Crítica do filme O Último Rodeio | Quando o tédio monta no drama

Há produções que dialogam com públicos muito específicos e, claro, quando falamos de filmes norte-americanos, muitos têm como foco o público dos próprios Estados Unidos. Este é justamente o caso de "O Último Rodeio", que se ancora em valores, símbolos e tradições que fazem sentido dentro da cultura em que foi produzido, mas que dificilmente encontram o mesmo eco fora de lá.

Rodeios, montadores lendários e dramas de fé no interior do país formam um universo bastante particular, distante da realidade da maioria do público internacional. Mesmo no Brasil, onde os rodeios ainda têm seu público, trata-se de um recorte pequeno diante de um país diverso e majoritariamente urbano, o que inevitavelmente pode tornar a história um tanto restrita.

Em "O Último Rodeio", o veterano montador Joe Wainwright (Neal McDonough), uma antiga lenda das arenas, decide arriscar tudo para salvar o neto diagnosticado com um tumor cerebral agressivo. Sem recursos e com um seguro de saúde que se recusa a cobrir a cirurgia, ele vê no rodeio — o mesmo que quase o matou anos atrás — sua única chance de levantar o dinheiro necessário. De volta aos treinos e aos circuitos, Joe se vê obrigado a encarar não apenas os desafios físicos, mas também as feridas de um passado conturbado, incluindo a relação complexa com a filha.

oultimorodeio01 1faa2Fonte: Divulgação/Paris Filmes

Embora o ponto de partida prometa um drama emocional sobre sacrifício e redenção, "O Último Rodeio" rapidamente se revela um filme previsível e arrastado. A trama tenta equilibrar emoção familiar e espiritualidade, mas escorrega em clichês e sentimentalismo fácil. Não é um faroeste nem um épico sobre cowboys. É, antes, um melodrama ambientado em arenas e fazendas, que finge ser sobre coragem quando, na verdade, fala mais sobre teimosia.

O Último Rodeio vale a pena?

“O Último Rodeio” tenta emocionar ao retratar o sacrifício de um avô que volta às arenas para salvar o neto enfermo, mas o drama se perde em clichês e sentimentalismo fácil. Apesar da bela fotografia e de uma premissa com potencial, falta ritmo, profundidade e autenticidade para envolver o espectador de verdade.

Muitos tropeços e pouca estabilidade

Mesmo quem gosta de filmes inspiradores vai sentir que O Último Rodeio não tem muito a oferecer além de boas intenções. É o típico filme que caberia perfeitamente na grade da Hallmark: previsível, açucarado e sem grandes riscos. A história do avô que tenta salvar o neto doente ao entrar novamente em uma competição perigosa até poderia emocionar, mas o roteiro parece não confiar no público e insiste em explicar demais, repetindo emoções que nunca chegam a se concretizar.

O filme também sofre com um desequilíbrio entre fé e drama familiar. Há inclusive momentos em que a espiritualidade é empurrada goela abaixo — um personagem chega a recitar versículos bíblicos em situações aleatórias, deixando a narrativa forçada e artificial, como se a mensagem tivesse sido colocada à força apenas para agradar um público específico. Essa indecisão entre ser um drama humano ou uma mini pregação travestida de roteiro faz com que a história perca foco e autenticidade.

oultimorodeio02 1d2b8Fonte: Divulgação/Paris Filmes

Além disso, há o incômodo pano de fundo do próprio esporte retratado. As competições de montaria em touros são mostradas com glamour e heroísmo, mas o filme ignora completamente o debate sobre a crueldade animal. Talvez funcione para quem gosta de rodeios, mas é difícil não sentir um certo desconforto.

Por outro lado, "O Último Rodeio" acerta, ainda que involuntariamente, ao escancarar o problema da ganância do sistema de saúde americano. Eis aqui o verdadeiro vilão da trama! Essa questão não é tratada com a indignação que deveria, não há qualquer combate aos excessos dos convênios de saúde ou à falta de assistência por parte do governo. No entanto, é inevitável que, para determinados públicos, como o brasileiro, a gente acabe percebendo que a trama não teria muito sentido por aqui: o menino teria acesso gratuito ao tratamento pelo SUS e o avô não precisaria se arriscar até quase morrer.

Um drama que nunca sai do lugar

A direção de Jon Avnet é morna e incapaz de dar ritmo ou intensidade às cenas mais dramáticas. Mesmo nas sequências de rodeio, a câmera lenta e os closes excessivos parecem um esforço desesperado para criar emoção onde ela simplesmente não existe. Apesar da fotografia bem elaborada, com cenários bonitos e uma luz ensolarada que empolga nos primeiros minutos, rapidamente percebemos que o brilho termina por aí. A trilha sonora, que poderia amarrar os sentimentos, também passa despercebida e raramente reforça o que está em tela.

Os atores são competentes, mas estão presos a personagens sem profundidade. As emoções são contidas demais — falta desespero, vulnerabilidade e verdade. É como se o elenco inteiro tivesse sido instruído a “não exagerar”, e o resultado é uma sucessão de cenas mornas, que nunca chegam a tocar o espectador. Há talento ali, mas nada que consiga se sobressair diante de um roteiro que não oferece espaço para nuances ou crescimento emocional.

oultimorodeio03 ae75fFonte: Divulgação/Paris Filmes

No final, o filme até tenta entregar uma conclusão emocionalmente satisfatória — e, de fato, o desfecho é melhor que o restante da trama —, mas o caminho até lá é cansativo. Duas horas para contar uma história tão simples é pedir demais da paciência de qualquer espectador.

Mesmo com seus belos cenários e uma fotografia cuidada, "O Último Rodeio" não consegue se sustentar. É uma obra que parece feita para preencher horário de TV, não para ocupar uma sala de cinema. Um drama vazio, previsível e emocionalmente raso, que tenta ser inspirador, mas termina sendo apenas esquecível.

Crítica Conselhos de um Serial Killer Aposentado | A terapia mais perigosa de Nova York

Um escritor em crise criativa faz amizade com um serial killer aposentado, que vira terapeuta conjugal e consultor para um novo livro. Mas a esposa começa a desconfiar que pode ser um alvo. Essa pequena descrição é a sinopse oficial de Conselhos de um Serial Killer Aposentado, longa-metragem que promete ser “uma comédia ácida e irreverente”. Ao menos, é assim que o filme se vende.

Encabeçando o projeto está Tolga Karaçelik, diretor turco que provavelmente você nunca ouviu falar, mas que vem se destacando — tanto que agora realiza um projeto com atores americanos ambientado em Nova York. Aqui, ele propõe uma comédia sombria que brinca com temas como casamento, bloqueio criativo e homicídio — não necessariamente nessa ordem — embalada por uma energia caoticamente nova-iorquina que parece saída de um pesadelo de Woody Allen com tarja preta.

Parece uma grande doideira? Pois é mesmo! Logo de cara, fica o aviso: este não é um filme para todos. É uma comédia tão fora do eixo que às vezes parece sabotar a própria estrutura. Karaçelik mistura sátira conjugal, humor ácido, crise existencial e até meditação sobre o ato de escrever — tudo de uma vez. O resultado é tão curioso quanto desigual. Alguns temas ficam pendurados no ar, mas talvez essa indecisão seja justamente o ponto: a bagunça faz parte da graça.

Conselhos de um Serial Killer Aposentado vale a pena?

Uma comédia sombria, caótica e talvez um tanto absurda, Conselhos de um Serial Killer Aposentado transforma crise criativa e colapso conjugal em sátira ácida sobre amor, ego e insanidade — um filme estranho e imperfeito, mas, de certa forma, um pouco divertido.

Entre o caos e a catarse

O humor aqui nasce do desconforto. Karaçelik não quer que ríamos com os personagens, mas deles. E, em muitos momentos, é impossível não reconhecer um pedaço de humanidade nesse trio disfuncional — especialmente quando o amor e o homicídio parecem parte da mesma rotina doméstica. A graça está justamente em sua total falta de noção situacional. É um filme que parece sempre à beira do colapso narrativo e, por algum milagre cômico, nunca desaba. Karaçelik faz da confusão uma ferramenta estética: tudo é exagerado, fora de lugar e deliciosamente absurdo.

Há um prazer quase sádico em ver o roteirista brincar com a metáfora central — casamento e assassinato como experiências igualmente intensas e potencialmente letais. O filme entende que a convivência é um jogo de poder e manipulação, e o faz com o mesmo brilho de uma faca recém-afiada. A cada cena, a linha entre “amar” e “eliminar” fica mais tênue, e o espectador é convidado a rir disso com uma certa culpa.

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Há momentos em que o roteiro se perde em devaneios ou piadas que se estendem além do ponto ideal, mas ainda há uma coerência emocional que sustenta o caos. Os personagens, apesar da caricatura, funcionam como espelhos de uma sociedade que trata a terapia como espetáculo e o fracasso como combustível para autopiedade. É, de certa forma, uma crítica disfarçada de piada — e uma piada que às vezes acerta dolorosamente.

O ritmo, por outro lado, nem sempre colabora. Em alguns trechos, o filme se arrasta como uma sessão de casal que já perdeu o propósito, apenas para explodir de repente em situações ridículas. Essa alternância entre o cômico e o patético talvez explique por que o filme conquista apenas parte do público. Karaçelik parece se divertir em desmontar as expectativas do espectador — uma escolha que pode ser uma faca de dois gumes.

Casamento, crime e outras formas de convivência

O que mantém o filme de pé é o elenco, especialmente Buscemi, que transforma cada pausa em potencial piada ou ameaça. Seu personagem flutua entre mentor e maníaco, e o faz com um equilíbrio digno de um equilibrista bêbado. Já John Magaro interpreta Keane, o escritor em crise que, em teoria, deveria ser o protagonista. Mas sua passividade é tão crônica que ele acaba relegado ao papel de coadjuvante — tanto no casamento quanto no próprio filme. É difícil não sentir uma pontada de irritação diante de alguém tão incapaz de reagir à própria vida.

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E é justamente por conta desse marido mais sonso que água de salsicha deixada na panela que temos as reações explosivas de Suzie, interpretada por Britt Lower. Há nela um prazer anárquico que faz o filme girar quando o roteiro ameaça desandar. No caso da personagem de Lower, as reações parecem frutos de uma frustração de quem já se divorciou mentalmente há anos, mas ainda não teve tempo de avisar o marido.

Conselhos de um Serial Killer Aposentado é, no fundo, uma comédia (bem fora da curva) sobre pessoas que perderam completamente a noção de seus papéis — como escritores, parceiros ou seres humanos civilizados. Todos estão tentando “entender” a si mesmos, mas o filme parece sugerir que a sanidade talvez seja apenas uma questão de edição: corte o suficiente e qualquer um pode parecer normal.

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A direção de Karaçelik é ousada, ainda que não refinada. Ele prefere o improviso à simetria, e isso dá ao filme um ar espontâneo, quase acidental. No fim das contas, Conselhos de um Serial Killer Aposentado não é um filme sobre assassinatos, mas sobre sobrevivência — a dois, consigo mesmo ou com o próprio ego. É sobre a fina linha entre amor e loucura, sobre o prazer do erro e o alívio de saber que, às vezes, rir é a única forma de não gritar.

Não é perfeito, nem quer ser. É um filme que se contorce, tropeça, se contradiz — mas nunca perde o charme. E, convenhamos, não é tão comum ver uma comédia transformar um colapso conjugal em uma aula prática de psicopatia aplicada. Se o humor ácido tem um novo endereço, ele fica em Nova York — e tem um consultório improvisado, onde as sessões terminam em gargalhadas e, ocasionalmente, em cadáveres metafóricos.

A Longa Marcha | Vale a pena ler o livro de Stephen King antes de ver o filme? O que mudou? Novo final?

Stephen King escreveu “A Longa Marcha” ainda na juventude, lá por meados de 1966 e 1967, até mesmo antes de se tornar o mestre do terror que o mundo conhece. E já fica aqui uma curiosidade: esta foi a primeira história que ele escreveu, porém a publicação ocorreu só em 1979, alguns anos após a publicação dos primeiros livros de sucesso do autor, como Carrie (1974), Salem (1975) e O Iluminado (1977).

Assinando como Richard Bachman — justamente para testar como obras um pouco diferentes iriam impactar o público sem o peso de sua fama —, ele criou uma distopia perturbadora, sobre um evento anual chamado "A Longa Marcha", o qual reúne uma centena de jovens, que se inscrevem voluntariamente, e que são obrigados a caminhar sem parar até restar apenas um vivo.

Décadas depois, Francis Lawrence transporta essa premissa para o cinema em “A Longa Marcha: Caminhe ou Morra” — e o resultado é uma conversa fascinante entre duas obras separadas pelo tempo, mas unidas pela mesma angústia existencial. Eu já publiquei minha opinião sobre o filme (e você pode clicar aqui para ler a Crítica do filme A Longa Marcha), abordando os acertos e poucos deslizes da adaptação, mas hoje quero focar na diferença entre as abordagens do texto e da obra audiovisual.

Do papel à tela: escolhas que transformam a história

O primeiro ponto de destaque é a fidelidade temática. Tanto o livro quanto o filme exploram o mesmo conceito central: a caminhada como metáfora da vida. No papel, King mergulha profundamente nos pensamentos de seu protagonista, criando uma narrativa quase claustrofóbica, de ritmo lento e opressivo. Já no cinema, Lawrence traduz essa imersão em movimento e imagem, substituindo a introspecção literária por uma tensão constante.

A ambientação dos anos 1970 é um elo essencial entre as duas versões. O diretor poderia ter atualizado a trama, mas manteve a época original — uma escolha inteligente. As tecnologias modernas eliminariam o isolamento e a dependência emocional entre os personagens. A ausência de celulares, câmeras pessoais e conexões instantâneas faz com que tudo pareça mais humano, mais cru, mais desesperador.

alongamarchalivro01 bbb12Créditos da imagem: Fábio Jordan / Café com Filme

Uma das principais diferenças está no número de participantes. Enquanto o livro conta com 100 jovens, o filme reduz o grupo para 50. A decisão é prática e narrativa: manter o mesmo volume de personagens tornaria o longa interminável. Essa mudança, porém, não prejudica a história — ao contrário, torna-a mais focada e emocionalmente acessível.

Além das alterações já citadas, o filme também fez mudanças importantes nos personagens e no tom da narrativa. Por exemplo, Raymond Garraty não tem namorada, o que altera algumas memórias, mas ajuda a manter o foco no essencial da trama. O destino de seu pai é apresentado de forma mais marcante, funcionando como motivação clara para que Garraty participe da Longa Marcha — sem revelar demais, isso dá densidade ao personagem e aproxima o público da sua jornada.

Outros ajustes incluem o tom mais contido do filme em relação a palavrões e piadas de cunho sexual, pequenas alterações nas regras da marcha (como a velocidade da caminhada) e ajustes na forma como as advertências funcionam. Para leitores que prezam pela fidelidade, esses detalhes podem chamar a atenção, mas eles são necessários para que a narrativa cinematográfica seja direta, intensa e envolvente.

alongamarchalivro02 1b51aCréditos da imagem: Fábio Jordan / Café com Filme

Outro contraste está na forma como a violência é tratada. No livro, a eliminação dos participantes ocorre de forma seca, quase burocrática. King raramente descreve em detalhes — o horror está na espera, na expectativa. Já no filme, as execuções são explícitas e brutais. A intenção é chocar, sim, mas também deixar clara a monstruosidade do sistema. Ainda assim, há quem prefira a sutileza do texto original.

Mantendo a tensão: diferenças que funcionam

O ritmo é outro ponto interessante. O livro é exaustivo por natureza — propositalmente. King faz o leitor sentir o cansaço, o peso da caminhada, o tédio e a dor. É uma experiência que exige paciência. O filme, por sua vez, é mais direto. A narrativa é enxuta, os diálogos são pontuais, e a montagem mantém a tensão viva até o fim. Cada formato funciona à sua maneira.

E falando em final: aqui está a grande diferença. O desfecho do livro é ambíguo, filosófico e, para muitos, frustrante. King deixa a interpretação aberta, como se a caminhada nunca terminasse. Já o filme entrega uma conclusão muito mais clara e impactante — um fechamento que honra o percurso e oferece uma catarse emocional poderosa. É raro dizer isso, mas neste caso o final do filme supera o do livro.

Mesmo com todas as alterações, o espírito da obra original é preservado. A camaradagem entre os personagens, o sentimento de solidariedade em meio à competição e o medo de desaparecer sem propósito continuam intactos. A versão cinematográfica não trai o texto — apenas o traduz em outra linguagem, igualmente eficaz.

alongamarchalivro03 4222eCréditos da imagem: Fábio Jordan / Café com Filme

Além disso, há méritos únicos em cada um. O livro é mais psicológico, mais filosófico, um estudo sobre o sofrimento e a resistência humana. O filme, por sua vez, é uma experiência sensorial e visualmente devastadora, que fala diretamente ao corpo e à emoção. Juntos, eles se complementam: um faz o outro ganhar ainda mais significado.

Por fim, tanto no papel quanto na tela, “A Longa Marcha” segue sendo uma história sobre a humanidade diante do absurdo. É um lembrete de que seguimos caminhando, mesmo sem saber por quê — e talvez seja essa a beleza (ou o horror) da vida. Ler o livro e assistir ao filme é percorrer dois caminhos diferentes para o mesmo destino.

Crítica do filme A Longa Marcha | A jornada é longa e cheia de horrores

O jovem Raymond (Cooper Hoffman) está prestes a participar de uma famosa prova anual de resistência. Ele é apenas um entre dezenas de adolescentes dispostos a encarar “A Longa Marcha”, uma competição em que os participantes devem manter uma velocidade mínima de caminhada — ou levam um tiro. O evento atrai multidões e termina apenas quando restar um sobrevivente. Até onde Raymond está disposto a ir?

Acima está a sinopse oficial de “A Longa Marcha”, mais um longa-metragem baseado em uma obra de Stephen King. Pelo breve resumo, fica o questionamento: um filme em que os personagens simplesmente caminham sem parar pode realmente prender a nossa atenção? Como criar tensão em uma história que depende quase inteiramente de diálogos e longos silêncios?

alongamarcha00 8466aFonte da imagem: Divulgação/Paris Filmes

Sem dúvidas, esta era uma missão quase impossível. Não por acaso, o próprio Mike Flanagan — diretor do excelente filme “A Vida de Chuck” (outra adaptação recente de Stephen King) —, mencionou que estava muito interessado em ver fariam essa adaptação de The Long Walk, sugerindo que era muito complexa essa tarefa. E, de fato, parecia um trabalho fadado ao fracasso — até agora.

Antes de continuar com meus argumentos, deixo abaixo a playlist da trilha sonora oficial do filme (que depois comentarei sobre) para você sentir a emoção da Longa Marcha enquanto lê esta crítica. Aperte o play e aproveite a jornada!

A Longa Marcha: Caminhe ou Morra” é aquele tipo de filme que não apenas te prende pela tensão, mas te consome lentamente — assim como a jornada de seus personagens. Baseado na obra homônima de Stephen King, escrita sob o pseudônimo Richard Bachman, o longa dirigido por Francis Lawrence (que você provavelmente conhece de “Eu Sou a Lenda”, “Jogos Vorazes” e “Constantine”) surpreende por conseguir transformar uma narrativa essencialmente introspectiva em uma experiência cinematográfica angustiante, intensa e emocionalmente devastadora.

E ainda antes de entrar em detalhes, se você já leu o livro (ou pretende ler) e está se perguntando se tem muitas diferenças entre o obra literária e o filme, a resposta é sim! No entanto, eu considero que todas as mudanças foram muito justificáveis para a dinâmica do longa funcionar melhor e nada do que foi alterado altera significativamente o andar da carruagem. Todavia, para entender melhor essas adaptações, recomendo que você clique aqui para ler meu texto comparando o livro A Longa Marcha e o longa-metragem.

A Longa Marcha vale a pena?

A Longa Marcha é uma adaptação ousada de Stephen King que impressiona com direção precisa, atuações marcantes de Cooper Hoffman e David Jonsson, tensão constante e final surpreendente, transformando a caminhada mortal em uma experiência cinematográfica intensa.

Da página à tela: o impossível virou cinema

Logo de início, o filme estabelece um tom sombrio e realista. A ambientação dos anos 1970 é impecável — uma decisão acertada que preserva a essência da história original. Trazer essa trama para os tempos atuais seria uma tarefa quase impossível, não só pelas diferenças tecnológicas, mas porque o conceito da “Longa Marcha” depende muito dessa atmosfera de isolamento, vigilância militar e ausência de questionamento popular — sem dúvidas que uma história similar ambientada em tempos recentes seria extremamente complexa de produzir.

alongamarcha01 3ca23Fonte da imagem: Divulgação/Paris Filmes

O roteiro é eficiente em apresentar os personagens sem precisar recorrer à exposição excessiva ou muitas cenas paralelas (os flashbacks são bem raros aqui). Em poucos diálogos, entendemos suas motivações, seus medos e suas esperanças. Esse dinamismo faz com que o público se conecte rapidamente, o que torna cada perda ainda mais dolorosa. A camaradagem que se forma entre os participantes é o que dá alma ao filme — uma amizade improvável em meio à certeza da morte.

Visualmente, “A Longa Marcha” é austero e belíssimo. As paisagens vazias, a fotografia fria e os contrastes de luz e sombra criam um cenário que reflete o esgotamento físico e psicológico dos personagens. Cada passo dado pelos jovens carrega peso — e cada rosto abatido parece gritar por redenção.

alongamarcha02 4eac1Fonte da imagem: Divulgação/Paris Filmes

Aliás, falando em esgotamento, eu acho que é quase inevitável ver este filme (ou mesmo ler a obra original) e não ficar se questionando: mas será mesmo que é possível caminhar centenas de quilômetros sem parar? Alguém já fez isso no mundo real? Bom, eu fui pesquisar e, segundo o site Live Science, tudo depende da definição de "caminhar sem parar".

No conteúdo publicado em fevereiro de 2025, o site informa que Dean Karnazes detém o recorde não oficial da corrida mais longa sem dormir, com 563 km (350 milhas), que ele correu em três dias e meio em 2005. Já em 2023, o ultramaratonista Harvey Lewis estabeleceu um novo recorde em um tipo de corrida de longa distância chamada Backyard ultra. Nesse tipo de competição, os corredores completam um circuito de 6,7 km (4,17 milhas) a cada hora, até que reste apenas um corredor em pé. Lewis correu 108 desses circuitos no equivalente a 4,5 dias, totalizando 724 km (450 milhas), com apenas alguns minutos ao final de cada hora para descansar antes de recomeçar.

Voltando às considerações sobre o filme, mas ainda mantendo nesse tópico, vale ressaltar como a direção de Francis Lawrence é precisa e corajosa. O ritmo é constante e exaustivo, até porque realmente precisa ser, já que os participantes devem continuar andando — sem sequer uma pausa para amarrar os cadarços — em uma velocidade superior a 5 km/h.

alongamarcha03 99b3fFonte da imagem: Divulgação/Paris Filmes

A tensão dos enquadramentos é palpável, e cada pausa ou silêncio é tão importante quanto os momentos de violência. O cineasta equilibra a brutalidade do conceito com uma sensibilidade inesperada. Mesmo nas cenas mais duras, há espaço para empatia — e é aí que o filme mais se destaca: ao lembrar que, antes de competidores, aqueles jovens são pessoas.

O horror de continuar vivo

Para obter êxito em sua realização, o filme conta com um elenco diversificado — como exige a história original — e repleto de talentos inesperados. Cooper Hoffman (filho do lendário Philip Seymour Hoffman) entrega uma atuação impressionante como Raymond, o jovem que decide participar da prova mortal e que serve como fio condutor da narrativa.

Ainda assim, quem muitas vezes se apropria das atenções, de forma quase natural ao seu personagem, é David Jonsson, em uma performance carregada de nuances. Ele é o coração emocional do filme, com uma presença magnética, vulnerável e intensa.

alongamarcha04 8c24bFonte da imagem: Divulgação/Paris Filmes

Somando-se aos dois, Ben Wang e Tut Nyuot completam o núcleo principal da história — e é o dinamismo entre eles que sustenta essa longa jornada. Os diálogos, que começam de forma curiosa, ganham peso e cumplicidade ao longo do caminho, criando momentos de emoção genuína que tornam a caminhada mais humana do que competitiva.

Já Charlie Plummer adiciona um toque de insanidade que vem em boa hora: seu personagem quebra o ritmo da caminhada com momentos de desconforto e tensão, dando ao longa uma energia imprevisível. E, para completar o elenco, Mark Hamill surge em um papel secundário, quase caricatural, mas eficaz — o veterano cria uma figura repulsiva que simboliza o sistema desumano por trás da competição. Ponto para o Jedi.

alongamarcha05 0e710Fonte da imagem: Divulgação/Paris Filmes

Vale dizer que o filme é violento — e não pouco. Algumas execuções são gráficas e viscerais, o que certamente vai dividir opiniões. Pessoalmente, achei que em alguns momentos o excesso poderia ser substituído pela sugestão. O medo do que não se vê é, muitas vezes, mais eficaz. Ainda assim, é inegável que a violência faz parte do impacto que a história quer causar. Afinal, estamos diante de uma distopia cruel, em que a própria vida é o prêmio final.

A trilha sonora de Jeremiah Fraites,  que mencionei no começo do texto, é outro acerto notável. Minimalista, inquietante e melancólica, ela pontua a narrativa com delicadeza e cria uma atmosfera de urgência e desespero. As notas, às vezes cadenciadas e, em outras situações, longas e tensas funcionam como uma espécie de batimento cardíaco coletivo — uma lembrança constante de que o tempo (e a distância) estão sempre correndo.

O final, sem dúvidas, é um dos grandes trunfos da adaptação. Ao contrário do livro, que opta por um encerramento mais ambíguo e filosófico, o filme entrega algo mais ousado e emocionalmente satisfatório. Há coragem e justiça em sua conclusão, um fechamento que dá sentido à longa caminhada — tanto literal quanto simbólica.

No fim das contas, “A Longa Marcha: Caminhe ou Morra” é mais do que um filme de terror ou suspense. É uma reflexão amarga sobre propósito, sacrifício e a busca insaciável por reconhecimento. Francis Lawrence e o roteirista JT Mollner conseguiram o que Mike Flanagan — e boa parte dos fãs — achavam impossível: adaptar “A Longa Marcha” sem perder sua alma. O resultado é uma das melhores e mais intensas experiências cinematográficas do ano.

Crítica A Vida de Chuck | Entre o Fantástico e o Cotidiano

Adaptado da obra de Stephen King e dirigido por Mike Flanagan, A Vida de Chuck apresenta uma história única sobre a existência humana. Contada de forma não linear, a jornada de Charles "Chuck" Krantz (Tom Hiddleston) se desenrola como um mosaico de memórias, encontros e despedidas, explorando o amor, a dor e as escolhas que moldam uma vida. O longa combina drama, fantasia e até pequenas doses de terror, numa experiência cinematográfica que foge de classificações fáceis.

De modo geral, o filme surpreende por equilibrar leveza e melancolia, momentos de riso e instantes de profunda reflexão. Ao longo de suas quase duas horas, Flanagan convida o espectador a mergulhar não apenas na trajetória de Chuck, mas também em nossas próprias memórias e relações. É um filme irregular em ritmo, mas com cenas que encantam, emocionam e deixam aquela sensação de que viver é, no fim das contas, uma experiência tão improvável quanto preciosa.

A Vida de Chuck vale a pena?

A Vida de Chuck é uma obra que, assim como seu protagonista, não cabe em definições fáceis. É um filme para rir, refletir e até estranhar, mas sobretudo para lembrar que o tempo que temos é precioso. Mike Flanagan e Stephen King entregam um conto cinematográfico sobre humanidade, que mistura o fantástico com o cotidiano para revelar que, em cada segundo, existe a chance de conexão, de afeto e de beleza.

Filmes que falam sobre a vida

Quero começar trazendo uma ideia um tanto diferente, mas essencial para a gente falar sobre "A Vida de Chuck". Existe um tipo de obra que não se encaixa em rótulos tradicionais de gênero, mas que poderíamos chamar de “dramas existenciais fantásticos”. Filmes como Aqui (com Tom Hanks), Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, A Vida em Si e A Vida Secreta de Walter Mitty seguem esse caminho: narrativas que misturam drama, fantasia, comédia e até romance, mas cujo verdadeiro propósito é refletir sobre o sentido da vida. A Vida de Chuck se encaixa perfeitamente nessa tradição.

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Assim como nesses exemplos, Flanagan utiliza o lúdico e o exagero para transformar o cotidiano em algo mágico. Uma simples dança em praça pública pode se tornar uma catarse coletiva, uma frase em um outdoor pode provocar questionamentos existenciais, e até elementos apocalípticos são usados mais como metáfora do que como ameaça real. Esse hibridismo de gêneros pode causar estranhamento, mas é justamente o que dá força e identidade ao filme.

Outro ponto interessante é a estrutura narrativa fora de ordem. Ao começar do fim e avançar em direção ao início, o roteiro nos força a montar o quebra-cabeça da vida de Chuck por fragmentos. Essa escolha aumenta a curiosidade e garante que cada revelação tenha um peso maior, já que sabemos que tudo se encaminha para uma conclusão inevitável. Ainda assim, a mensagem é menos sobre o fim e mais sobre a intensidade de cada instante vivido.

No fundo, esses filmes acabam funcionando como lembretes. Eles nos dizem que a vida não é feita apenas dos grandes feitos, mas também das pequenas conexões: um gesto de carinho, uma conversa inesperada, uma noite de dança. Flanagan reforça essa ideia ao usar referências de pensadores como Carl Sagan, conectando a brevidade da existência humana com a imensidão do cosmos.

Direção, atuações e estética

Mike Flanagan, já conhecido por suas adaptações de Stephen King como Doutor Sono e Jogo Perigoso, entrega aqui um projeto mais ousado. Ele se afasta do horror tradicional que marcou sua carreira e aposta em um drama poético, recheado de momentos lúdicos e até humorísticos. Essa transição não é perfeita — em alguns trechos o filme parece hesitar entre gêneros —, mas a ousadia compensa ao oferecer uma experiência diferente dentro do cinema contemporâneo.

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O elenco é um dos pontos altos. Tom Hiddleston conduz o papel com carisma e entrega emocional, mas grande parte da força dramática vem do jovem Benjamin Pajak, que interpreta Chuck em uma fase mais delicada e intimista. Aliás, vale mencionar que esse é um dos primeiros projetos de Pajak, um ator mirim que já mostra seu talento. A participação breve de Jacob Tremblay também vem a calhar, enquanto Karen Gillan e Chiwetel Ejiofor acrescentam camadas importantes ao enredo, funcionando como peças-chave que ajudam a refletir sobre o valor da vida e do tempo.

Visualmente, o filme é deslumbrante. Flanagan aposta em cores vibrantes, cenários que parecem transitar entre o real e o imaginário e efeitos visuais que surpreendem pela criatividade. As cenas de dança, coreografadas com precisão, trazem energia contagiante e ajudam a equilibrar o tom melancólico da narrativa. Já a trilha sonora é fluida e emocional, alternando entre momentos de pura empolgação e outros mais introspectivos, sempre dialogando bem com o que acontece em tela.

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Ainda que não seja um filme isento de falhas — alguns fatos e personagens ficam meio perdidos e há passagens em que a mistura de gêneros soa forçada —, o saldo é extremamente positivo. A Vida de Chuck pode até não agradar a todos, mas aqueles que se entregarem à proposta certamente sairão tocados pela mensagem de celebrar o presente, amar sem reservas e dançar no ritmo da vida.

Crítica do filme Looney Tunes - O Dia Que A Terra Explodiu | Voltando às loucas origens e entregando diversão para todos

Looney Tunes - O Dia Que A Terra Explodiu é uma explosão (com o perdão do trocadilho) de nostalgia e irreverência que acerta em cheio na proposta: resgatar o humor anárquico que tornou os personagens da Warner Bros. tão icônicos. Gaguinho e Patolino, que já dividem as telinhas desde a década de 1930 — mais antigos até que o próprio Pernalonga —, ganham aqui uma improvável, mas divertida, história de origem.

Essa ideia, ainda que não precise ser encarada como definitiva (afinal, Looney Tunes sempre brincou com linhas do tempo e realidades), é criativa e oferece um novo olhar sobre uma das duplas mais carismáticas da animação. Mesmo com toda essa ousadia, alguns fãs podem sentir falta de um ingrediente essencial: Pernalonga. Sua ausência é sentida, especialmente por aqueles que o veem como o grande símbolo dos Looney Tunes.

Ainda assim, o filme se sustenta com maestria, graças ao carisma inegável de Gaguinho e às loucuras audaciosas de Patolino, bem como ao roteiro que sabe explorar tanto o absurdo quanto temas surpreendentemente maduros, como mercado de trabalho, vida adulta e laços afetivos. Tudo, é claro, com o humor característico da franquia.

Desenho, Doideira e Nostalgia

Visualmente, o filme aposta no tradicional e acerta. Nada de versões 3D aqui: o desenho é no bom e velho estilo cartunesco, com um colorido vibrante e perspectivas ousadas que, vez ou outra, até sugerem uma leve tridimensionalidade — sem abandonar o charme dos traços clássicos.

A estética de Looney Tunes - O Dia Que A Terra Explodiu carrega exageros visuais que se alinham perfeitamente ao espírito dos Looney Tunes, como cenas com ângulos esticados, explosões sem sentido e reações absurdamente físicas que só funcionam mesmo dentro desse universo animado.

looneytunesodiaqueaterraexplodiu01 283f2Fonte: Divulgação/Warner Bros.

O humor é um dos pontos altos. Cheio de referências contemporâneas, o roteiro zomba de tudo: desde o excesso de "produtos genéricos sem alma" no mercado até a cultura de influenciadores digitais. Mas o que realmente brilha são os diálogos afiados entre os protagonistas. A dinâmica entre o sensato Gaguinho e o caótico Patolino continua funcionando perfeitamente, e a dublagem brasileira — com as vozes já consagradas — faz essa química saltar da tela.

Este filme é um verdadeiro estouro!

A trilha sonora, como sempre, é outro destaque. Ela acompanha as cenas com precisão cirúrgica, fazendo os momentos de tensão parecerem mais absurdos e os momentos de comédia, ainda mais hilários. O ritmo do filme é bem acertado: com pouco mais de uma hora e vinte minutos, ele entrega o que promete sem se alongar demais, deixando aquele gostinho de "quero mais" no final.

Para quem cresceu vendo Looney Tunes ou simplesmente quer uma comédia leve e criativa, este é um prato cheio. É o tipo de filme ideal para se ver no cinema com pipoquinha ou em casa tomando um Nescauzinho. Ele não tenta reinventar a roda, mas reafirma o que torna os Looney Tunes tão especiais: o humor sem amarras, o absurdo bem dosado e personagens que já fazem parte da história da animação mundial.

looneytunesodiaqueaterraexplodiu02 53e85Fonte: Divulgação/Warner Bros.

Looney Tunes - O Dia Que A Terra Explodiu é, acima de tudo, uma carta de amor aos fãs. Talvez não seja o mais memorável de todos os tempos, mas é, sem dúvidas, um dos mais afetuosos. E nos dias de hoje, isso já vale muito. Quem sabe, seja também um novo pontapé para a Warner Bros. bolar mais ideias de filmes isolados com outros personagens ou até cruzando com essa histórias. Vamos ver o que vem por aí, não dá para saber ainda!

E por hoje é... só só só... pe-pe-pessoal!