Crítica A Mansão da Meia-Noite | As Lendas do Terror numa história clássica

A Mansão da Meia-Noite” é dirigido por Pete Walker, cineasta talvez pouco conhecido para a maioria do público, mas que teve alguns títulos relevantes no gênero, como: “Casa do Pecado Mortal”, “Demência Sinistra” e “Loucura Sangrenta”. Já o roteiro aqui fica por conta de Michael Armstrong, que talvez tenha tido o ápice de sua carreira justamente nesta obra.

O ponto é que a ideia de “A Mansão da Meia-Noite” não surgiu de nenhum deles, mas dos produtores que queriam um filme com os maiores ícones de terror. Assim, Walker e Armstrong ficaram responsáveis em pensar na história, desde que o resultado fosse bom e atendesse esse quesito de ter um elenco expressivo do gênero.

Assim, é importante já alertar que o roteiro aqui não é algo original. Para poupar tempo, eles compraram os direitos da peça teatral “Seven Keys to Baldpate” (lá de 1913), podendo assim usar a história de base e adaptar da forma que achassem melhor. O roteiro então pega elementos-chave de um conto clássico, mas inova de diversas formas.

amansaodameianoite01 319ecFonte: Divulgação/MGM

Em “A Mansão da Meia-Noite”, acompanhamos Kenneth Magee (Desi Arnaz Jr.) em uma aposta: escrever um livro em apenas 24 horas valendo o prêmio de 20 mil dólares. Para tanto, ele vai para a mansão Bllyddpaetwr, local abandonado há 40 anos e ideal para a inspiração. No entanto, a noite que era para ser tranquila pode ser turbulenta com visitas inesperadas.

A Mansão da Meia-Noite vale a pena?

Se você gosta de um bom filme de terror, com aquele ar de antiguidade, cenas que abusam dos jogos de luz e sombras, personagens mais caricatos, trilha sonora caprichada, história cheia de reviravoltas e uma pitada de comédia, devo dizer que “A Mansão da Meia-Noite” é um filme que você não pode perder a chance de adicionar à sua biblioteca de filmes já assistidos.

Verdadeiros ícones do Terror

Importante ressaltar que cada geração é marcada por grandes ícones do cinema, alguns ficam conhecidos por suas performances extraordinárias em determinados gêneros. Este é o caso de Vincent Price, Christopher Lee, Peter Cushing e John Carradine, que, por sinal, compõem o mega elenco de “A Mansão da Meia-Noite”.

Curiosamente, nenhum dos astros deste quarteto lendário é o protagonista desta obra. Quer dizer, eles podem até não ter papéis de longa duração em cena, mas o personagem principal do filme simplesmente fica apagado cada vez que um deles se pronuncia. Não que o roteiro não dê voz para Arnaz, porém é fato que sua atuação é pífia perante os demais gênios. A simples aparição de Vincent Price com um tom sombrio já deixa qualquer um arrepiado.

amansaodameianoite02 56129Fonte: Divulgação/London-Cannon Films

Pode ser que um pouco dessa impressão que temos do quarteto seja justamente pela longa carreira e suas presenças reforçadas propositalmente no roteiro, mas é inegável que eles são marcantes e sabem muito bem contracenar. É até engraçado, porque eles realmente parecem estar num encontro de amigos (aliás, reunião essa única na história do cinema).

Vale pontuar que “A Mansão da Meia-Noite” é um filme que teve distribuição limitada no Brasil. Assim, é normal que ele seja desconhecido, já que apenas alguns poucos privilegiados que viveram os tempos de Intercine na Rede Globo — e ligavam no 0800 para votar nos filmes favoritos — ou que conseguiram uma cópia em DVD puderam apreciar esta pérola com as lendas do terror.

Mistérios da Meia-Noite

Por mais despretensioso que seja o roteiro de “A Mansão da Meia-Noite”, ele consegue dar reviravoltas e deixar espaço para à imaginação. São poucos personagens, cenários limitados e diálogos bem pontuais, mas nada disso limita o potencial da história. Mesmo com uma história já conhecida de base, é inegável que Armstrong traz novidades ao desenrolar dos fatos.

Curiosamente, mesmo sendo uma trama pautada no suspense constante e com boas cenas de terror montadas minuciosamente, o script flerta com um tom engraçadinho, algo que se dá tanto pelas conversas propostas quanto pela presença de Desi Arnaz Jr., que pode não ser um expoente do terror ou da comédia, mas que serve bem para o humor da película.

amansaodameianoite03 c1db4Fonte: Divulgação/MGM

Dessa forma, “A Mansão da Meia-Noite” não é um filme pesado no terror, mas sim uma obra de mistério com um pouco de cada coisa. O horror está muito mais nas nuances das visitas e nas penumbras do casarão que dá nome à película. Contudo, mesmo sendo uma colcha de retalhos, o filme funciona muito bem, divertindo e deixando o público curioso.

Fato é: esse é um daqueles filmes no estilo detetive, em que tentamos descobrir quais são os mistérios, mas que pode acabar com questões em aberto. Aliás, vale apontar: o famoso “Os 7 Suspeitos” (obra inspirada no jogo Clue) saiu depois de “A Mansão da Meia-Noite”. De qualquer forma, no cinema, muita coisa é adaptada, então a inventividade está nos detalhes.

Crítica do filme Desejo Proibido | Tão excitante quanto entediante

Na maioria das minhas críticas, eu gosto de trazer considerações detalhistas sobre os diversos aspectos da obra, indo desde a parte técnica até a própria trama. Contudo, “Desejo Proibido” simplesmente não têm material suficiente para uma discussão aprofundada. Trata-se de um filme raso que tenta se alongar com a desculpa de ser provocativo e sensual.

Ele é caprichado em questões técnicas, que vai desde a ambientação detalhista, trilha sonora original empolgante e, principalmente, uma execução afinada, recheada de cenas próximas, takes em câmera lenta, desfoques sutis e imagens refratadas. Apesar de tudo isso, a história é vazia. O resultado não poderia ser outro: parece um longo comercial de perfume!

Na trama, acompanhamos o romance inesperado de Max (Simone Susinna) e Olga (Magdalena Boczarska). Eles são de mundos conflitantes: ela é uma importante juíza e ele é um turista que está de passagem pela cidade. O que começa com uma troca de olhares acaba virando um romance, mas há um problema: ele é a testemunha em um caso que ela é a juíza. Como se já não bastasse, a coisa fica mais dramática, pois Max tem um passado com a filha de Olga.

desejoproibido01 ddb2fFonte: Divulgação/Paris Filmes

Os grandes dramas de “Desejo Proibido” são esses pequenos conflitos, incluindo os atritos na relação de Max e seu amigo que está passando pelo julgamento. O engraçado é que nada dessa história importa, porque o filme trata tudo de forma tão superficial, que ficamos apenas observando pequenas cenas de discussões intermediadas por longas cenas de sexo.

Desejo Proibido vale a pena?

Tão sensual quanto sacal, o filme “Desejo Proibido” parece não ter um propósito claro e se alonga muito além do que há para contar de fato. Mesmo com uma boa qualidade técnica, o resultado é um monte de cenas longas e sensuais, mas que mais dão sono do que despertam o interesse do público. Talvez, seja o filme ideal para quem gosta de ir namorar no cinema, mas enquanto obra cinematográfica, é um longa-metragem fraquíssimo!

50 Tons de Tédio

É importante enfatizar que, apesar de ter nomes relativamente conhecidos no elenco, a obra polonesa simplesmente não aproveita suas estrelas. Os protagonistas foram claramente escolhidos apenas pelo fator apelativo, já que passam metade do filme se roupas. E eles fazem isso por longas duas horas.

desejoproibido02 34d5eFonte: Divulgação/Paris Filmes

Quero enfatizar que não há qualquer problema em explorar o erotismo, mas quando o filme resolve se vender como um drama com pitadas de romance, esperamos mais do que apenas as cenas de sexo. Essas cenas de drama simplesmente não existem. Felizmente, há alguma química forçada entre o casal protagonista, mas isso não ajuda em nada para fins de trama.

Basicamente, o que temos em boa parte do filme é o ator Simone Susinna fazendo olhares sensuais e exibindo seus músculos durante toda a película. Até parece que a produção quis aproveitar a fama do galã para divulgar a imagem dele e trazer os fãs para ver o rapaz na telona.

Desejo Proibido” chega a esbarrar no limiar entre o sensual e a galhofa, quando temos mais caretas do que resultados convincentes. E aí é que a coisa fica mais parecida com um comercial de perfume, em que não há substância, mas apenas um grande vazio de troca de olhares com uma trilha sonora chamativa.

Aliás, a trilha sonora é talvez o ponto alto de “Desejo Proibido”. Uma pena que não se trata de um CD, pois o resultado até que seria agradável. Então, fica o reforço: se você aprecia seu dinheiro e tempo, eu recomendo que você pule essa experiência no cinema. Caso a curiosidade desperte, você realmente não vai perder nada em aguardar a disponibilidade em algum streaming.

Crítica do filme A Primeira Comunhão | Lenda urbana promissora, mas ainda clichê

Você já viu essa história antes: uma pequena cidade, jovens desavisados, um desvio de rumo e uma maldição sem explicação. Está pronta a receita para um filme de terror, que pode até mudar de idioma e região, mas que, no fundo, vai beber da mesma fonte de outros tantos títulos consagrados.

Sim, “A Primeira Comunhão” aborda mais uma lenda urbana, que, neste caso, se passa na década de 1980 em um munícipio na província de Tarragona, na Espanha. Trata-se de uma história aos moldes tradicionais, em que o mito é passado de boca em boca, mas que, aos poucos, acaba se provando verdadeiro pelos protagonistas.

Curiosidade: segundo o diretor do filme Víctor García, em entrevista ao site RTVE, há de fato uma lenda urbana parecida com a do filme na região da Galícia ou de Granada.  A lenda fala do fantasma de uma menina que desapareceu no dia de sua primeira comunhão, sendo este o pontapé para o roteiro do longa-metragem.

aprimeiracomunhao01 76478Fonte: Divulgação/Paris Filmes

No filme, acompanhamos Sara (Carla Campra), que acaba de chegar à região e, na tentativa de se entrosar, vai curtir a noite com outros adolescentes em uma discoteca. Na volta para casa, eles se deparam com o vulto de uma menina. Na tentativa de achar a garota, Sara encontra uma boneca abandonada. E aí é que os problemas começam.

A Primeira Comunhão vale a pena?

A Primeira Comunhão” usa uma lenda urbana com potencial, mas o roteiro divaga com tantas perspectivas e não esclarece bem os detalhes da maldição. Mesmo com a produção redondinha e o elenco competente, o filme peca ao prometer muito e entregar poucos sustos. Apesar de alguns clichês, ainda vale o ingresso. 

Perdido no emaranhado da trama

A Primeira Comunhão” é um filme que tem boas ideias, o problema mesmo é que ele se perde um pouco para chegar no que importa. O roteiro até tenta guardar surpresas, porém ele também quer ser apelativo já na primeira cena – e já se entrega no começo.

Isto não é exclusivo desta obra (o recente “Oferenda ao Demônio” é parecido neste ponto), sendo um recurso para provar que o perigo é real e a maldição é recorrente. Assim, Víctor García mostra ousadia e que o filme tem um tom sanguinolento.

aprimeiracomunhao02 55fe4Fonte: Divulgação/Paris Filmes

Apesar do primeiro choque, “A Primeira Comunhão” não é tão apelativo no decorrer da trama. A introdução de personagens é vagarosa, até porque há muitos personagens secundários, que agregarão em mais cenas de tensão e eventuais sustos.

O drama contado da perspectiva de Sara é convincente, mas há tantos caminhos e personagens que fazem parte da história, que demoramos a ter maiores explicações sobre a aparição na estrada e o verdadeiro terror por trás da lenda urbana.

O pior é que sem conseguir resolver tudo, o filme usa elementos pouco habituais para complementar a história da maldição e aí falta clareza nos detalhes. Parte dessa ideia talvez seja para deixar pontas para uma continuação, porém é inegável que ele poderia se sustentar de forma mais concreta para o melhor entendimento.

Ambientação assustadora

Apesar de tropeços na trama, é inegável que o diretor de “A Primeira Comunhão” fez a lição de caso quando o assunto é construção de clima tenso. Com uma paleta de cores mais sombria, ambientes pouco iluminados, uma floresta densa, a névoa intensa e os cenários da década de 1980, somos jogados em uma vila propícia para assombrações.

O resultado não poderia ser outro. Após as divagações iniciais, o longa-metragem se aproveita de alucinações, delírios e acontecimentos inusitados para ampliar cada vez mais o mistério em torno da boneca e da aparição inexplicada. Com isso, é inevitável ficar imerso nos cenários permeados por penumbras.

aprimeiracomunhao03 7ec4dFonte: Divulgação/Paris Filmes

Assim, o filme se aproveita tanto da imaginação fértil dos personagens quanto da atenção constante do público para tentar criar as cenas de sustos. O problema é que, como muitas obras do gênero, ele não consegue fugir dos clichês com espelhos, câmeras girando e vultos rápidos.

Como as cenas são um pouco alongadas, quando temos o ápice das cenas, infelizmente não temos o fator surpresa, já que não se trata mais de um susto repentino, mas sim de uma cena que já estávamos esperando. Vale apontar ainda que a trama bebe da fonte de outros filmes muito conhecidos (como “O Chamado”, “A Hora do Pesadelo” e “Annabelle”). Isto não diminui o filme do ponto inspiracional, mas certamente, em alguns pontos, falta ineditismo e temos similaridades em excesso.

Assim, “A Primeira Comunhão” é um filme bem construído, com boas atuações, trilha sonora compatível e história promissora. Há sim os vários tropeços já enumerados, mas o resultado ainda é positivo, com um fator surpresa que vale a pena. Uma boa pedida para os fãs do gênero e que ainda não conhecem muitos filmes de terror espanhóis.

Crítica do filme Oferenda ao Demônio | Terror ousado, mas um pouco pausado

Não é de hoje que o gênero de terror sobrenatural está permeado de roteiros clichês. Quando o assunto é mais voltado aos casos religiosos, a coisa fica ainda mais sem criatividade, sempre focando em possessões, variando apenas os demônios e as respectivas soluções — que, em geral, são sessões de exorcismos com algumas modificações. É sempre mais do mesmo.

Ainda que muitas obras tragam contextos diferentes, tudo gira em torno do cristianismo, mais precisamente do catolicismo. Isto vem desde antes de “O Exorcista”, mas, de lá para cá, estas abordagens ganharam popularidade devido ao público massivo, que tanto conhece a religião no mundo real quanto em suas adaptações na telona.

Assim, quando vemos o trailer de um filme como “Oferenda ao Demônio”, a primeira coisa que desperta é a curiosidade, pois temos aqui um raro exemplar de longa-metragem focado no judaísmo. Não que isso torne a trama extremamente diferente, mas ao menos temos novos ares com rituais que fogem do "Pai Nosso que estais no céu..." tradicional.

oferendaaodemonio03 506a3Fonte: Divulgação/Millennium Media

Na trama, acompanhamos Arthur (Nick Blood) e Claire (Emily Wiseman) durante os meses finais de gravidez, época em que eles decidem visitar o pai de Arthur, Saul (Allan Corduner), para fazer as pazes antes de a criança nascer. Contudo, não se trata de uma simples visita, já que Saul é dono de uma funerária e o ambiente nem sempre é o mais receptivo.

Nestas circunstâncias, Arthur retoma seu posto de ajudante na funerária por alguns dias, mas ele acaba tendo um incidente com um dos cadáveres, o que pode ser a razão para o começo de uma série de problemas. Logo, o casal vai descobrir que um mal antigo habita o perímetro e que um demônio ancião fará de tudo para destruí-los.

Oferenda ao Demônio vale a pena?

Oferenda ao Demônio” apresenta algum nível de ineditismo na abordagem religiosa, de modo que entretém pelo fator novidade com bons momentos de terror. A trama é lenta em alguns momentos e, de vez em quando, se apoia em clichês. Apesar disso, vale o ingresso, principalmente pela ousadia no roteiro.

Produção competente num terror diferente

Quando eu penso na construção de um filme, eu gosto de pensar nas diferentes etapas que compõe o resultado final, já que produção e trama nem sempre estão de mãos dadas. É bem comum um filme ter história inventiva, mas com uma execução bem aquém do esperado — e o contrário também é recorrente no gênero de terror.

No caso de “Oferenda ao Demônio”, temos uma produção bem redondinha. Primeiro, vemos o capricho na fotografia e nos cenários, o que inclui resulta em uma ambientação propícia para os sustos. Parte disso se deve à trama, afinal uma funerária é um local que tem uma conexão bem evidente com o mundo dos mortos.

oferendaaodemonio02 bf850Fonte: Divulgação/Millennium Media

Além disso, vemos um esmero em questões técnicas, como é o caso dos figurinos coerentes, bem como dos efeitos visuais, fundamentais para as tantas cenas com objetos voando, pessoas possuídas e, claro, principalmente para a composição dos personagens assustadores, que sem dúvida alguma recebem atenção especial pelo ineditismo.

Ainda em questão de produção, temos uma trilha sonora bem pontual, nada de sons muitos clichês (como instrumentos de cordas com sons distorcidos que são tão recorrentes em obras do gênero), porém há o uso de composições mais controladas, mas que mantém o tom de suspense por tempos prolongados.

Falta ritmo, mas há ousadia

Como eu já disse, a história de “Oferenda ao Demônio” tem sua pitada de novidade, principalmente por trazer rituais do judaísmo e um inimigo incomum. O filme começa muito bem, com contextualização e cenas que já induzem ao que podemos esperar para o meio da trama, porém, após o pontapé inicial, o ritmo do filme cai consideravelmente.

O que temos em boa parte do roteiro são eventuais cenas de terror, em meio a um drama amplo sobre questões familiares. O filme demora a engatar no confronto com as entidades malignas, o que acaba recaindo num peso desproporcional sobre o elenco, que não tem muito o que fazer, se não desenvolver diálogos fracos e que dificilmente mantêm nossa atenção.

oferendaaodemonio01 057ccFonte: Divulgação/Millennium Media

Boa parte do problema na história se deve também aos protagonistas, que, como de praxe, são pouco inteligentes e suscetíveis ao vacilo. Felizmente, a obra não tenta compensar o ritmo truncado com tantas cenas repetitivas e evita o uso excessivo de jump scare, o que já garante bons pontos para um filme mais honesto.

No fim das contas, “Oferenda ao Demônio” é um projeto com boas ideias, mas que acaba como um filme mediano por conta dos pontos supracitados. Felizmente, os fins justificam os meios, de modo que o encerramento vale a pena. Não que seja uma conclusão de tirar os cabelos, porém o ápice foge do óbvio e salva o que poderia ser um enorme clichê.

Crítica Armageddon Time | Fim do Mundo é uma questão de perspectiva

Alguns filmes não são idealizados para te contar uma história com começo, meio e fim. Longe disso. Muitas vezes, as obras cinematográficas são pensadas para plantar pequenas sementes sobre um ou vários temas, para que você reflita e tire suas próprias conclusões. Não é o padrão de Hollywood, porém tais filmes existem e são muito prestigiados pela crítica.

É o caso de “Armageddon Time”, que, pelo nome, parece um filme de fim do mundo, mas que, no fundo, é uma obra parcialmente biográfica do diretor James Gray. Uma película que retrata um trecho de sua vida, num drama que tenta costurar dramas familiares, questões sociais e como isso reflete no sonho americano.

Vendido com um elenco que inclui Anthony Hopkins, Anne Hathaway e Jeremy Strong, o filme, na verdade, é protagonizado por Banks Repeta, que interpreta Paul Graff, um garoto branco, judeu e de família rica. Essas caraterísticas sobre a realidade de Paul são fundamentais, pois o filme pretende debater privilégios e preconceitos.

armageddontime01 d2bbdFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

A rotina de Paul não tem dificuldades realmente significativas (no que a gente chama de "classe média sofre"), mas a mentalidade do jovem é confrontada quando se depara com situações de racismo, ainda que não direcionadas a ele; os vieses diferentes dentro de sua família, que inevitavelmente confundem sua mente; e as incertezas sobre o futuro, que acabam tendo impacto imediato na vida.

Trata-se de um drama pessoal que tenta mostrar o conflito geracional, principalmente na realidade americana na década de 1980, que prometia o “sonho americano”, o qual, para muitos, foi apenas uma ilusão. Ainda que distante da visão que os brasileiros têm quanto às dificuldades na vida, há aqui pontos-chave válidos para reflexão. Um bom drama, apesar de não ter ponto final.

Uma história muito maior que o filme

Primeiro de tudo, é importante ressaltar que em questões técnicas, não há dúvidas que James Gray é muito cuidadoso no que faz. Você talvez já conheça a competência dele de filmes como “Ad Astra: Rumo às Estrelas” (ficção contemplativa e que agrada se o espectador for paciente), “Z: A Cidade Perdida” (um bom filme de aventura) ou de “Era Uma vez em Nova York” (um drama com tema relevante).

Então, nem é preciso muitos elogios para a direção, fotografia, edição e trilha sonora, porque “Armageddon Time” é um filme bem redondinho nesses aspectos. Assim, o que realmente importa é falarmos de dois aspectos: roteiro e atuações. Ao longo dos próximos parágrafos, vou mesclar tais considerações.

Bom, para falar sobre “Armageddon Time” é preciso uma dose de filosofia. Relaxa, não vou divagar — não muito, pelo menos. O ponto é que ele foge do padrão de dramas que dão uma contextualização e desenvolvem uma história por cima. Como eu disse previamente: não há começo, meio e fim. Trata-se de um recorte da vida do protagonista com pontos relevantes que permeiam esta curta trajetória.

armageddontime02 4e01cFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Aqui, James Gray tenta mostrar que a história como um todo são as diferentes contextualizações que diferentes protagonistas têm a respeito da sociedade e do tempo em que elas vivem. Se hoje você acha que o mundo parece estagnado nas mesmas concepções, é porque você não está enxergando o grande panorama.

Seus avós ou seus pais provavelmente já viram muitas transformações do mundo e talvez vejam um mundo muito diferente de duas, três ou mais décadas atrás — vai dizer que seus avós nunca começaram algumas frases com a seguinte construção: “não, porque no meu tempo era diferente”.

Sim, era tudo diferente mesmo. O mundo já foi mais racista, mais machista e mais preconceituoso. Certamente ele ainda está longe de ser o ideal para todos, porém há uma transição constante entre gerações. E, sempre vale recapitular, a percepção de mundo depende do ponto de vista, então para muitos o mundo é um lugar horrível.

É importante entender que se para nós, adultos, é difícil combater estereótipos e se opor aos retrocessos, imagine como é para uma criança perceber injustiças e tentar lidar com elas sem ter entendimento de mundo ou de futuro. Este é o xis da questão, já que temos aqui um protagonista de 10 ou 12 anos que começa a perceber incoerências da sociedade e, em meio a opiniões divergentes, tenta achar um norte.

O mundo não é igual para todos

O jovem Paul Graff tem dificuldades de concentração na escola, bem como, por vezes, ele divaga ao pensar sobre sua carreira como um grande artista. Para sua felicidade ou infelicidade (entraremos em detalhe sobre isso posteriormente), ele encontra, em meio ao caos, um amigo, Johnny Davies (Jaylin Webb), que compartilha de um dilema: enfrentar a vida sem saber o que é a vida.

armageddontime03 9d097Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Vamos combinar que muitos pais não têm uma noção realista do mundo. Seja por terem recebido uma educação simplista ou por nunca questionarem nada, a falta de atenção na educação dos filhos pode ser uma constante de geração em geração. E o que uma criança faz diante de tantos dilemas? Besteira, é claro!

Este é justamente o rumo que toma a trama do filme: uma revolução por parte das crianças, regado por desobediência e confrontamento. E, então, apesar de compartilharem sentimentos na amizade e pensamentos bagunçados, há um mundo de diferenças separando as realidades de Paul e Johnny.

Paul é um garoto branco, de classe média e que tem situações de desconforto em casa, como seu pai debochando de seu futuro como artista. Felizmente, Paul tem o amparo do avô, Aaron Rabinowitz (Anthony Hopkins), que não apenas é muito sábio, como respeitada em sua família e alguém que apoia o garoto.

armageddontime04 82401Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Já o pequeno Johnny é negro, pobre e tem situações complexas em casa — isso para não dizer situações extremas. A verdade é que ele deveria morar com sua avó, mas acaba fugindo de casa para não ser enviado para um lar adotivo, já que a avó está doente e não tem condições de cuidar propriamente dele.

Aos poucos, Paul percebe as situações de racismo enfrentadas pelo amigo, ataques que vêm do professor que o pune constantemente, ou dos colegas e da sociedade como um todo. A amizade dos dois passa por muitas provações quando Paul muda de escola e ele se afasta de Johnny principalmente pela influência dos novos colegas.

Nem todo filme tem uma moral

A solução? O apoio do avô Aaron, que sofreu preconceito durante boa parte da vida pelo simples fato de ser judeu. No entanto, há outras situações que se desdobram e mostram ao pequeno Paul que o futuro de sucesso, o tal sonho americano, talvez não seja para todos e que a sociedade geralmente trabalha contra os desfavorecidos.

E se você rolar a página um pouco verá que o ano de publicação desta crítica é o mesmo de lançamento do filme: 2022. No entanto, a ambientação de “Armageddon Time” é lá no início da década de 1980, portanto temos aqui uma janela de quase 40 anos que prova que as questões raciais, as injustiças e os preconceitos continuam fortes e precisam ser combatidos e debatidos. Não por acaso este filme existe.

armageddontime05 b8705Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Aliás, pausa para elogiar as excelentes atuações de Banks Repeta e Jaylin Webb. Se para o grande público já é complicado absorver as ideias do filme, é preciso de muito talento por parte do elenco mirim para conceber as minúcias e incorporar personagens complexos que talvez estejam bem distantes de suas realidades.

Por outro lado, é interessante como os adultos têm participação enxuta neste filme. Assim, apesar de vender muito com o nome dos famosos, todos têm papeis praticamente secundários, mas é claro que as atuações de Anne Hathaway e Jeremy Strong são fortes (com o perdão do trocadilho). No entanto, como de praxe, é Anthony Hopkins que realmente se destaca, tanto por ter maior relevância na trama quanto por ser um ator fenomenal.

Enfime, chegamos ao grand finale, que não é tão grand e talvez não seja um finale. Eu sei que a sensação para muitos ao fim do filme pode ser que “nada acontece”, já que o roteiro acaba de forma brusca e sem entregar uma moral. Bom, eis a moral: a luta por uma sociedade melhor para todos não é uma obrigação do filme, já que mesmo uma odisseia talvez não seria suficiente para resolver as injustiças sociais.

Contudo, é importante relembrar que a concepção que temos de filmes enquanto puro entretenimento não é uma máxima. Aos que gostam de chorar com dramas e ver tramas com finais felizes, há uma variedade de outras obras. Só que este não é o tipo de filme que “Armageddon Time” quer ser e, de vez em quando, é bom pensar fora da caixinha.

Critica do filme Adão Negro | Poder nascido da raiva... dos espectadores

Errado desde a sua concepção, Adão Negro falha em quase tudo que tenta fazer. Originalmente visto como um vilão para o filme do Shazam! – o que de fato seria uma ideia interessante, haja vista a justaposição dos dois personagens nos quadrinhos – o conceito foi engavetado para que The Rock pudesse encarnar o personagem em um filme solo.

Com esse primeiro erro tudo começa a ruir pela base. Tudo no roteiro é acidental, nada parece ter um propósito maior a não ser oferecer uma plataforma para que The Rock flexione seus músculos, destrua paredes e dispare raios.

O elenco principal, leia-se aqui o próprio The Rock, Pierce Brosnan e Aldis Hodge – os únicos com algum material para trabalhar, e que parecem se esforçar para entregar algo além de frases de efeito e caras contemplativas – logo se rendem aos gritos de guerra e “piadotas” sem graça. Criticar é fácil, mas é difícil fazer igual, o estilo Marvel esté visivelmente saturado, entretanto, mesmo em seus momentos mais lamentáveis (vide Thor: Amor e Trovão) ainda entrega produções minimamente coerentes.

Nascido da raiva (dos espectadores)

Nos quadrinhos, Adão Negro é um personagem interessante, cuja história de origem e flexibilidade moral fazem a sua vilania beirar o anti-heróismo. No roteiro abobalhado assinado por Adam Sztykiel (Rampage - Destruição Total) em parceria com Rory Haines e Sohrab Noshirvani (O Mauritano), as ações de Adão Negro são basicamente justificáveis por conta da imbecilidade de todos os outros.

Para alegria do “nerdola incel” que odeia pensar, o filme não aproveita seus momentos de “lacração” o que elevaria consideravelmente o nível intelectual da produção. O suposto herói em conflito não apresenta nenhum conflito, temos um “Wolverine” místico que pode ser violento, mas que ainda opera dentro dos “limites” de um anti-herói. Talvez por conta do carisma inato de Dwayne “The Rock” Johnson, o roteiro nunca explora a verdadeira dualidade de Adão Negro e a fina linha que separa anti-heróis e vilões.

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A presença da Sociedade da Justiça é outro elemento que beira o ridículo pelo esforço consciente dos roteirista em transformar a equipe em capangas do governo. Não há qualquer e esforço para trazer a tona discussões como o intervencionismo estadunidense, ou o fato de que super-heróis estão seguindo ordens de agencias governamentais com agendas escusas.

Além disso, a própria formação da Sociedade da Justiça já mostra o desdem com o time, apesar de trazer Gavião Negro (Aldis Hodge) e Senhor Destino (Pierce Brosnan) dois nomes famosos nos quadrinhos, a escolha pela introdução de Cíclone (Quintessa Swindell) e Esmaga-Átomos (Noah Centineo) é um bom exemplo de como não há qualquer sentido nas decisões do roteiro. Cíclone e o Esmaga-Átomos são mal desenvolvidos e literalmente não fazem qualquer falta para o desenvolvimento do filme.

Muito mais do menos

Considerando que ainda há quem defenda outras produções do DCEU (o universo cinematografíco da DC), como o infeliz Liga da Justiça de Zack Snyder, é fácil entender como Adão Negro deve encontrar seu público. Em um amalgama de pancadaria em câmera lenta e equipes de super-herois desorganizadas e personagens moralmente ambíguos, o filme consegue sim entregar um catadão do que há de pior nos filmes da DC, em um mix de Batman vs Superman e O Esquadrão Suicida.

Dito isso, é inegável que o exagero se torna um atributo de Adão Negro. É na pancadaria que o filme, e o diretor Jaume Collet-Serra (Jungle Cruise) se consagram. As cenas de ação são grandiosas e a fotografia de Lawrence Sher (Coringa) ajudam a entregar alguns bons momentos de puro suco de gibi, mas será que isso é suficiente?

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Além de estabelecer um sub-gênero bem definido os filmes inspirados nos heróis dos quadrinhos evoluíram e já não se limitam a mostrar pancadaria e feijoada. Não há vergonha em apreciar uma cena de luta belamente coreografada, da mesma forma que não há demérito em fazer o espectador pensar.

Personagens bem elaborados e desenvolvidos são essenciais para qualquer produção, mas parece que Adão Negro sofre com o que só pode ser descrito como descaso da Warner/DC. O mesmo estúdio que entregou o Batman de Matt Reeves - um filme multifacetado com personagens profundos e história envolvente - não investe esforço algum no desenvolvimento de Adão Negro, acreditando que a mera presença de Rock carregará toda a película, uma pena, e mais uma ótima chance perdida para reestabelecer o sempre cambaleante DCEU.