Critica do filme Você Nunca Esteve Realmente Aqui

Como filosofar com o martelo

por
Carlos Augusto Ferraro

22 de Novembro de 2018
Fonte da imagem: Divulgação/Supo Mungam Films
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 4 min

☕ Home 💬 Críticas 🎭 Opinião

Lynne Ramsay já fazia barulho no mundo do cinema antes mesmo de assinar a direção de Precisamos Falar Sobre o Kevin, adaptação do best-seller homônimo de Lionel Shriver. Com um estilo narrativo singular, Ramsay apresenta roteiros enxutos e bem amarrados sem se apoiar nos diálogos. Com detalhes vívidos, suas imagens contam a história de maneira explícita.

Agora, depois de um hiato de quase cinco anos, Lynne Ramsay retorna com um soco no estômago dos espectadores. Você Nunca Esteve Realmente Aqui é o quarto longa-metragem da diretora escocesa que mostra toda sua maturidade cinematográfica em um filme que é ao mesmo tempo é intenso e reflexivo. 

Dona de um olhar apurado, Ramsay escreve com a câmera a história de um homem quebrado. Desconstruindo arquétipos e redefinido expectativas, a diretora aposta em um elenco mínimo, liderado pelo fenomenal Joaquin Phoenix, para abordar temas indigestos como pedofilia, abuso, trauma, luto e depressão.

Traga o martelo!

Baseado no romance de Jonathan Ames, o filme acompanha Joe, um veterano de guerra que utiliza sua brutalidade latente localizando e resgatando menores vítimas de exploração sexual infantil. Seu trabalho mais recente envolve a filha de um senador, mantida em um bordel de luxo em Nova York. 

Com uma violência bestial, Joe abre caminho dentro do estabelecimento até encontrar a jovem Nina em um dos quartos. Os dois escapam e enquanto esperam em um motel descobrem o pai da garota, Albert Votto se suicidou e para piorar tudo, a polícia está batendo na porta do quarto.

vocenuncaesteverealmenteaqui01

A trama se move como um rio, mesmo que fluida há muitos obstáculos pelo caminho. O ritmo é completamente díspar do que se esperaria, mas é exatamente esse compasso que permite as impreteríveis refleções do personagem e seus atos. A ação está presente, mas de uma maneira muito mais “contemplativa” do que física. Joe pode ser um homem brutal, mas sua violência é melancólica. Já na abertura do filme temos um gosto do ímpeto dele Joe, mesmo que pouco seja visto no enquadramento, eis aqui o olhar refinado de Lynne Ramsay.

Eu ainda estou aqui

Joaquin Phoenix está impressionante. Na pele de Joe, o ator é a força motriz da película, as nuances de sua performance preenchem as lacunas do personagem, mostrando diretamente para o espectador aquilo que não é dito.

Enigmático e contemplativo, Phoenix trabalha a violência de Joe seja nos momentos implícitos ou nos mais explícitos. A mistura equilibrada de cenas fantasiosas estilizadas beiram o fetichismo, abrindo pequenas frestas na psique de Joe, mostrando apenas o necessário sem cair no erro da superexposição.

vocenuncaesteverealmenteaqui02

A introspecção de Joe é importante na discussão da sua violência e como ela não se apresenta como uma ação catártica, mas sim como processo terapêutico continuado. A entrega de Phoenix é total, e mesmo com poucas falas sua atuação causa estrondo.

Melancolia cinematográfica 

Não foi surpresa quando Você Nunca Esteve Realmente Aqui foi indicado para a Palma de Ouro em Cannes. Por sinal, o filme acabou faturando outros dois prêmios na 70ª edição do famoso festival anual de cinema — melhor roteiro para Ramsay e melhor ator para Phoenix.

Entretanto, fica aqui um aviso, se você está esperando algo análogo a franquia Busca Implacável, você sairá terrivelmente decepcionado. Lynne Ramsay possui um estilo peculiar, no qual a ação e a violência, por mais explícitas que seja, causam um alvoroço internalizado. Em outras palavras, você não encontrará perseguições de carro ou parkour pelas ruas de Nova York, mas sim um mergulho na alma do personagem.

Lynne Ramsay propõem uma reflexão cadenciada sobre as repercussões da violência, e não apenas no ato em si

É fácil entender por que muito fazem a ponte entre Você Nunca Esteve Realmente Aqui e o clássico Taxi Driver - Motorista de Táxi (1976), mesmo que se enveredem por caminhos bem diferentes, ambos os filmes evocam a mesma voracidade, com personagens desajustados que buscam algum tipo de explicação para o mundo que os criou.

Fonte das imagens: Divulgação/Supo Mungam Films
Diretor: Lynne Ramsay
Duração: 85 min
Estreia: 9 / Ago / 2018