Crítica do filme Ted Bundy | Não é só mais um rostinho bonito

Quando alguém diz as palavras “serial killer”, que imagem vêm à sua mente? É provável que o rosto simpático do ator Zac Efron não seja exatamente a primeira opção, embora seja senso comum que os sociopatas que chegam a se tornar assassinos em série têm, entre suas características, o carisma. Pensando dessa forma, a escolha dele para dar vida a um dos mais emblemáticos criminosos norte-americanos talvez seja certeira.

Em “Ted Bundy - A Irresistível Face do Mal”, Efron é um charmoso estudante de direito que namora a mãe solteira Elizabeth Kendall (Lily Collins) e que, nas horas vagas, cruza fronteiras estaduais sequestrando, violentando e assassinando violentamente jovens mulheres.

Dirigido por Joe Berlinger, que também assina a série documental "Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy", da Netflix, a película tem roteiro adaptado por Michael Werwie a partir do livro da própria Elizabeth Kendall sobre sua história com Bundy nos anos 70.

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Talvez por isso, diferente do documentário e da maioria dos filmes que retratam as atividades de criminosos seriais, “Ted Bundy - A Irresistível Face do Mal” não pesa a mão nas cenas aterrorizadoras dos crimes acontecendo em si. Ao invés disso, o longa-metragem coloca o espectador na mesma posição que a própria Liz, que enxerga o homem que ama através da lente da vulnerabilidade e pelo desejo de que ele seja inocente.

Se você espera assistir ao título para ver cenas de perseguição, sequestros e muita matança, portanto, esteja ciente que este não é o tipo de filme que temos aqui. 

Graças a essa perspectiva da ex-mulher – e talvez para retratar o quão inconcebível era, para ela, acreditar que o homem que era tão amável e atencioso com ela e com a filha pudesse ser capaz de cometer crimes tão violentos como outras jovens mulheres – o filme utiliza como recorte o período entre o dia em que Liz e Bundy se conhecem e a execução dele em 1989.

O circo midiático construído em torno do caso, com o seu julgamento, em 1979, sendo um dos primeiros a serem transmitidos ao vivo pela televisão no país, também é um dos aspectos abordados pelo filme, já que foi um dos aspectos que contribuiu para que o caso ganhasse tanta projeção nacionalmente.

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É justamente na ansiedade criada pelas câmeras e na tensão com o andamento do julgamento que o filme ganha seu ritmo, que não é exatamente muito acelerado. Pendendo mais para o drama do que para o lado da ação, a película demora um pouco para ganhar velocidade, o que cansar o espectador que aprecia filmes mais dinâmicos e movimentados.

Para compensar o ritmo, o filme confia no talento dos atores. Lilly Collins abraça com força a tristeza no semblante para interpretar Liz, fazendo um belíssimo trabalho ao mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que passa pelo que ela passou.

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O próprio Efron está muito bem caracterizado, mas seu desempenho, apesar do rostinho bonito, não chega a ser genial. O ator leva o público a duvidar da culpa de Bundy, algo que o próprio serial killer fez com a opinião pública na época, mas não consegue entrar tanto na mente do criminoso - não deve, afinal, ser um lugar muito agradável para se estar, afinal.

A trilha sonora também não é algo que se destaca. Embora seja agradável e contribua com o andamento do filme, ela não chega a ser marcante dentro da película. Já a caracterização dos personagens e o figurino ganham pontos com o público, com uma bela adaptação ao período histórico em que a trama se passa, no final da década de70.

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Outro aspecto importante é a fidelidade com a história, já que há um grande cuidado com a acurácia com relação às datas e à cronologia dos fatos que marcaram o processo contra ele - fruto, também do fato de o diretor também já ter feito toda uma série documental sobre Ted Bundy.

Crítica do filme Jornada da Vida | Uma aventura ao passado

Até onde você iria pelo seu ídolo? Yao, um garoto de 13 anos, fugiria de casa e percorria mais de 380 quilômetros sozinho para conhecer pessoalmente o seu herói, Saydou Tell, um famoso ator francês. Com direção de Philippe Godeau e atuação de Omar Sy, conhecido pelo seu papel em “Intocáveis”, o filme de produção senegalense e francesa é uma obra belíssima sobre o sentimento de pertencimento e autodescoberta.

Nesta aventura em busca da assinatura do ícone de Sanegal, uma nova jornada de descobertas e reencontros surge na vida de Yao (Lionel Louis Basse) e Saydou Tell (Omar Sy), que retorna ao seu país natal pela primeira vez. O que era para ser uma viagem de volta para casa, torna-se uma longa caminhada pelas raízes de sua ancestralidade.

Assim como “Djón, África” de João Miller Guerra e Filipa Reis conta a história de Miguel Tibars em busca de conhecer a sua história e o país que originou, “Jornada da Vida” não é muito diferente. O jovem francês de descendência senegalesa, Saydou pouco sabe sobre o país do seu avô e de seus pais, um sentimento que somente aflorou ao conhecer Yao, que mora em um pequeno vilarejo no interior cheio de costumes tradicionais.

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Com tom crítico às consequências do colonialismo e o imperialismo no continente africano, o longa, sem apelar para clichês, ressalta a luta da cultura africana em estar viva e presente na vida de seus descendentes. 

Uma viagem linda na tela que deixa a desejar no papel

Apesar de o filme "Jornada da Vida" explorar toda a beleza exótica e singular que existe no Senegal, o longa peca no roteiro e na construção dos personagens, que raramente são explorados a fundo.

A preocupação em mostrar diferentes cenários e de criar pontos de ligação entre o protagonista e os lugares que visita não permite que o espectador os conheça por completo. Essa superficialidade é vista, especialmente, na relação fria e vazia de Saydou com o seu filho, que está na França, como também em toda a sua ambição e vida profissinal.

Entratanto, o filme é uma obra sensível que não tem medo de expõr um dos problemas mais íntimos que os países coloniais vivem: o sentimento de voltar para o lar. A sensação de pertercer em algum lugar e de se identificar com a sua cultura de origem. Com um tom cômico e levemente ácido, Godeau não deixa de expressar a sua opinão em "Jornada da Vida" e ressaltar a conexão entre família, costumes e lar. 

Crítica do filme Boas Intenções | Entre a ficção e a realidade

Não é preciso ser um gênio para perceber que o mundo está carente de boas pessoas — ainda que tal constatação possa ser decorrente de algo inerente à nossa vontade. Basta abrir um site de notícias, dar um passeio ou ouvir relatos para perceber como perdemos a compaixão em meio ao tumulto do dia a dia.

Seja para quem se deixa levar pelo cotidiano ou para quem precisa repensar suas atitudes, a ficção é sempre um meio para autores que querem mostrar esse ponto que visa aflorar nosso lado mais humano. Assim, vez ou outra, temos títulos como “Boas Intenções” para nos dar um puxão de orelha, sem deixar o bom humor de lado.

Nesta produção francesa, acompanhamos um recorte da vida de Isabelle (Agnès Jaoui), uma pessoa muito envolvida com trabalhos humanitários e causas sociais. Ela ajuda os imigrantes que chegaram à França e não têm meios para ter um mínimo de dignidade em suas vidas, sendo que suas ações incluem o trabalho nas ruas e também suas aulas de francês.

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Todavia, ao descobrir que seus alunos, na realidade, precisam de uma licença de habilitação para conseguir empregos, ela decide ajudá-los a ingressar em uma escola de motoristas, bem como nos estudos. Paralelamente, sua vida vira um caos ao ter que lidar com a própria família que reivindica mais atenção.

Bem-intencionado, mas não tão bem-sucedido

Falando primeiro sobre o roteiro, é bom constatar que “Boas Intenções” sofre de um alvoroço complexo em seu desenvolvimento, o que pode causar cansaço ao espectador. Por ter uma personagem engajada, esvoaçada e decidida em suas convicções, sendo ela também o fio-condutor da trama, a história aqui acaba tendo variações de ritmo e humor constantes.

Não é preciso mais do que alguns minutos para perceber que o filme tenta pegar forte nessa questão da disparidade social e da falta de empatia de algumas pessoas, o que é ótimo, sem sombra de dúvidas. Contudo, o exagero na protagonista pode deixar o público um bocado pasmo (pela raridade da situação) e um tanto ansioso para ver onde essa história vai chegar.

E, para falar a verdade, é difícil avaliar filmes que tratam de temáticas sociais e familiares sem dissociar a mensagem de nossas perspectivas. Assim, é inevitável que o roteiro de “Boas Intenções” seja alvo de considerações partindo do ponto de vista de cada espectador. Eu entendo a ideia do exagero proposto, mas uma dosagem no script não cairia mal.

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Tirando essa bagunça de ideias e o drama um pouco raso, já que não parece ser um grande dilema para a protagonista, o roteiro leva sua mensagem e eu acho que isso é o que vale no fim das contas — afinal, se você não pode ganhar pela lógica, vença pelo cansaço. A produção é boa, com uma direção funcional e umas cenas bem executadas que rendem gostosas risadas.

“Boas Intenções” não é um filme que tem apenas boas intenções, mas que tem ótimas motivações

Muitos atores são desconhecidos e até um tanto inexperientes, mas eu acho que é justamente essa disparidade que ajuda na construção dos personagens de diferentes nacionalidades. Todavia, é claro que o destaque é da protagonista, que praticamente segura o filme sozinha. Não se trata de uma interpretação totalmente dramática ou cômica, mas ela faz o necessário diante da personagem complexa.

No fim do dia, “Boas Intenções” é um filme que podia rumar de forma diferente, inclusive ao não apelar para clichês quanto aos imigrantes, mas ao menos a mensagem foi entregue e de forma bem humorada, ainda que desleixada em algumas partes (mostrando também esse lado falho de quem é envolvido nas causas sociais). Enfim, pode não ser a comédia que queremos, mas é aquela que precisamos para dar uma sacodida!

Crítica do filme Homem-Aranha: Longe de Casa | Curtindo férias frustradas

"Homem-Aranha: Longe de Casa" é a conclusão da Saga Infinita e o que começou com o primeiro "Homem de Ferro", finalmente, se encerra. Pelo menos até a próxima fase, que promete ser ainda mais grandiosa que a anterior. Peter Parker (Tom Holland) e seus amigos estão em férias pela Europa, mas eles não vão conseguir descansar.

Peter terá que desvendar o mistério de criaturas que causam desastres naturais e destruições pelo continente, enquanto lida com a perda de seu grande mentor Tony Stark (Robert Downey Jr.). Ele contará com a ajuda de uma nova figura heróica apelidada pelos jornais de “Mysterio”, também conhecido como Quentin Beck (Jake Gyllenhaal).

Apresentando-se como um misterioso guerreiro de uma dimensão paralela muito parecida com a “nossa”, responsável por batalhar contra os Elementais, um grupo de monstros horríveis baseados nos quatro elementos. Beck conta que seu mundo foi dizimado por essas criaturas, mas foi capaz de escapar até outra dimensão a tempo de prevenir a catástrofe novamente. Vale mencionar que Jake Gyllenhaal eleva um personagem que usa um aquário na cabeça a um novo patamar, incrivelmente carismático e divertido com todas as suas particularidades.

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Nick Fury (Samuel L. Jackson) acredita na história do misterioso e simpático herói e resolve ajudar, visto que a Terra pode estar em grande perigo e tentar prevenir o fim do mundo faz parte do seu dia a dia. Para tal empreitada, ele convoca nosso garoto aracnídeo, que prefere passear com seus amigos na Europa do que salvar o mundo. Mas a SHIELD tem métodos bem eficazes de persuasão e Peter acaba aceitando a missão, indignado por nenhum outro Vingador estar disponível.

Seu amigo da vizinhança

Aliás, tudo isso se passa após os eventos de “Vingadores: Ultimato”. Ou seja, metade da população foi apagada e restaurada cinco anos depois, evento carinhosamente chamado de “Blip”, então universos paralelos parecem plausíveis após essa loucura toda. A primeira cena já vai cativar seu coração, servindo como homenagem para aqueles que já se foram e dando o tom humorístico esperado para um filme do Homem Aranha. As consequências do “Blip” são explicadas logo de cara, de forma descontraída mas sem parecerem bobas.

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Quando “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” foi lançado, comentou-se bastante sobre como o filme não era tão influenciado por outros filmes do gênero "heróis", mas principalmente de longas no estilo do diretor John Hughes, como “Clube dos Cinco” e “Curtindo a Vida Adoidado”. Distanciando-se das versões anteriores (principalmente a de Andrew Garfield), Peter era apenas um garoto tentando conciliar uma vida normal, indo para escola, morando com sua Tia May (Marisa Tomei) e talvez salvando a vizinhança com seus poderes de Aranha. Provavelmente a maior qualidade do diretor Jon Watts ainda seja seu trabalho com o elenco jovem e com o clima despojado de uma comédia adolescente.

Agora, depois de ir para o espaço, entrar para os Vingadores, enfrentar vilões com poderes imensos, sem contar os cinco anos que se passaram, é difícil voltar a uma vida pé no chão sem se preocupar com as futuras ameaças, principalmente sendo praticamente forçado a se tornar “o novo Homem de Ferro”.

Spiderman, Spiderman, does whatever a spider can

Eu tive que pensar durante um tempo e apesar de ter gostado MUITO do filme, alguns pontos me pareceram bem fracos ou forçados demais. Em “De Volta ao Lar” a direção de Jon Watts não parecia muito confiante nas cenas de ação, apesar de todo o excelente trabalho de Tom Holland, mas em “Longe de Casa” tudo parece mais ambicioso e bem encaixado, exceto se comparado ao “Aranhaverso”, uma comparação quase inevitável, apesar das mídias distintas. Apesar disso os efeitos visuais estão excelentes, e as cenas de ação evoluíram muito.

O que me incomodou realmente foram algumas soluções do roteiro propostas por Chris McKenna e Erik Sommers. Algumas são convenientes demais para serem críveis, mesmo se considerarmos o universo fantástico em que o longa se insere. Sem dar spoilers fica difícil explanar, mas um exemplo é após uma batalha especialmente difícil, Beck e Parker vão até um bar para beber.

Eles simplesmente tiram a máscara e conversam sobre “assuntos heróicos”, enquanto as pessoas ao seu redor não prestam a menor atenção a eles. O desenvolvimento da cena pode justificar a situação, mas é apenas uma das situações de que tudo é conveniente demais, assim como a utilização da tecnologia em momentos cruciais da trama.

Nos dias de hoje, as pessoas acreditam em qualquer coisa

Peter só quer curtir suas férias na Europa com seu amigo Ned (Jacob Batalon) e planeja se declarar para MJ (Zendaya), mas as circunstâncias forçam ele a ser muito mais Homem Aranha do que Peter Parker. Estando em um estado de negação e luto, ele torna-se suscetível a qualquer um que queira se aproveitar dessa vulnerabilidade emocional, um dos pontos chaves da trama. Enfim, prepare-se para grandes surpresas e desconfie de tudo.

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“Longe de Casa” é um filme sobre legados e o peso de nossas ações. Apesar de apresentar uma história mais contida e pessoal, a sensação de que o longa serve como mais uma peça no enorme quebra-cabeça do Universo Marvel é inevitável. Não que isso seja algo ruim, já que ainda podemos ver Peter Parker em uma excursão escolar pela Europa junto com seus amigos, se apaixonando, talvez indo para a faculdade?

Porém, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, e depois de ver as duas cenas pós-créditos o futuro é tão incerto que independente do rumo da próxima fase Marvel, estaremos lá. Você vai acreditar em tudo o que eu disse ou vai conferir com os próprios olhos?

Crítica do filme Annabelle 3: De Volta Para Casa | Bem-vindo ao Túnel do Terror

Parece que foi ontem que vimos “A Freira” nos cinemas, mas já faz quase um ano que tivemos essa ingrata surpresa no universo de “Invocação do Mal” — e isso sem contar “A Maldição da Chorona”, que decepcionou de forma brutal neste ano. Felizmente, para os fãs da saga, e infelizmente, para os acompanhantes que odeiam esses filmes demoníacos, a Warner Bros. traz agora mais um capítulo da franquia para os cinemas brasileiros.

O terceiro capítulo do spin-off “Annabelle” vem para dar mais substância à boneca satânica e também a este universo de terror como um todo. Todavia, até o momento, os idealizadores das filmes — principalmente o Mago do terror, James Wan — não têm feito questão de ligar as pontas entre as obras, algo que parece ser uma tática para garantir que as pessoas vejam os títulos de forma independente.

O fio condutor da saga é o casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), que, para quem não sabe, são investigadores paranormais (ou demonologistas) do mundo real. Esse pingo de veracidade é talvez o principal chamariz da franquia, sendo algo que deve deixar a galera mais curiosa para ver “Annabelle 3: De Volta Para Casa”, que tem potencial para explorar novas maldições.

A gente já sabia que os protagonistas da série haviam trancado Annabelle na sala de artefatos para evitar mais danos. O filme recapitula tal informação (e traz novidades) já nos primeiros minutos, mas logo a história vai por um caminho bem distinto. O enredo gira em torno da filha dos Warren, Judy (Mckenna Grace), que tem seu aniversário amaldiçoada quando a boneca é liberta, o que desperta outros espíritos aprisionados na sala.

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Com uma pegada mais teen e até pitadas de comédia, o filme arrisca pisar em novos solos. A ideia é sustentada principalmente pelas protagonistas joviais, que incluem tanto a pequena Judy, de apenas 10 anos, quanto suas babás, Mary Ellen (Madison Iseman) e Daniela (Katie Sarife). Já adianto que, apesar de não ser o mais assustador da série, o novo filme da Annabelle ficou deveras convincente e deve ser uma ótima pedida para os fãs do terror em geral.

Boneca com crise de identidade

A história de “Annabelle 3: De Volta Para Casa” tem um desenvolvimento mais raso, principalmente por não ir além do cenário já conhecido da Casa dos Warren, mas também por apostar em personagens que, além de não serem cativantes, tentam dar um tom cômico para uma série que deveria ser puro terror. Existe certa relevância nessa aposta, contudo o público cativo da saga pode estranhar — e com razão.

Além dessa mudança de tom, o filme também peca por não ter um foco. Em partes, é compreensível a tática de Gary Dauberman e James Wan para expandir o universo para as próximas etapas, mas isso deixa esse episódio mais superficial do que os anteriores. É uma artimanha que deixa o filme menos assustador? Não, porém um roteiro com mais substância tem o poder de fazer a história fluir melhor, uma vez que aqui temos um rodeio em poucos fatos.

Para não ser injusto, é válido ressaltar que a simplicidade do enredo vem a calhar para o desenvolvimento do ambiente e para matar a curiosidade da galera que queria conhecer as maldições na salinha secreta dos Warren. É uma representação real? Oras, assim como a própria Annabelle tem sua versão para o cinema, você pode ter certeza que várias relíquias do filme são enfeitadas para a telona.

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De qualquer forma, mesmo com um bocado de invenção, não dá para negar que os gênios por trás da história de “Annabelle 3: De Volta Para Casa” souberam explorar bem esses tantos objetos amaldiçoados. Por conta dessa abordagem, você deve estar ciente de dois aspectos: este não é um filme exclusivo da boneca, o que desvia um pouco do foco, mas ele é um filme que consegue surpreender de várias formas, então acaba sendo inovador.

Então, apesar dessa crise de identidade e certa enrolação no enredo, o filme ganha a gente pelos tantos personagens que aparecem na telona. Se a própria Annabelle não dá medo mais em algumas pessoas, é possível que os demais personagens desse “Túnel do Terror” possam surpreender de alguma forma. Também é importante ressaltar que tal passo era necessário para permitir a expansão do universo de sustos da Warner, então ponto pra produção!

Terror nos mínimos detalhes

Bom, tirando essa questão do enredo embananado, o novo capítulo de Annabelle se destaca em dois aspectos: atuações muito boas e um capricho incrível na produção. Sobre o elenco, é importante frisar que as atrizes que tomam as rédeas do script não devem ser culpadas pela história rasa, uma vez que elas desempenham seus papéis de forma surpreendente.

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Já é comum na franquia a presença de mulheres em papéis principais, mas tal escolha faz ainda mais sentido nesse título, principalmente por dar vez para uma personagem (a filha dos Warren), que pode dar sequência à série num futuro próximo. As jovens Madison Iseman e Katie Sarife cumprem bem seus papéis, mas eu acho que é Mckenna Grace que se destaca ao encarar o terror ainda mais de perto.

Todavia, mesmo com boas atrizes, as personagens superficiais não convencem. Assim, os fãs da série devem pirar muito mais ao rever o casal Warren no começo do filme. Por serem a alma deste universo, eles deixam a gente cheios de esperança (até por serem atores ainda mais experientes), mas é claro que não faria sentido manter eles como protagonistas numa história de apresentação das relíquias.

Os aspectos que mais impressionam em “Annabelle 3: De Volta Para Casa” são o visual e o tratamento sonoro. Primeiro, temos uma composição de cenas impecável, algo já perceptível na sequência na névoa. Depois, todo o ambiente assustador da casa mostra o esmero do time, que precisou trabalhar nos detalhes para manter o medo escondido no escuro, algo possível graças à precisão na parte da iluminação.

Merece destaque também os efeitos visuais e a maquiagem, algo fundamental para evitar que criaturas demoníacas pareçam pessoas pintadas para cosplay (deslizes que podem estragar um filme). Felizmente, a ação precisa nos efeitos visuais para criar tais  seres — que se deslocam nas sombras, interferem nos eletrônicos e tomam formas inimagináveis — foi muito bem-sucedida!

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Ainda que não sejam conjuntas na produção, imagem e som são casados na exibição, ainda mais num filme de terror, que depende quase que exclusivamente disso para manter o clima de tensão ou para surpreender. Novamente, a equipe da Atomic Monster se mostra ímpar, ao trabalhar nas faixas de áudio para manter o público sempre alerta. E, uma ótima coisa, é que o filme não abusa dos jump scares.

Enfim, uma história mais envolvente poderia deixar o enredo mais crível, mas a produção consegue convencer pelo visual e deve dar espaço para o futuro da franquia. Como fã deste universo, eu acho que “Annabelle 3” não é o mais assustador da série (nem mesmo dentro dos spin-off), mas ele tem seus méritos e deve sim ser uma ótima pedida pra galera que adora filmes de susto.

Crítica do filme Beatriz | A fantasia da submissão

Do livro para a vida real, o romance brasileiro e português “Beatriz” de Alberto Graça ultrapassa as fronteiras da ficção e embarca em uma aventura dramática pela sedução e as fragilidades do amor. Com um ritmo confuso e atuações intensas, o diretor provoca o espectador ao levantar o questionamento: o que você faria por amor?

Para a protagonista Beatriz (Marjorie Estiano), musa inspiradora do escritor e seu atual namorado Marcelo (Sérgio Guizé), ela chegaria à beira de um abismo emocional e ficcional para viver a sua história de amor. 

Após receber a visita de Luis Ibarra (Xavier Estévez), renomado editor de livros, Marcelo começa a desenvolver o seus segundo romance inspirado em seu namoro. Instigada pela história, Beatriz divide a sua vida de advogada com a personagem literária criada por seu namorado. Nesta duplicidade, a protagonista começa a vivenciar os mais diferentes desejos carnais e comprometedores.

Porém, à medida que Beatriz busca alimentar a criatividade de seu namorado a relação entre os dois são colocados a prova e tornado-se cada vez mais perigosa e abusiva.

Entre paixão e dor

Em busca de trazer uma linguagem poética ao longa, o diretor Alberto Graça (O Dia da Caça) conta a história de Beatriz em duas perspectiva diferentes: a visão da própria protagonista e a visão de Marcelo, que é representada de forma teatral no filme. Nessa mistura de linguagens, Graça trabalha os principais elementos que vivem em torno da temática da paixão e sofrimento: possessão, ciúmes, sedução e desejos. 

O uso de poemas escritos em diferentes momentos, a inserção de cenas teatrais e discursos vívidos faz com que o filme transite do drama para suspense psicológico. Com um roteiro belíssimo sobre as fragilidades que existem em torno do ato de amar, Graça invoca uma reflexão sobre relacionamentos e o que podemos fazer para manter ele vivo. 

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Contudo, a preocupação por mostrar a submissão feminina reforça a ideia de fantasia sexual e apaga a principal tese em volta do romance: a masculinidade tóxica presente na relação de Beatriz e Marcelo. Além de que para ambientar a vida dupla de Beatriz, o longa se perde na subjetividade e torna confusa a construção narrativa, o que dificulta na fundamentação das ações que ocorrem com a protagonista, que sempre está no papel de docilidade. 

Um filme que questiona a moralidade dos relacionamentos e coloca em cheque o que definimos e realizamos pela paixão. Com um roteiro elegante, mas sem querer pautar assuntos relevantes, o espectador é levado ao abismo que existe entre a paixão e a dor.