Crítica Conselhos de um Serial Killer Aposentado | A terapia mais perigosa de Nova York
Um escritor em crise criativa faz amizade com um serial killer aposentado, que vira terapeuta conjugal e consultor para um novo livro. Mas a esposa começa a desconfiar que pode ser um alvo. Essa pequena descrição é a sinopse oficial de Conselhos de um Serial Killer Aposentado, longa-metragem que promete ser “uma comédia ácida e irreverente”. Ao menos, é assim que o filme se vende.
Encabeçando o projeto está Tolga Karaçelik, diretor turco que provavelmente você nunca ouviu falar, mas que vem se destacando — tanto que agora realiza um projeto com atores americanos ambientado em Nova York. Aqui, ele propõe uma comédia sombria que brinca com temas como casamento, bloqueio criativo e homicídio — não necessariamente nessa ordem — embalada por uma energia caoticamente nova-iorquina que parece saída de um pesadelo de Woody Allen com tarja preta.
Parece uma grande doideira? Pois é mesmo! Logo de cara, fica o aviso: este não é um filme para todos. É uma comédia tão fora do eixo que às vezes parece sabotar a própria estrutura. Karaçelik mistura sátira conjugal, humor ácido, crise existencial e até meditação sobre o ato de escrever — tudo de uma vez. O resultado é tão curioso quanto desigual. Alguns temas ficam pendurados no ar, mas talvez essa indecisão seja justamente o ponto: a bagunça faz parte da graça.
Conselhos de um Serial Killer Aposentado vale a pena?
Uma comédia sombria, caótica e talvez um tanto absurda, Conselhos de um Serial Killer Aposentado transforma crise criativa e colapso conjugal em sátira ácida sobre amor, ego e insanidade — um filme estranho e imperfeito, mas, de certa forma, um pouco divertido.
Entre o caos e a catarse
O humor aqui nasce do desconforto. Karaçelik não quer que ríamos com os personagens, mas deles. E, em muitos momentos, é impossível não reconhecer um pedaço de humanidade nesse trio disfuncional — especialmente quando o amor e o homicídio parecem parte da mesma rotina doméstica. A graça está justamente em sua total falta de noção situacional. É um filme que parece sempre à beira do colapso narrativo e, por algum milagre cômico, nunca desaba. Karaçelik faz da confusão uma ferramenta estética: tudo é exagerado, fora de lugar e deliciosamente absurdo.
Há um prazer quase sádico em ver o roteirista brincar com a metáfora central — casamento e assassinato como experiências igualmente intensas e potencialmente letais. O filme entende que a convivência é um jogo de poder e manipulação, e o faz com o mesmo brilho de uma faca recém-afiada. A cada cena, a linha entre “amar” e “eliminar” fica mais tênue, e o espectador é convidado a rir disso com uma certa culpa.

Há momentos em que o roteiro se perde em devaneios ou piadas que se estendem além do ponto ideal, mas ainda há uma coerência emocional que sustenta o caos. Os personagens, apesar da caricatura, funcionam como espelhos de uma sociedade que trata a terapia como espetáculo e o fracasso como combustível para autopiedade. É, de certa forma, uma crítica disfarçada de piada — e uma piada que às vezes acerta dolorosamente.
O ritmo, por outro lado, nem sempre colabora. Em alguns trechos, o filme se arrasta como uma sessão de casal que já perdeu o propósito, apenas para explodir de repente em situações ridículas. Essa alternância entre o cômico e o patético talvez explique por que o filme conquista apenas parte do público. Karaçelik parece se divertir em desmontar as expectativas do espectador — uma escolha que pode ser uma faca de dois gumes.
Casamento, crime e outras formas de convivência
O que mantém o filme de pé é o elenco, especialmente Buscemi, que transforma cada pausa em potencial piada ou ameaça. Seu personagem flutua entre mentor e maníaco, e o faz com um equilíbrio digno de um equilibrista bêbado. Já John Magaro interpreta Keane, o escritor em crise que, em teoria, deveria ser o protagonista. Mas sua passividade é tão crônica que ele acaba relegado ao papel de coadjuvante — tanto no casamento quanto no próprio filme. É difícil não sentir uma pontada de irritação diante de alguém tão incapaz de reagir à própria vida.
E é justamente por conta desse marido mais sonso que água de salsicha deixada na panela que temos as reações explosivas de Suzie, interpretada por Britt Lower. Há nela um prazer anárquico que faz o filme girar quando o roteiro ameaça desandar. No caso da personagem de Lower, as reações parecem frutos de uma frustração de quem já se divorciou mentalmente há anos, mas ainda não teve tempo de avisar o marido.
Conselhos de um Serial Killer Aposentado é, no fundo, uma comédia (bem fora da curva) sobre pessoas que perderam completamente a noção de seus papéis — como escritores, parceiros ou seres humanos civilizados. Todos estão tentando “entender” a si mesmos, mas o filme parece sugerir que a sanidade talvez seja apenas uma questão de edição: corte o suficiente e qualquer um pode parecer normal.

A direção de Karaçelik é ousada, ainda que não refinada. Ele prefere o improviso à simetria, e isso dá ao filme um ar espontâneo, quase acidental. No fim das contas, Conselhos de um Serial Killer Aposentado não é um filme sobre assassinatos, mas sobre sobrevivência — a dois, consigo mesmo ou com o próprio ego. É sobre a fina linha entre amor e loucura, sobre o prazer do erro e o alívio de saber que, às vezes, rir é a única forma de não gritar.
Não é perfeito, nem quer ser. É um filme que se contorce, tropeça, se contradiz — mas nunca perde o charme. E, convenhamos, não é tão comum ver uma comédia transformar um colapso conjugal em uma aula prática de psicopatia aplicada. Se o humor ácido tem um novo endereço, ele fica em Nova York — e tem um consultório improvisado, onde as sessões terminam em gargalhadas e, ocasionalmente, em cadáveres metafóricos.