Crítica do filme Psicopata Americano | Atuação matadora de Christian Bale!

Há 20 anos, o filme “Psicopata Americano” (American Psycho, de 2000) nos apresentava em definitivo Christian Bale, ator ainda pouco conhecido que foi escalado para protagonista no lugar de Leonardo DiCaprio.

Gostaria de saber o motivo da preferência por Bale? Indicado inicialmente para protagonista de American Psycho, DiCaprio fora preterido pela diretora Mary Harron, em virtude do seu target, após Titanic (de 1997), ser muito voltado para garotas adolescentes. Assim, Bale foi a primeira opção de Harron.

Ninguém pôde imaginar que Christian Bale, apesar dos papéis nos anos seguintes, em Equilibrium (2002), The Machinist (2004) e Batman Begins (2005), já havia feito um papel brilhante, senão o seu melhor papel, na pele de Patrick Bateman, nesta adaptação da obra homônima de Bret Easton Ellis, American Psycho, romance de 1991.

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O Café com Filme já apresentou uma crítica de “Regras da Atração”, filme baseado em outro romance homônimo de Ellis e que, inclusive, se passa no mesmo universo de American Psycho, uma vez que retrata a vida universitária do irmão de Patrick Bateman, chamado Sean Bateman, e interpretado pelo inesquecível bom moço James Van Der Beek. A controvérsia nasceu, por Van Der Beek ser o bonzinho Dawson, da série “Dawson’s Creek” (iniciada em 1998) e em “The Rules of Attraction” ser um controverso “vampiro emocional”, como ele diz no filme: “an emotional vampire”.

Crítica social da vida dos Yuppies

De volta a Christian Bale, a crítica em torno dele ressalta a sua incrível versatilidade e suas qualidades no cinema, sobretudo em “O Operário” (papel o qual Christian Bale atua pesando pouco mais de 50kg, pois tinha que passar por um sujeito com insônia grave; imaginem que o peso aceitável de Bale, com 183 cm de altura, seria em torno de 75kg).

No decorrer de sua carreira, Bale alterna entre papéis mais sérios, depressivos, sisudos ou heroicos, em direção a essa atuação controversa e brilhante de American Psycho, na pele do Yuppie de Wall Street e lunático Patrick Bateman. A partir da adaptação do livro homônimo de Bret Easton Ellis, Harron produz uma ironia ou uma crítica social em torno da vida dos Yuppies, jovens executivos de sucesso de Wall Street, que viviam de forma hedonista, consumista e fútil nos anos 1980

Bateman é retratado no filme basicamente se drogando, alugando VHS pornô, passando por caridoso social, surtando pela reserva do melhor restaurante, cometendo crimes (na mente ou na realidade, pois o charme da obra está na construção da ambiguidade), enfim, traindo sua namorada Evelyn, interpretada por Reese Whiterspoon, e odiando no íntimo seus amigos, dentre eles, Paul Allen, interpretado por Jared Leto. Aliás, o elenco de American Psycho é um show à parte: Willem Dafoe, Justin Theroux, Josh Lucas, Chloe Sevigny, entre outros.

Para além de Wall Street: ironia, terror e hedonismo

Em uma direção que me conquistou ao ver o filme, Harron opta por produzir o filme em duas camadas de signos, ou seja, há caminhos para a compreensão de assassinatos reais executados por Patrick Bateman, bem como uma outra construção argumentativa em direção mais metafórica. Nesta, os signos relativos ao ciclo de mortes, defuntos e execuções representam apenas uma mente enlouquecida na essência ou no plano da ilusão, mas que aparentemente não cometeu crime, tendo em vista que Bateman escondia um caderninho com desenhos macabros de mortes, o qual fora encontrado por sua secretária.

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Em suma, predominam cenas realistas de assassinatos cometidos por Bateman de diferentes pessoas do seu círculo social, desde mendigos e prostitutas a colegas de trabalho. Toda sua vida, enfim, é rodeada por signos que manifestam o tema da futilidade e do consumismo, por exemplo, em voz off, ele narra o que pensa sobre a cor ou a superfície do cartão de visitas do colega de trabalho, que produziu um cartão com muito mais gosto estético.

Os detalhes em “Psicopata Americano” são frívolos, isto é, o papel tem uma superfície mais delicada e com um tom de cor mais adequado, em que a aparência dos signos de sua profissão (seu traje, walkman, gravata, loção de banho, reservas nos melhores restaurantes, etc.) vão nessa mesma direção, pois configuram sua posição social de Yuppie.

A sua pseudo-noiva, Evelyn, o critica quando diz que seu emprego se deve a uma indicação do pai e que ele o odiava (“l don't see why you just don't quit” / Não entendo por que você não abandona essa vida), ao que ele responde: “I need to fit in”. Essa expressão equivale a encaixar-se socialmente ou a se conformar às regras sociais vigentes por aquela elite executiva de Wall Street, a qual vivia somente de aparências.

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Para finalizar, a versatilidade de Bale em “Psicopata Americano” confirma-se nas gradações de humor, nos acessos de raiva explosiva ou mais contida, na malícia em parecer alguém superior em muitos momentos e, em outros, parecer um animalzinho assustado a correr de um inimigo que não existe. Filme recomendadíssimo, por mostrar como era a vida dos Yuppies, por tecer uma trama em torno dos signos da futilidade consumista e social e por revelar essa pérola do cinema, que mistura violência, sátira, humor e crítica social.

Confira essa crítica também em vídeo:

Critica do filme Magnatas do Crime | Se você não é o predador, você é a presa!

Dentre as muitas vítimas cinematográficas do proverbial “micróbio maldito” (ou mais precisamente a pandemia de Covid-19) está o excelente, Magnatas do Crime. Retorno às origens do britânico Guy Ritchie — depois do malfadado Rei Arthur: A Lenda da Espada e do genial, mas nada original, Alladin — o filme que até pode parecer um clichê dentro da cinematografia do diretor é, na realidade, uma grande análise de seu currículo.

Mesmo com nomes como Colin Farrell e Matthew McConaughey, é a dupla Hugh Grant e Charlie Hunnam quem comanda a película. Em um debate shakespeariano que desenrola toda a história do filme em um formato não linear e metalinguístico, a dupla mostra todo seu talento seja em longos monólogos expositivos ou em rápidas trocas bem humoradas de insultos.

Ritchie não se desculpa pelo estilo familiar, pelo contrário, parece se deleitar o que contribui para o desenrolar do filme e certamente mostra maturidade artística na capacidade de reciclar o próprio método, manipulando o seu estilo e conteúdo já característico para entregar um trabalho competente. Sem definir o que é autoindulgência ou assinatura artística, Guy Ritchie consegue lapidar Magnatas do Crime em um filme divertido e coerente.

A citação de um cavalheiro é a palavra de um cavalheiro...

Em Magnatas do Crime a história principal gira em torno de um chefão do tráfico que quer abandonar o negócio. Sem dilemas morais à lá Michael Corleone, Michael Pearson (Matthew McConaughey) é apenas um homem de negócios que faz uma “leitura do mercado” e percebe que está na hora de vender o seu lucrativo império de produção de maconha sediado no Reino Unido.

Entre a logística, análise financeira e outros riscos próprios da indústria em questão, Pearson precisa estudar com cuidado as ofertas para “passar o ponto, sem cair no conto”.  Como em outras obras de Guy Ritchie a história principal não é a única, e tudo o que acontece em cena é importante para o desfecho da trama. Até aqui, nenhuma novidade, mas a forma como o roteiro se desenvolve é inteligente, mesmo que confusa em alguns momentos.

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Ray — Charlie Hunnam em uma das melhores atuações da sua carreira — é o principal capanga de Michael Person. Certa noite ele é surpreendido por Fletcher, um investigador particular/jornalista seboso que é deliciosamente interpretado por Hugh Grant. Fletcher assume o papel de narrador (nada confiável) que explica um roteiro de cinema escrito por ele para seu anfitrião relutante.

O roteiro em questão é baseado nas operações da gangue de Pearson e como o seu intricado esquema de subornos e violência criou o império que agora está a leilão. Essa ginástica metalinguística flexiona o roteiro de Fletcher, salta entre flashbacks, e alonga diálogos expositivos, criando uma dança elaborada que captura a atenção até o último movimento da coreografia.

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É mais do mesmo, mas mesmo assim eu quero mais

Erroneamente percebido como uma obra amiudada, Magnatas do Crime, é uma belo exercício de técnica do diretor. Mostrando um refinamento de suas habilidades, Ritchie, explora vários elementos próprios de sua filmografia com mais cuidado e equilíbrio, chegando inclusive a revisitar sua carreira dentro do filme em um momento metalinguístico que espreme as barreiras entre ficção e realidade, criador e criatura, personagem e ator...

Em um ano tão atípico como 2020, Magnatas do Crime pode sim ser considerado um dos melhores lançamentos do cinema. Com poucas exibições e um desdém precoce por conta do supracitado “cinema repetitivo” de Guy Ritchie, o filme acabou passando despercebido por muitos, mas certamente vale uma conferida; seja apenas por seus méritos próprios como uma boa comédia policial ou por ser um título que abriga tanto material conceitual por trás da tela.

Afinal, quando o estilo de um diretor deixa de ser uma muleta e passa a ser reconhecido como uma assinatura?

Sim, você pode ver como “mais do mesmo”, ou seja, um filme de comédia policial que se resume a gangster britânico, pitadas de humor e cenas em câmera lenta, mas um olhar mais minucioso revela todo um estudo sobre o estilo de um diretor. Guy Ritchie, pretenciosamente ou não, retorna às origens justamente para aparar as arestas e mostrar sua evolução artistica, entregando um filme inteligente e bem acabado. 

Crítica do filme Rosa e Momo | Um amor improvável

Uma das produções mais recentes da Netflix é uma combinação inusitada de reggaeton italiano com Laura Pausini em múltiplos idiomas, o retorno de Sophia Loren e a estreia surpreendente do talentoso Ibrahima Gueye.

"Rosa e Momo" é um filme italiano dirigido por Edoardo Ponti, com roteiro assinado em coautoria pelo próprio diretor, Ugo Chiti e Fabio Natale. Apesar de fazer todo sentido dentro do contexto da película, que se passa na Itália, o livro que deu origem ao filme se passa na França, no bairro Belleville, em Paris.

A obra "A Vida Pela Frente", de Romain Gary, trata de um assunto que é hoje uma questão urbana importante de direitos humanos, cultura e educação: a vida e a perspectiva das crianças filhas de imigrantes e refugiados na Europa.

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Por se tratar de uma situação que marca todo o continente é que a história encontra eco também na Itália, onde foi situada na cidade portuária de Bari, capital da região de Puglia, no sul italiano.

A geografia é importante na história, porque tanto a cidade quanto toda a região, que são costeiras, recebem uma grande quantidade de imigrantes de diferentes regiões africanas, asiáticas e do Oriente Médio. É de uma dessas áreas que vêm o protagonista Momo - apelido para Mohammed -, menino senegalês de origem muçulmana cuja mãe foi morta e que, por isso, está sob os cuidados do Estado.

O responsável por Momo é o Dr. Coen (Renato Carpentieri), que trabalha com assistência social, mas também é médico e acompanha a saúde de Madame Rosa, interpretada por Sophia Loren.

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É graças ao doutor que as histórias de "Rosa e Momo" se encontram, de maneira que o médico consegue convencer uma já idosa ex-prostituta a cuidar de Momo por algumas semanas, até que ele encontre um lar para o menino. Embora esteja resistente à ideia no começo e ache o menino uma causa perdida, ela aceita a tarefa, acreditando que o dinheiro que o médico pretende lhe pagar por isso será útil.

Complementares

Imagine ser um menino de apenas 12 anos e ter a oportunidade de contracenar com uma verdadeira lenda do cinema mundial. "Rosa e Momo" é apenas o primeiro longa-metragem de Ibrahima Gueye, o que é uma grande surpresa, uma vez que a atuação do ator mirim é de uma perfeição impressionante.

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O menino incorpora o personagem com um talento inquestionável, com tanta maestria que, em muitos momentos, rouba a cena e tira a atenção até mesmo da própria Sophia Loren. Por outro lado, a experiência da atriz, que estava há dez anos afastada das câmeras e, aos 86, retorna para esta joia de filme, não passa despercebida.

Embora o filme inteiro funcione muito bem e outros atores e personagens sejam interessantíssimos e muito bem construídos - como é o caso de Abril Zamora (Lola), Babak Karimi (Hamil) e Iosif Diego Pirvu (Iosif), é na dança entre "Rosa e Momo", na sintonia entre Sophia e Ibrahima, que a história acontece e envolve o espectador.

Simplicidade e sensibilidade

O roteiro de "Rosa e Momo" não tem nada de novo nem retrata uma situação muito surpreendente, já no trailer todo o plot fica bastante óbvio. É um daqueles títulos que nem os spoilers conseguem estragar a experiência, porque qualquer pessoa que leia a sinopse já sabe o que vai acontecer.

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Mas é justamente na simplicidade da história e na qualidade da narrativa em que se encontra o trunfo de um filme como esse. Ver pessoas tão diferentes encontrarem conforto e carinho no sofrimento de cada um, nas diferenças e nas dores compartilhadas é o que faz com que o público se sinta abraçado pela tela.

Embora a imigração seja o tema central da trama, "Rosa e Momo" consegue passar também por outros temas paralelos que dialogam com essa questão central, da marginalização e do tráfico de drogas à maternidade, ao preconceito, à religião e à velhice. Mas nada disso resume o filme. No centro de todo esse contexto, está a generosidade, que parece ser a essência de tudo.

Karatê Kid e Cobra Kai | Nostalgia never dies!

Terminei de assistir à terceira temporada de Cobra Kai. Confesso que me lembrou um pouco do insucesso do último Star Wars. No entanto, há muitos "no entantos". São direções diferentes: Star Wars quis agradar pouco os fãs da velha-guarda e muito os fãs recentes, que talvez nem chegaram a ver os episódios IV, V e VI da trilogia clássica. Assim, Star Wars se manteve sem decidir uma direção definitiva para a trama, sobretudo com soluções mirabolantes aos protagonistas no final, infelizmente.

Cobra Kai, por sua vez, arriscou também, mas na direção de agradar novos fãs, e o fez com moderação. Explico: na primeira e segunda temporadas, notei muitas micronarrativas do tema High School, que passaram da conta, com muito foco no staff juvenil. No entanto, o link com o seu antecessor fundamental, "Karatê Kid - A Hora da Verdade", necessitava dessa trama, pois muito dela foi criada no ambiente da escola.

Enfim, diferente de Star wars, o rumo que a série Cobra Kai foi tomando nas duas primeiras seasons foi me agradando à medida que se manteve fiel ao elenco e plot original de Karatê kid, de forma a incorporar também novos personagens e relacioná-los aos elenco original.

Cobra Kai Season 3: sucesso e relação profunda com Karatê Kid

Achei que a Season 3 de Cobra Kai, lançada pela Netflix na primeira semana de janeiro de 2021, iria focar mais naquele universo escolar, mas não, pois aprofundou os dramas do quarteto principal da série: Larusso (Daniel-san), Johnny Lawrence (o loirinho do Cobra Kai, ator principal da série, interpretado por William Zabka), Kreese (o brucutu Martin Kove) e Ali (com o suspense da volta da linda Elisabeth Shue).

Penso que a série correu riscos ao tentar agradar gregos e troianos e fez direito. O drama High School diminuiu (spoiler agora), o que deu espaço para Elisabeth Shue reaparecer. Nas cenas, a sua personagem, Ali, dá o seu recado, inclusive um recado social para aqueles que se reencontram e isso não precisar ser sempre sexualizado, como se todo encontro de amizades antigas (o termo inglês “reunion”) rendesse cenas “calientes”.

Como agradar gregos e troianos? Polemizando e aproveitando trechos do filme original? Correto!

Enfim, acho que os encaixes entre Lawrence, Larusso e Kreese, com respeito aos seus passados e trechos das antigas, inclusive com alguns atores das antigas, convidados a atuar de novo (das produções Karatê Kid 1 e Karatê Kid 2), agradaram-me bastante.

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Aos fãs das antigas, recomenda-se rever os dois primeiros filmes citados, pois há muitas situações inexplicadas resolvidas em Cobra Kai:

  • Seria o chute de água de Daniel-San válido naquela disputa do primeiro filme que lhe rendeu o título local?;
  • Johnny Lawrence é realmente o vilão do primeiro filme ou ele seria alvo de bullying do próprio Daniel-san, o coitadinho do primeiro filme?;
  • Alguns personagens de Karatê Kid 2 reaparecem na season 3 de Cobra Kai, assim, qual é a sua importância?

Enfim, são perguntas interessantes para os fãs nostálgicos, bem como uma abertura interessante para os novos fãs da série, que também são contemplados com atuações mirins muito boas, sobretudo nos dramas juvenis e nas cenas de ação. Karatê Kid e Cobra Kai: nostalgia never dies!!!

Crítica do filme Regras da Atração | Filme universitário sem sertanejo

Com a célebre frase “I am Peter, the freshman”, esse impostor (cujo nome verdadeiro é Sean Bateman) é interpretado por James Van deer Beek, que nos brinda com sua entrada no filme “Regras da Atração” (The Rules of Attraction - 2002). Há mais de vinte anos, vocês se lembram dele na série Dawson’s creek, de 1998? Lá, James Van deer Beek era Dawson, um adolescente inspirador, aspirante a diretor de cinema.

Já em “Regras da Atração”, o rapaz dócil da série adolescente transforma-se em Sean Bateman, ou como se autodenomina: um “emotional vampire”, um vampiro sociopata que vive das emoções alheias e, nas horas vagas, um traficante de drogas com tendências suicidas.

Na Candem College, ele conhece Lauren, interpretada por Shannyn Sossamon (estrela de “A Entidade 2”, lançado em setembro de 2015 no Brasil), uma jovem universitária que passava por uma separação complicada. No curso de suas vidas, eles se chocam com a história de Paul, interpretado por Ian Somerhalder (o Damon, de “The Vampire Diaries”).

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No filme, aparecem outros atores e atrizes “feios”, como Jessica Biel, Kip Pardue, Kate Bosworth, Colin Bain; e bota pessoal bonito no filme! Assim, o triângulo amoroso está composto: Paul gosta de Sean, que gosta de Lauren, que mantém uma queda pelo ex-namorado Victor, que não está nem aí para Lauren.

Sem clichês universitários e com humor ácido

O filme é baseado no livro homônimo (The Rules of Attraction) de Bret Easton Ellis, de 1987. Esse escritor também ficaria famoso pelo seu romance de 1991, “Psicopata Americano”, cuja adaptação fílmica (American Psycho, 2000) rendeu a interpretação mais inesquecível de Christian Bale.

O mais interessante é que “Regras da Atração” compartilha o mesmo universo das duas obras de Bret Easton Ellis, pois Sean Bateman, o suposto calouro vampiro de emoções, é o irmão mais novo de Patrick Bateman, o psicopata americano. Diferentemente de uma aventura clichê universitária da Sessão da tarde, “The Rules of Attraction” é ousado tanto na montagem (seu plano de expressão) quanto na temática abordada (seu plano de conteúdo).

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A expressão, na montagem, combina regras de flashback e de planos-sequência bem estruturados, que nos brindam com montagem contando histórias em paralelo, naquele esquema de “Cidade de Deus” (2002) e “Pulp Fiction” (1994), com a telinha dividida ao meio.

A respeito do plano de conteúdo, os percursos temáticos de cada personagem nos brindam com temas recorrentes nas narrativas de adolescentes universitários inconsequentes: tráfico de drogas, estupro, suicídio, bullying, sexualidade e voyeurismo. Inovador na narrativa nos parece a ironia presente na falta de atração dos personagens entre si e pelas outras pessoas, o que vai na contramão do título “Regras da Atração”, pois, há nessa autodestruição dos comportamentos a tematização da rejeição social e do “fit in” (encaixe social) de “American Psycho”.

Apesar da acidez, um verdadeiro drama universitário

Apesar de se encaixar no gênero drama, o filme caminha pela comédia, pelo humor negro e pelo sadismo de certas situações. Por exemplo, enquanto uma aluna bêbada é estuprada no campus, outro rapaz a filma. Ao final da cena, ela recebe um jato de vômito do estuprador e ela pouco se importa com o fato.

Em suma, as histórias frustradas de cada personagem mostram como funciona a mente adolescente universitária (tirando alguns excessos propositais aqui e acolá) e, sobretudo, como podem nascer certos distúrbios psicopáticos a partir de ilusões amorosas e das temáticas acima apresentadas (drogas, estupro, suicídio, bullying, sexualidade e voyeurismo).

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Regras da Atração” tem nota 6,7 no IMDB e foi ganhador de alguns prêmios, o que é mais raro observar em narrativas sobre a vida ilógica de universitários sedentos por comportamentos autodestrutivos. Já os números do site Rotten Tomatoes diferem muito: 43% de aprovação dos críticos contra uma nota alta do público que mostra 71% de notas positivas.

É um filme realista na temática, com montagem interessante para quem se interesse por fotografia, e elenco com uma boa química, cuja atuação de Van der Beek é interessante, sobretudo, para quem o viu em Dawson’s Creek, agora na pele de um vilão sugador de emoções alheias.

Confira essa crítica também em vídeo:

Critica do filme 2020 Nunca Mais | O ano terrível

Nem mesmo o “apocalíptico e integrado” Charlie Brooker — aquele que nos deprime e atormenta a cada episódio de Black Mirror — foi capaz de conjurar uma história tão desastrosa quanto à totalidade do ano de 2020. Depois de tantas desgraças que assolaram o pálido ponto azul do sistema solar, finalmente chegamos ao final do ano... e o que você fez?

Em 2020 Nunca Mais, Brooker e uma seleta de estrelas entregam uma desnecessária retrospectiva do “ano terrível”. Mesmo com a costumeira sátira sagaz da proverbial “pós-modernidade contemporânea” e seus componentes transumanos, o comentarista britânico parece não se esforçar muito entregando apenas uma versão menos entediante de uma retrospectiva jornalística.

Com nomes de peso como Samuel L. Jackson, Tracey Ullman, Hugh Grant, Lisa Kudrow, Kumail Nanjiani e Leslie Jones, entre outros, pseudodocumentário se limita a relatar os eventos com um toque de humor absurdo (quase que imperceptível dada a natureza surreal do ano em si). Enfim, se você é um daqueles poucos que consegue rir da desgraça, ou que quer sublimar um pouco da dor por meio do riso, 2020 Nunca Mais ainda é melhor do que o um “Globo Reporter”.

Isso não é muito Black Mirror

Como um narrador onisciente, Laurence Fishburne relata os principais eventos deste ano — que gostaríamos de esquecer — começando com os incêndios florestais australianos e o julgamento de impeachment de Trump, seguindo então para o começo da pandemia, o assassinato de George Floyd, o Brexit, as (in)decisões da eleição presidencial estadunidense chegando até a chegada do lançamento das primeiras vacinas para a COVID-19. Uma sorte de “especialistas” entrevistados entregam opiniões sobre os acontecimentos conforme as divisas entre absurdo se tornam cada vez mais etéreas.

Dash Brakcet (Samuel L. Jackson) é um repórter sério; Tennyson Foss (Hugh Grant) é um historiador cuja senilidade predileção por negronis parece fazê-lo confundir os eventos da realidade com Game Of Thrones; Tracey Ullman encarna uma irritada Rainha Elizabeth II, que não gostou nem um pouco da saída de Harry e Meghan da família real.

Painel diverso analiza adversidades

Jeanetta Grace Susan (Lisa Kudrow) basicamente nega qualquer coisa parecida com a verdade. Kumail Nanjiani é Bark Multiverse, a epítome do CEO de tecnologia, um sociopata egoísta que construiu um abrigo em montanha para si mesmo prevendo a iminente dissolução da sociedade, e de quebra fica absurdamente mais rico durante a pandemia. Enquanto isso, o cientista Pyrex Flask (Samson Kayo) vê suas tentativas de entregar fatos serem reduzidas a breves comentários ilustrados por cenas ridículas de arquivo.

Por fim temos a Dra. Maggie Gravel (Leslie Jones) que chega a inevitável conclusão de que quase todo mundo que não seja ela é um imbecil. Teoria confirmada reintegradas vezes por pessoas como Duke Goolies (Joe Keery), um “produtor de conteúdo” que de alguma forma ganha rios de dinheiro fazendo vídeos no qual apenas reage às notícias. E para deixar claro que o mundo realmente está cada vez mais imbecil, temos Gemma Nerrick (Diane Morgan) — literalmente uma das cinco pessoas mais comuns do planeta — e Kathy Flowers (Cristin Milioti), a personificação da “Karen” estadunidense cuja fonte de dogmas é o feed do Facebook e as correntes de WhatsApp.

Melhor deixar 2020 no passado

O grande problema de 2020 Nunca Mais é justamente o fato de ser uma obra de Charlie Brooker. O que passaria despercebido como uma produção ligeiramente engraçada fica ainda mais insossa se pensarmos no potencial que o olhar de Brooker traz, lembrando estamos falando o homem por trás da perspicaz série de antologia Black Mirror.

Condensando estereótipos em “testemunhas” que narram os eventos caóticos do ano, o roteirista não força a critica o suficiente, entregando apenas um amontoado “piadinhas” datadas diretamente relacionadas aos amalgamas em questão, sem aquele misto de acidez e desespero existencial que marca outras obras do roteirista. Além disso, o elenco — mesmo que recheado de nomes fortes de Hollywood —, parece entediado e assume que a mera contextualização de seus personagens será suficiente para empurrar a atuação.

Retrospectiva 2020, sério? Pra que?

Uma pena, especialmente no caso de Tracey Ullman e Hugh Grant que assumem a pele da Rainha Eizabeth II e de um historiador alcoólatra de tendências ligeiramente racistas, respectivamente. Sem qualquer interesse a dupla parece caricaturas exageradas saídas diretamente de esquetes da Praça é Nossa, Zorra Total ou Saturday Night Live (não se iluda amiguinho, é tudo a mesma coisa com níveis de qualidade variáveis). Dito isso, é preciso celebrar as atuações de Cristin Milioti e Lisa Kudrow.

As duas atrizes extraem o máximo de seus personagens e sem dúvida são o ponto alto de 2020 Nunca Mais. Cristin Milioti encarna com muita propriedade uma “Karen” — a típica radical negacionista suburbana estadunidense — que, graças ao desenrolar absurdo de 2020, finalmente pode por para fora seus preconceitos com o aval da Casa Branca que reverbera o mesmo preconceito e radicalismo. Por coincidência, ou não, Lisa Kudrow assume o papel de uma não-represente não-oficial da Casa Branca, que tenta desesperadamente defender os desmandos e desordem do governo a cada nova imbecilidade oriunda do gabinete presidencial.

"Retrospectiva 2020! Por que vocês querem fazer isso? Sério. Por quê?”

No final das contas, 2020 Nunca Mais é um título mais do que apropriado para um ano horrível, e um filme nada marcante. Se você procura um evento catártico que realmente expurgue o ano da pandemia é melhor buscar em outro lugar. Todavia, se não queremos repetir os mesmos despautério no futuro, é melhor manter o passado vivo na memória, e se temos que relembrar a história de 2020, melhor que seja com um mínimo de humor.