Mykelti Williamson - Café com Filme

Crítica do filme Um Limite Entre Nós | (Des)Construindo cercas simbólicas

Assim como muitos brasileiros crescem com o sonho de se tornarem jogadores de futebol, nos Estados Unidos o basebol é que é o alvo das noites acordadas de muitos e muitos meninos e homens. Troy Maxon (Denzel Washington) é um desses norte-americanos que, durante o início da vida adulta, carregava esse desejo, mas que acabou desviando do caminho.

"Um Limite Entre Nós" nos leva para um momento da vida Troy em que, casado há 18 anos com Rose (Viola Davis) e pai deCory (Jovan Adepo) e Lyons (Russel Hornsby), ele reflete sobre o que sua vida poderia ser se, ao invés de abraçar o certo em vez do duvidoso, ele tivesse seguido na carreira de atleta, e não na de lixeiro, como fez.

Com sua casinha conquistada a duras penas com a ajuda da pensão do irmão Gabe (Mykelti Williamson), que voltou da guerra incapacitado graças a um ferimento na cabeça, Troy e Rose lutam para manter a estabilidade capenga que conquistaram, ao mesmo tempo em que lidam com os conflitos diários da família e do emprego dele, com o difícil temperamento do chefe da família, e com o processo de construção da cerca em torno da casa.

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Ambientado em algum lugar dos anos 50, o longa-metragem é inspirado no livro "Fences" (Cercas), de August Wilson, que também fez o roteiro do filme, e dirigido pelo próprio Denzel Washington, em talvez seu melhor trabalho na cadeira de diretor até agora.

Retratos do cotidiano

Filmes que contam histórias de anônimos e pessoas comuns que não conquistaram grandes feitos – além do fato de se manterem vivos e sãos diante de conflitos complexos que marcam a vida de qualquer ser humano – estão em voga ultimamente (talvez desde sempre, né). E “Um Limite Entre Nós” chegou pra engrossar esse caldo.

O longa sofre do mesmo mal – se é que isso é um mal – de “Moonlight – Sob a Luz do Luar” e de “Manchester à Beira-Mar”, entre outros que estrearam nessa leva 2016/2017: são histórias belas e complexas, possíveis de análises longas e extensas e capazes de despertar nossos demônios interiores, mas a quem, enquanto produto cultural e de entretenimento, sobra tempo e falta clímax.

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Assim como esses outros dois filmes, “Um Limite Entre Nós” não é para qualquer público. São duas horas de bunda cravada na cadeira acompanhando uma película em que pouco ou nada de impactante acontece. A grandeza do filme reside nas nuances do roteiro, na performance dos atores, nos discretos enquadramentos de câmera, na delicadeza da trilha sonora. Mas não vá ao cinema (se ainda der tempo de ver nas telonas) esperando um filme de altos e baixos e de clímax intenso.

É um daqueles filmes em que você passa o tempo todo um pouco (muito) incomodado com algumas situações, esperando que algo seríssimo vá acontecer a qualquer momento, sem perceber que esse algo que você está esperando já vem acontecendo desde a primeira cena, devagarinho, sempre no mesmo ritmo.

O clímax não existe porque o filme inteiro é seu clímax. Esse desconforto está ali porque causar desconforto é justamente o objetivo da produção.

Por falar em desconforto, não existe outra palavra que descreva melhor a brilhante atuação de Denzel Washington. Troy é aquele personagem que se sustentaria mesmo que fosse interpretado por um ator mais ou menos. Mas, na mão do Denzel, parece que ele se encontrou. O ator te faz rir aqueles risinhos nervosos que somente as situações mais tragicamente constrangedoras conseguem arrancar. Uma das melhores performances do ator que lembro de ter visto.

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Nesse quesito, outro nome que se destaca é o de Mykelti Williamson, que é a verdadeira personificação do alívio cômico. Agradeçam ao Gabe, é graças a esse cara aqui que você não vai ter que procurar um psicólogo quando subirem os créditos.

E, já que estamos tratando de atuações, que tal falar de Viola Davis?

Um aparte sobre o Oscar

Um Limite Entre Nós” foi indicado em 2017 ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Ator principal, Melhor Roteiro Adaptado, e Melhor Atriz Coadjuvante, mas acabou levando pra casa apenas essa última estatueta, pela atuação de Viola Davis como Rose.

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Se foi de fato uma atuação digna de Oscar? É claro que foi. Algumas cenas justificam e muito essa premiação. Aquela que aparece em parte no trailer, da discussão da personagem de Viola com o marido representado por Denzel, é primorosa.

Uma parte dela está aqui, mas aviso desde já que ela contém spoilers comprometedores, portanto não digam que eu não avisei! De quebra você confere a Viola falando com o Jimmy Kimmel sobre como conseguiu manter o nariz escorrendo depois de 23 takes pra fazer essa cena.

Para além dessa cena, no entanto – e não me levem a mal, entendo demais a importância de uma atriz negra ganhar um Oscar e acho que, por todo o seu conjunto da obra Viola mais do que merece ter várias e várias estatuetas em casa – não acho que tenha sido o trabalho mais brilhante da Viola.

Não estou dizendo que não tenha sido uma atuação maravilhosa. Mas, como espectadora de "How to Get Away With Murder" e fã incondicional de "Histórias Cruzadas", não posso deixar de mencionar que não considero essa a obra prima dela como atriz. Já fomos presenteados com performances melhores dessa rainha absoluta, e dessa vez tínhamos outras candidatas que ficaram à altura ou talvez até apresentaram melhores trabalhos do que ela, apenas isso.

Do teatro para as telas

Como um trabalho que nasceu como peça de teatro e foi transplantado para as telas de cinema, “Um Limite Entre Nós” é uma excelente adaptação! Denzel Washington, que já havia conhecido a história como espectador em um teatro nos anos 80, abraçou o projeto, com a ajuda do olhar do próprio criador da história, conseguiu ajustar cada canto para que a linguagem fosse toda adaptada sem causar estranhismos ao público.

Para quem curte dramas, especialmente dramas históricos, e especialmente para a infinidade de pessoas que se identificam com os conflitos como os vividos por Troy, Rose e seus filhos, irmãos e amigos, “Um Limite Entre Nós” é um prato cheio. Uma obra que abre brechas para reflexões complexas sobre relacionamentos, machismo, preconceito racial, egoísmos, sobre perspectivas diferentes sobre a vida, e principalmente, sobre família.

Se você está disposto a refletir com um toque ardido de humor, se joga!

Crítica do filme 12 Horas para Sobreviver | Violência é uma escolha?

E se, de alguma forma, um país inteiro concordasse em não cometer crimes de qualquer ordem durante 364 dias do ano para, em uma única data, poderem extravasar todo o seu ódio e seus instintos violentos e realizar toda e qualquer atividade criminosa - inclusive assassinato - sem serem punidos.

Esse é o princípio básico da trilogia "Uma Noite de Crime", que se encerra neste ano com o lançamento de "12 Horas para Sobreviver - O Ano da Eleição". Décadas antes, os novos "founding fathers" dos Estados Unidos decidem que esta é a brilhante solução para a acabar com a criminalidade na grande nação norte-americana.

Na noite do expurgo, você pode eliminar toda e qualquer pessoa que encontre, invadir casas, destruir patrimônios públicos e privados, machucar, torturar, estuprar ou matar. Tudo é permitido.

Bem, esse tema é explorado nos dois primeiros temas da franquia.Em "Uma Noite de Crime", acompanhamos a noito do expurgo sob o ponto de vista de uma família que está em casa e se vê vulnerável. Em "Uma Noite de Crime: Anarquia", os protagonistas ficam presos para fora de casa, na rua, e precisam se proteger dos malucos que saem às ruas para realizarem seu papel social de assassinos - inclusive o sargento Barnes (Frank Grillo), que sai para expurgar e acaba quase expurgado.

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Era óbvio que toda essa liberação ia dar merda. Uma verdadeira indústria do crime e novas formas de exploração começam a surgir. Empresas de segurança passam a enriquecer e a explorar seus clientes na noite do crime, seguradoras aumentam os preços na noite do expurgo, turistas de todos os lugares do mundo visitam os States somente para expurgar, num verdadeiro mercado turismo de assassinato (se no Brasil a gente tem até mesmo turismo de favela, por que nos surpreeder com isso?).

Nem todo mundo está contente com esse cenário e algumas almas com um pouco de  noção começam atividades ilegais para ajudar pessoas que são as mais atingidas pelo expurgo: pessoas pobres, que não têm como se proteger, grupos minoritários e vítimas de crimes de ódio que são as mais visadas como alvo.

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É nesse  contexto que a candidata à presidência Charlie Roan (Elizabeth Mitchell) começa a ganhar espaço, justamente tendo como grande proposta a eliminação completa da noite do expurgo.

O problema é que isso ameaça muita gente, e a senadora e candidata logicamente se torna um alvo disputado para a noite do expurgo. Quem vai protegê-la? O nosso querido sargento Barnes, que é convenientemente seu chefe da segurança.

Isso não é um treinamento

Conveniência é inclusive a palavra de ordem no filme, que decepcionantemente encontra saídas um tanto previsíveis e foge um pouco da linha dos anteriores. Quando uma falha no plano de segurança da senadora para a noite de crime coloca Barnes e Roan na rua em pleno expurgo, ambos acabam se encontrando repetidamente em situações sem saída.

E aí são salvos ou resgatados de formas tão improváveis que você até fica esperando o Liam Neeson dar as caras. É assim que entram também em cena os outros personagens importantes do filme, o comerciante Joe (Mykelti Williamson), seu funcionário imigrante mexicano Marcos (Joseph Julian Soria) e a black mamba ex-deliquente e atual ativista antiexpurgo Laney Rucker (Betty Gabriel).

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Assim como nos dois primeiros filmes, o grande ponto do roteiro é levar os protagonistas com vida até a manhã seguinte. Nesse caminho, "12 Horas para Sobreviver" explora o terror de uma vítima das noites de expurgo e o lado mais doentio e assustador da humanidade. Dessa vez, no entanto, com uma pegada um tanto "Sucker Punch" e mais teatral, mostrando lados mais ritualísticos dados à noite.

Terror constante

Na maior parte do tempo, o longa-metragem mantém um rítmo acelerado de fuga e perseguição e gente doida matando muito, embora eu tenha achado essa parte dos fatores inesperados mais forte nos filmes anteriores.

Dessa vez, os inimigos na maior parte são bem conhecidos e não meros estranhos, e as motivações são majoritariamente políticas (vou voltar a esse ponto em breve).

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Assim para manter um ritmo intenso e para criar uma atmosfera de medo e tensão, o principal fator usado pelo diretor é a trilha sonora, já que o roteiro acaba levando para momentos um pouco mais reflexivos e menos momentos na loucuragem.

O uso da teatralidade que comentei ali atrás também ajuda muito, assim como os movimentos de câmera, a câmera lenta e ouso de alguns excessos também são essenciais nesse sentido.

Elenco Lado B

"12 Horas para Sobreviver" não traz no elenco grandes estrelas de cinema nem nomes muito conhecidos. A maior parte é composta por artistas desconhecidos ou vistos brevemente em algumas produções hollywoodianas.

Sem dúvida, os destaques vão para os protagonistas Elizabeth Mitchell, conhecida pelas séries Lost e Revolution, e Frank Grillo, de "A Hora Mais Escura", que também fez ponta nos filmes da saga Capitão América.

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Não são atuaçoes fenomenais - eu particularmente acho que a Elizabeth Mitchell tem a mesma expressão em todos os papéis -, mas também ninguém deixa muito a desejar. São as essências dos personagens que não ajudam muito, já que todos são bastante clichês.

De maneira geral, não apenas as atitudes e o destino de cada um dos personagens, mas o filme todo é super previsível. Durante uma cena, você imagina "agora isso é que vai acontecer" e de fato ela acontece, porque o roteiro não sai daquela linha arroz-com-feijão de filmes que trazem essa mesma pegada.

Muito potencial, pouco esforço

Particularmente, gosto muito da franquia "Uma Noite de Crime" e enxergo um super potencial no plot desta sequência. Há uma infinidade de coisas que se pode explorar dentro desse universo e acho ótima a evolução da história escolhida pela produção: partindo de uma situação caseira, expandindo para as ruas e depois chegando a uma esfera política e global.

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Especialmente porque isso conduz o espectador a refletir um pouco sobre a própria natureza do ser humano e sobre nossas estruturas sociais de combate ao crime. Permitir a violência, ainda que por apenas uma noite, não seria uma forma de reduzir a criminalidade, mas sim de, de certa forma, "autorizar" a eliminação de populações que não teriam como se defender.

Será que ter uma noite em que tudo é liberado não incentivaria ainda mais a violência?

Será que existe, de fato, alguma forma de eliminar ou reduzir o comportamento violento entre os homens? A trilogia "Uma Noite de Crime" tem os recursos para despertar esse tipo de reflexão, mas infelizmente se concentra mais no andamento das cenas de ação do que nessa parte.

E último filme especialmente fica muito superficial, com o uso de tantos clichês, cenas convenientes e desdobramentos previsíveis. Ainda assim, vale a visita ao cinema, e especialmente o final do filme nos coloca em uma posiçaõ de reflexão que merece a atenção.

12 Horas Para Sobreviver - O Ano da Eleição | Trailer legendado e sinopse

Após a conclusão de Uma Noite de Crime 2, o sargento Barnes (Frank Grillo) se tornou o principal responsável pela segurança da senadora Charlene Roan (Elizabeth Mitchell). Em plena época de eleições, ela é uma das melhores posicionadas nas pesquisas, porque deseja eliminar de uma vez por todas a noite de crime. Mas seus planos não saem como esperado.