Crítica do filme O Quarto de Jack

O trauma de um mundo sufocante

por
Fábio Jordan

21 de Fevereiro de 2016
Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 6 min

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Primeiro de tudo, é preciso fazer um alerta: não veja o trailer de “O Quarto de Jack”. Eu não devia fazer isso, até porque nosso site tá aqui pra levar trailers até você, mas conferir o trailer antes deste filme vai estragar completamente as surpresas.

Dito isso, vamos falar sobre este filme que está dando o que falar - e que está concorrendo em 4 categorias no Oscar 2016. Como o próprio nome já diz, a gente tem dois elementos principais aqui: o quarto e o Jack.

Jack é um menino de 5 anos que é cuidado por sua amada e devota mãe (Brie Larson) — que ele carinhosamente chama de Ma. Como toda boa mãe, ela se dedica em manter Jack feliz e seguro, cuidando dele com bondade e amor, e fazendo coisas típicas como brincar e contar histórias.

O quarto é o lugar onde os dois vivem. É um ambiente de 10 m², onde eles estão presos. Apesar da situação complicada, Ma criou um universo para Jack dentro deste quarto. Aos poucos, Jack vai crescendo e sua curiosidade aumenta e, ao mesmo tempo, Ma arquiteta alguma forma de escapar deste local hostil.

Atenção: é possível que tenha algum spoiler ao longo do texto.

Não recomendado para claustrofóbicos

O cenário principal do filme é um local bem apertado, tanto para duas pessoas viverem quanto para a filmagem. Nesse cubículo, os dois personagens têm uma cama, um vaso sanitário, um guarda-roupas, uma TV, uma banheira, uma mesa e outros poucos objetos para sobreviver. O site oficial do livro inclusive tem uma demonstração Quarto de Jack.

O quarto como um todo já é bem pequeno, mas cada parte deixa tudo ainda mais apertado. Há cenas que acontecem dentro do guarda-roupa, onde não há nem espaço para a câmera se movimentar apropriadamente. Aliás, a filmagem toda neste ambiente se mostra bem limitada, já que não há muito espaço para movimentação.

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Independente se você tem pavor de locais fechados e pouco iluminados ou se você não tem problema algum com isso, o filme incomoda bastante ao colocar a plateia neste quarto apertado. A respiração fica ofegante, os sentidos ficam aguçados e um milhão de perguntas passam pela cabeça enquanto acompanhamos as situações tensas dentro do quarto.

Apesar do espaço limitado, o roteiro se mostra bem criativo e com muitas opções para montar o universo de Jack. Com apenas uma televisão, uma claraboia e alguns poucos recursos, o longa-metragem consegue construir uma linha de raciocínio bem inteligente e convincente.

Surpreendentemente cativante

Todo o mundo fictício construído no roteiro é importante, mas o que seria do Quarto de Jack sem o Jack, não é mesmo? Nesse ponto, o menino-prodígio Jacob Tremblay é peça fundamental na construção do longa-metragem. O mais legal é que, apesar de estar interpretando um personagem, Tremblay consegue passar toda a doçura de uma criança descobrindo todo um mundo de novidades, aparentando ser ele mesmo a todo tempo.

O garotinho de longas madeixas arrasa em simpatia, arrancando gargalhadas e suspiros até mesmo num ambiente hostil. Ele apresenta uma inocência ímpar, nunca antes visto em filmes de dramas. Uma pena que a Academia não seja muito justa, pois é bem possível que este ator-mirim fosse capaz até mesmo arrancar a estatueta de outros grandes da indústria.

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Ainda que Brie Larson seja muito importante na trama e domine os diálogos — já tendo levado inclusive um Globo de Ouro pra casa —. da metade pra frente, por conta de todos os acontecimentos no roteiro, a atriz perde seu brilho e dá espaço para o público prestar a atenção na mensagem e no garotinho.

Do começo ao fim, Jack se mostra curioso e impressionado com quase tudo que chega até ele, mas, paralelamente, o garoto transpira medo e deixa transparecer toda a fragilidade de um ser tão pequenino e inocente em um mundo tão complexo. E, de fato, o filme faz uma abordagem competente desse tipo de caso, fugindo do que já vimos em filmes similares.

Delicado e inimaginável

Antes de dar procedimento, deixo o alerta novamente, pois nessa parte podemos entrar em alguns tópicos que podem atrapalhar sua experiência com o filme. Eu avisei. Bom, “O Quarto de Jack” é um filme único, mas que conta duas histórias paralelas.

O título do longa-metragem faz jus à primeira metade, mas o grande ápice de todo o filme se dá justamente ao término desse primeiro ato. Depois disso, a história toma um rumo completamente diferente, que, apesar de ter sua importância, acaba destoando do todo e separando o filme em duas temáticas distintas.

No todo, os temas conversam bem, mas tratando o filme como uma única coisa, é bem capaz que alguns espectadores percebam uma quebra muito forte na história, algo que inclusive deixa a segunda metade mais lenta, para não dizer até um pouco cansativa.

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A história que se segue com as novas descobertas de Jack acaba sendo repetitiva, com alguns loops bem desnecessários, os quais parecem estar ali justamente para justificar a abordagem deste segundo tema, ou seja, o drama das pessoas que passaram por uma situação prolongada num cativeiro. É uma proposta um tanto inédita e válida, mas talvez até renderia um filme isolado.

É importante constatar que o desenvolvimento enquanto produção mais competente, tratando aqui de figurino, fotografia, mixagem de som, se dá justamente nessa segunda metade do filme, mas é apenas um trabalho ordinário, não tendo nada de brilhante nesse sentido.

O resumo da ópera é simples: a grande qualidade do filme está no próprio Jack. O quarto é dele, a história gira em torno do garoto, o mundo de imaginação é todo dele. Bom filme no geral, mas a dualidade na temática acaba prejudicando um pouco a construção geral da obra. De qualquer forma, vale ver no cinema, porque esse Tremblay é simplesmente um gênio!

Fonte das imagens: Divulgação/Universal Pictures

O Quarto de Jack

Um amor tão grande quanto o quarto é pequeno

Diretor: Lenny Abrahamson
Duração: 118 min
Estreia: 18 / Feb / 2016