor que ainda está presente em diferentes gerações de famílias do interior do Brasil. Um passado que persegue a vida de quem está a mercê da sociedade.
As críticas amenas revelam algo do cenário cinematográfico e de críticos do cinema: a grande presença de homens na profissão. O filme “O Grande Circo Místico” não traz uma mensagem bonita, ao contrário, ele vem para mostrar o pavor e agonia que existe no passado que afeta cada geração familiar: a violência sexual, a violência familiar, o relacionamento abusivo, depressão e vícios.
Problemas que se origiam no passado e ganham forças no presente. Problemas que podem ser resumidos em apenas quatro palavras: a vida é assim.
A arte de criar fantasia