Crítica do filme Lugares Escuros

Mais uma ótima história de Gillian Flynn

por
André Luiz Cavanha

25 de Junho de 2015
Fonte da imagem: Divulgação/
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 5 min

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Em tempos de humanidade desumanizada e com a naturalização do que há de mais cruel na cultura ocidental, Lugares Escuros estreia como mais uma admirável produção em que são expostas as contradições daquilo que se entende por justiça. Embora escrita em linguagem acessível, a complexidade do enredo criado pela escritora Gillian Flynn é novamente a matéria-prima para reprodução cinematográfica de uma história cheia de reviravoltas.

Talvez não tenhamos aqui o mesmo impacto e audiência de Garota Exemplar, que também traz questões perturbadoras relacionadas aos debates mais comuns da atualidade. Entretanto, é possível imaginar que novamente os espectadores se sensibilizem e discutam mais sobre a cultura punitivista e a quantidade de falhas que ocorrem nas investigações policiais.

Libby Day é a protagonista interpretada maravilhosamente pela atriz Charlize Theron, que tem sua estrela brilhando intensamente no ano de 2015 por meio de outro protagonismo: o da luta das mulheres em Mad Max: Estrada da Fúria. Elogio seu papel em Lugares Escuros, pois agora representa uma personagem extremamente amarga e silenciosa, com seu olhar  que desvia o encontro com outros olhares: desesperançoso e cabisbaixo, resultado da intensa exploração da tragédia que lhe ocorreu durante a infância.

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Na memória e nos seus sonhos a última declaração de amor de sua mãe, a doce e dedicada Patty Day (Christina Hendricks) que enfrenta a crise financeira e os maus-tratos do ex-marido alcoólatra e sempre ausente na criação dos filhos. Libby, quando criança, testemunha o assassinato da mãe e duas irmãs, de modo que perante a justiça ela responsabiliza o irmão mais velho em fase adolescente. 

Culpado essencialmente por sua caracterização típica das tribos urbanas oitentistas com tendências satânicas, Ben (Corey Stoll no presente e Tye Sheridan no passado) é seu irmão mais velho que passa quase trinta anos pagando por um crime sobre o qual não há certeza de que ele é o verdadeiro culpado. Nesse rapaz encontramos o perfil que foi considerado por anos uma ameaça à moral e bons costumes nos EUA: adolescente, em contato com suas primeiras experiências sexuais, fã de bandas de rock ou heavy metal, preferência por roupas pretas e oposição ao conservadorismo religioso de fanáticos religiosos.

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É de se salientar que o fato do garoto gostar tanto de bandas como Twisted Sister demonstra a referência direta que o filme faz à ridícula polêmica promovida por conservadores na década de 80. Naquele tempo, Dee Snider (vocalista) teve que prestar esclarecimentos sobre o significado das letras e defender a liberdade de expressão perante patéticos grupos organizados por esposas de políticos republicanos e democratas.

Mas voltando à história do filme: após anos sendo sustentada pelo dinheiro ganho com as vendas de livros que descrevem a vida de uma garota que testemunhou um sangrento episódio, Libby conhece um bizarro grupo de investigadores amadores chamado “The Kill Club”. É a partir desse momento que a história começa a mudar e o verdadeiro culpado pelo massacre pode não ser seu irmão.

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Do início ao fim a trama se desenvolve com cenas intercaladas, envolvendo o momento presente e as nostálgicas lembranças de uma vida na fazenda. Essa variação é bem conduzida, de modo que o desfecho se resolve perfeitamente sem deixar qualquer ponto sem nó – uma especialidade da escritora e que acaba sendo bem executada pelo diretor Gilles Paquet-Brenner, mesmo passando por um processo de grande adaptação para as telonas.

O produto final é de alta qualidade e problematiza a exploração sensacionalista das tragédias, assim como o julgamento precipitado e os vereditos equivocados que se intensificam pela pressão dos valores sociais. Embora não tenha vocação para tanto sucesso nas bilheterias ou nos comentários da crítica especializada, Lugares Escuros é garantia de uma história bem contada e o único ponto negativo talvez seja esse título que estabelece pouca relação com o tema central.

Fonte das imagens: Divulgação/

Lugares Escuros

30 anos depois, a verdade aparecerá

Diretor: Gilles Paquet-Brenner
Duração: 113 min
Estreia: 18 / Jun / 2015
André Luiz Cavanha

Todo coração é uma célula revolucionária.