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Critica do filme O Predador (2018) | As definições de porradaria foram atualizas

Mesmo lá atrás, nos saudosos anos 80 — quando músculos, piadas e desejos homoeróticos camuflados dominavam as bilheterias com astros bombados e filmes explosivos — ninguém realmente esperava um impacto permanente quando “O Predador” chegou às telas em 1987. Com personagens marcantes e um roteiro ágil (incluindo aqui uma tonelada de frases de efeito) o filme estrelado pelo maioral, Arnold Schwarzenegger e uma trupe de machões (incluindo Carl Weathers, Jesse Ventura e Sonny Landham) — cuja metragem acumulada de bíceps deve guardar alguma menção no Livro Guinness dos Recordes — acertou em cheio na mistura de ficção científica, suspense e ação.

Duas continuações, outros dois filmes derivados e uma sorte de brinquedos, videogames e histórias em quadrinhos depois, a franquia O Predador parecia destinada a mediocridade. Sem nunca ter encontrado o mesmo tom que a produção original, a série não consegue deslanchar. Eis que Shane Black — uma verdadeira cria dos anos 80, tendo participado do filme original — promete recuperar a franquia adaptando seu peculiar estilo oitentista para uma nova geração de fãs.

Nesta nova edição da série, a criatura ressurge ainda mais perigosa e encontra adversários formidáveis que conseguem entregar todo o humor e ação que tanto definiram a geração de Black. Apesar do roteiro inconsistente, o filme se sustenta muito bem ao se basear no elenco carismático, ação alucinada e humor rápido. “O Predador" (2018) pode não ser o melhor da franquia, mas tira por completo o gosto ruim deixado pelas edições anteriores. 

A caçada evoluiu 

A história foca em Quinn McKenna (Boyd Holbrook de “Logan”), um atirador de elite do exército estadunidense em missão no México que tem um inesperado encontro com um Predador quando a nave da criatura cai na Terra. Mckenna sabe que ninguém acreditará na sua história e resolve enviar partes do equipamento alienígena para sua casa nos Estados Unidos, mantendo assim um trunfo contra as autoridades que pretendem simplesmente eliminar as testemunhas do evento. No entanto, o pacote acaba sendo interceptado por seu filho Rory McKenna (Jacob Tremblay) — um garoto com transtorno do espectro do autismo, cujo savantismo linguístico o torna essencial na luta contra os alienígenas.

Entre alienígenas, agências governamentais secretas, e alienígenas ainda maiores, os Mckenna terão que correr muito para sobreviver. Eis que entram em cena os “pirados”, uma unidade de ex-militares com distúrbios psicológicos, que assumem a briga de McKenna conforme tentam lidar com seus próprios demônios.

Shane Black assina o roteiro com outro ícone oitentista, Fred Dekker (Deu a Louca nos Monstros, A Noite dos Arrepios, RoboCop 3…), e a dupla usa e abusa do que eles mais sabem — clichês dos anos 80. Não faço aqui uma crítica, bem com a dupla também não parece fazer uso disso como sátira dentro do filme. A impressão é que os dois realmente entendem desse estilo e finalmente tem a liberdade para “refinar a sua arte”.

Os outros caras legais...

Você vai encontrar todas aqueles elementos clássicos de 30 anos atrás. A trupe de desajustados (carismáticos e com talentos peculiares), a criança que parece saber mais do que todos os adultos, rivais que devem unir forças para superar um inimigo comum… Estão todos aqui.

A dupla “Black & Dekker” revê esses elementos sem deixá-los datados. Mesmo com os deslizes da história no terceiro ato, os dois conseguem entregar um filme coerente, engraçado e que agrada em cheio aos fãs do gênero, independente da sua idade.

Ao bom caçador convém boa caça!

Manejando com muita habilidade as cenas de ação com os momentos mais calmos, Shane Black oferece a medida certa de conteúdo para os personagens se desenvolverem e não parecem meros alvos para o Predador. Entra aqui o grande trunfo do filme, o elenco. Sustentando todo o filme, o elenco principal, encabeçado por Boyd Holbrook, carrega a película com muito louvor.

Na velha tradição do “chocolate com baunilha”, Holbrook encontra em Trevante Rhodes um parceiro à altura. Na pele de Gaylord "Nebraska" Williams, Rhodes ajuda a definir a dinâmica que rege todo o filme, equilibrando brutalidade e humor.

Suas atualizações de porradaria foram atualizadas!

A química entre os personagens transparece de maneira natural, mesmo quando o ritmo do filme fica mais acelerado. Além de Quinn e Nebraska, que agem como parceiros de longa data, outra dupla também se destaca: Keegan-Michael Key (como Coyle) e Thomas Jane (na pele de Baxley). Familiarizados com comédias de ação, os dois são o “alívio cômico” propriamente dito.

Do outro lado temos o excelente Sterling K. Brown como o asqueroso Will Traeger. Em uma atuação bem distante do Randall Pearson (do seriado “This is Us”), Brown assume por completo o papel de “vilão” não-oficial da película.

“A caça pode ferir mortalmente o caçador”

Entre erros e acertos, Shane Black faz justiça a uma das franquias mais interessantes e mal aproveitadas de Hollywood. Com uma criatura imponente e uma mitologia que se expande muito além do cinema, os filmes da série nunca conseguiram alcançar o mesmo apelo que o original. Ciente disso, Black se conforma em “reescrever” o que deu certo no passado, entregando uma grande ode aos filmes de ação dos anos oitenta e reinterpretando alguns elementos para uma nova geração.

O Predador (2018) é uma releitura interessante do estilo oitentista de "chutar traseiros"

O diretor constrói cenas de ação elaboradas e empolgantes. Essa correria toda ajuda na maior parte do filme, desviando a atenção do espectador da trama, no entanto, tudo desmorona no terceiro ato. Quando colocada em foco, a história não possui fôlego suficiente para se sustentar sozinha. Felizmente o elenco ajuda a carregar esse peso e mesmo com os inúmeros deslizes narrativos o filme como um todo é muito agradável.

Fãs da franquia podem questionar as influencias para o futuro da franquias, ou o uso indevido da criatura dentro da sua mitologia expandida, mas considerando o histórico, “O Predador” (2018) merece muito louvor ao criar algo diferente dentro de um modelo já explorado a exaustão. O que não significa dizer que a memória de "O Predador" (2018) predurará com você muito além de alguns passos depois de sair da sala de cinema...

Crítica do filme Alfa | Um menino e seu cachorro

Keda (Kodi Smit-McPhee) é o filho do líder de uma tribo de homens (pelo recorte de 20.000 anos atrás, muito provavelmente um grupo Cro-Magnon do Paleolítico Superior). Em um mundo duro no qual “somente os fortes sobrevivem” o rapaz atravessa os ritos de passagem da maturidade que devem formar o herdeiro da liderança do bando.

No entanto, diferente de seus companheiros, Keda não apresenta a mesma aspereza dos outros, tirando sua força do “coração” e não dá brutalidade. Durante sua iniciação em uma caçada em grupo, o rapaz acaba sendo jogado de um penhasco por uma manada de bisões e é dado como morto por seus companheiros.

Agora, ferido e longe de sua família, o jovem deve empreender uma “incrível jornada” de volta para casa, mas ele não estará sozinho ao longo do seu caminho. Ao cruzar com um lobo, igualmente machucado e isolado de sua alcatéia, os dois formam uma aliança que transformará para sempre as suas vidas e a história da humanidade.

Todos os problemas de Alfa, e são vários, não impedem Albert Hughes de entregar um filme leve que evoca toda a diversão pueril típica dos filmes “família” das matinês. O roteiro, previsível e arrastado, é compensado por visuais belos e empolgantes.

Uma imagem vale mais...

Se visualmente Albert Hughes se esforça para trazer uma linguagem arrojada, o diretor simplesmente abdica de qualquer “inovação” na hora de amarrar o roteiro (assinado por Daniele Sebastian Wiedenhaup) com os visuais exuberantes.

Talvez Hughes deveria ter tirado algumas lições de Jean-Jacques Annaud e seu maravilhoso épico pré-histórico “A Guerra do Fogo”, e ter buscado outras formas de comunicação para passar sua mensagem - mesmo que as “ferramentas linguísticas” do Paleolítico Superior serem mais desenvolvidas -, fugindo assim de diálogos desnecessários, e piegas.

Os poucos diálogos, compostos quase que exclusivamente de frases de efeito que parecem saídas diretamente dos pôsteres de divulgação, revelam a superficialidade da narrativa. Hughes mostra algum talento na direção. Apoiado na fotografia de Martin Gschlacht, o diretor trabalha bem os planos e os ângulos para mostrar toda a beleza do mundo e a fragilidade do protagonista. O uso inteligente da câmera lenta também entrega cenas estilizadas e cinematograficamente empolgantes.

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A trama, com uma pegada realista/naturalista à lá Jack London - traçando paralelos entre homem e fera, natureza e civilização - tem elementos interessantes. Infelizmente as falhas narrativas acabam entregando uma história superficial que nunca alcança seu potencial.

Parafraseando o jovem Morty (da animação Rick e Morty) as histórias deveriam começar do início e não no momento em que elas ficam interessantes. O primeiro ato se estende demais, com um flashback que rouba tempo do que realmente importa, a jornada de Keda e Alfa, seja ela literal (retornando para casa) ou figurativa (de crescimento).

Chamado Selvagem

Longe de se equiparar a clássicos como “Caninos Brancos”, ou até mesmo o recente “O Regresso”, Alfa faz um trabalho decente em tentar contar uma história batida em um cenário diferente. A jornada de volta para a casa está recheada de clichês, que não elevam o gênero, mas se encaixam no formato juvenil, próprio dos contos de fada, com a evolução física e emocional do herói.

No final, Alfa é uma boa desculpa para quem quer comer um balde de pipoca

No melhor estilo “um garoto e seu cachorro” de tantos outros filmes “família”, Alfa faz a lição de casa, mesmo que erre algumas tarefas. A história é pobre e a direção não compensa essa superficialidade da trama, mesmo assim, Albert Hughes apresenta um filme “fechado” que agrada sem impressionar.

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Crítica do filme A Freira | Cê é loka, irmã! Sangue de Jesus tem poder!

E olha só se não é a temporada da profanação chegando aos cinemas. Depois de muita espera, os fãs do universo sobrenatural idealizado lá em 2013 pela Warner ganha um novo capítulo.

A Freira” é o quinto título que integra o folclore obscuro de “Invocação do Mal”, sendo mais um spin-off (junto com Annabelle) das aventuras paranormais do casal Warren.

No centro desta nova história, temos a criatura demoníaca trajada de freira — apresentada ainda em “Invocação do Mal 2”. Todavia, o enredo aqui não dá continuidade aos fatos deste capítulo lá de 2016, tampouco tenta criar uma conexão direta com os investigadores.

Aproveitando a pegada que já tivemos da boneca amaldiçoada, os idealizadores de “A Freira” (incluindo o já renomado James Wan) optaram por desenvolver uma história do zero — até porque estamos falando de uma criatura que apareceu no filme e não tinha um background definido na época.

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O hype foi grande desde a primeira imagem da produção e aumentou exponencialmente com a divulgação do trailer. E, também, é claro que os fãs do terror, tendo visto os episódios até aqui, já tinham a certeza de que o resultado seria excepcional. No entanto, um conselho de amigo já neste primeiro momento: não vá com muita sede ao poço amaldiçoado.

A verdade é que “A Freira” é assustador em sua essência — principalmente pela concepção da criatura e de todo o misticismo que a cerca —, mas que talvez fique levemente aquém do esperado no quesito convicção, por conta de uma história um tanto enevoada. É um filme imperdível para os aficionados pelo gênero, porém há algumas ressalvas nessa missa.

A profanação em novos hábitos

Não sei se vocês repararam nos filmes recentes de terror, mas muitos títulos têm usado táticas para conseguir driblar a tecnologia e facilitar o clima de tensão. Afinal, se você pode acender a luz, usar um celular  pra chamar a polícia — que já vai chegar e mandar chumbo grosso nos demônios — ou mesmo pegar um carro e sair no pinote, o medo já cai por água benta abaixo.

Aí, para facilitar nesse sentido e ainda pra desenrolar melhor uma história de origem, os responsáveis pelo roteiro de “A Freira” voltaram algumas décadas no tempo e optaram por terras longínquas na Romênia. Nesse cenário, a gente acompanha o suicídio de uma freira que vive enclausurada numa abadia, situação que será investigada pelos protagonistas do filme.

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No centro dessa história, a gente tem o padre Burke, que, seguindo as orientações do vaticano, leva a jovem e inocente Irmã Irene — que ainda está prestes a fazer seus votos finais — para investigar o caso. A dinâmica do filme é bem dividida entre os dois, mas é interessante como a garota tem um peso muito mais importante no decorrer dos eventos.

As atuações são convincentes, mas, novamente, o destaque fica para Taissa Farmiga (Irene), a qual se mostra muito mais expressiva e faz a ponte para o público sofrer um impacto muito maior. Demián Bichir não deixa a desejar, porém se mostra mais tímido, talvez também por conta do seu personagem. Agora, algo muito infeliz, é a presença de Jonas Bloquet, que está aqui sumariamente para fazer graça, destoando de tudo que a gente podia esperar no filme.

Integra o time, de forma muito importante, a própria Freira e suas irmãs. Falando especialmente da peça-chave do filme, temos aqui um misto de atuação em cena e fora de cena. Muitas das vezes, a Freira aparece sutilmente como uma sombra ou em meio a penumbra, sendo que suas aparições contribuem com o que mais gostamos neste tipo de filme: medo em sua pura forma.

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É bom a gente comentar aqui como é interessante ver essa mudança de uma personalidade habitualmente abençoada para uma criatura diabólica. O contraste entre bem e mal numa mesma figura é impressionante, pois o simples fato de vermos qualquer uma das freiras já nos dá calafrios. E nesse sentido, todas as integrantes do convento são fundamentais na trama.

Deus acaba aqui

A concepção do personagem principal certamente foi o que mais demandou tempo (e dinheiro) nessa produção. E ainda bem que gastaram bons trocados nisso, pois toda a construção do personagem — o que inclui aí a maquiagem e os efeitos especiais — é o que mais chama atenção durante os noventa e poucos minutos da película.

A criatura maligna se esconde em qualquer canto e não perde uma chance de levar o nosso coração ao limite. Inclusive, eis aqui outro acerto do filme: fotografia. É notável que “A Freira” é muito dependente desse jogo de luz e sombra. Tanto é que as circunstâncias do roteiro apelam muito para cenas com velas e ocasiões de pouca luz.

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Há também um apelo constante para a presença de névoa, algo que deixa um mistério no ar e nos faz questionar constantemente a sanidade dos personagens — e também a nossa. Tudo muito bem pensado e funcional para manter o suspense a todo instante.

Paralelamente, a gente tem um design de som coerente, que abusa dos cenários claustrofóbicos do castelo, mas que não perde a chance de usar um cemitério e algumas sinetas para ecoar o clima de tensão em nossa cabeça. A trilha sonora talvez seja um tanto simplista, mas não deixa de cumprir seu papel.

No fim do dia, apesar de um esforço colaborativo do elenco e da construção funcional do terror em muitas cenas, o maior tombo de “A Freira” está nos tropeços do roteiro, que fica dando voltas desnecessárias, focando em frivolidades e apelando demais para o famoso jump scare. O script parece meio perdido, sem saber para onde ir e optando por recursos bem relaxados.

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Particularmente, eu esperava algo muito mais elaborado no roteiro e, sinceramente, a eliminação total e completa do clima de humor — não existe qualquer razão de ter esse lado num filme desse tipo. Além disso, eu tenho a certeza plena que um terror mais psicológico, com uma pegada mais ousada, deixaria o resultado muito mais assustador.

De qualquer forma, a gente tem aqui um longa-metragem razoável para os fãs, mas quem sabe um novo capítulo possa ser mais tenebroso. Boa sorte para quem for assistir ao filme nos cinemas. Levem seus crucifixos, bíblias e água benta.

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E vai quebrando senhor toda maldição e em nome de Jesus vai caindo por terra toda potestade e intercede deus de mistério quebra toda feitiçaria e todo poder e glória aleluia jesus e olha deus fazendo a obra recebaaa!

Crítica do filme Ferrugem | Cuidado com o que compartilha

Quando você compartilha imagens íntimas, você também compartilha consequências. Esse assunto enfrentado por muitos pais, professores e adolescentes torna “Ferrugem”, dirigido por Aly Muritiba, um filme universal. O conteúdo compartilhado pode gerar consequências bem graves, como no caso abordado no longa e em histórias que são vistas diariamente na internet.

Desde sua estreia no Festival de Sundance em janeiro e mais recentemente ganhando os holofotes após levar o Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado, “Ferrugem” tem como objetivo principal gerar discussões a respeito do tema.

A campanha “#eAgoraqueVoceSabe” foi criada para que essa discussão seja centralizada, compartilhando os possíveis problemas causados pelo compartilhamento de conteúdos íntimos, além dos cuidados para não ser vítima de “revenge porn”.

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A trama já está apresentada no trailer, que já serve como ponto de partida para uma discussão mais detalhada, mas o interessante é ver como as consequências das ações dos personagens são abordadas. O roteiro é assinado por Muritiba e Jessica Candal, que dividem o filme em duas partes, a primeira focada na jovem Tati (Tiffanny Dopke) que teve um vídeo íntimo vazado e a segunda em todas as consequências dessa atitude.

A direção de fotografia de Rui Pocas entrega o tom necessário para cada momento da história, alternando entre explosão de cores e algo quase monocromático. Mas o brilho fica por conta do desenho de som de Alexandre Rogoski, criando uma sutil atmosfera angustiante complementada por longos momentos de silêncio mórbido.

A primeira parte é decididamente feita pensando nos adolescentes, com um ritmo acelerado, muita cor e música, mas que abruptamente se torna um drama familiar carregado de tons escuros e longos momentos silenciosos na segunda parte. A perspectiva da história passa para Renet (Giovanni de Lorenzi), um garoto esquisito e depressivo, que parece estar bastante abalado por tudo que aconteceu com Tati.

Enquanto a primeira parte trilha o abrupto caminho auto-destrutivo de Tatiana, a segunda parte revela momentos cotidianos da vida de Renet, com a culpa corroendo e se arrastando lentamente, tal como ferrugem. 

Sua esquisitice é reflexo do divórcio de seus pais e todo esse cenário aliado a falha de comunicação é exposto com Renet se recusando a falar com sua mãe Raquel (Clarissa Kiste) e seu pai/professor Davi (Enrique Diaz) que está aprendendo a exercer a função de pai desde que Raquel o deixou. 

Raquel representa uma mulher que busca seu espaço sem ter medo de ser feliz. Depois de se dedicar exclusivamente aos filhos durante 17 anos, parte em busca de tudo que ela abandonou antes de formar uma família. Ela não possui o tradicional sentimento de culpa por nada disso, muito menos em deixar a guarda dos filhos, que ela deixa bem claro que ama muito, com o ex-marido. Ela é a personagem mais sensata e que aparece para movimentar a trama, e consequentemente representa diversos tabus a respeito de família e do papel da mulher na sociedade e na maioria dos filmes. 

Um dos momentos mais geniais é a conversa entre Raquel e Davi dentro do carro. A cena toda é gravada do banco de trás do carro, e assim como toda a segunda parte, é bastante fechada e intimista. Chove bastante e o vidro do carro começa a embaçar. Enquanto Davi dirige, Raquel tenta conversar para tentar resolver ou pelo menos entender o que está acontecendo durante o tempo em que ela esteve longe.

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Entre remorsos e lembranças do passado, Raquel fala que Davi nunca a enxergou de verdade, e por isso seu novo marido é diferente. Enquanto várias coisas são discutidas e esclarecidas, ao final da cena o vidro está desembaçado e a chuva parou. Esse é o tipo de cuidado, tanto na direção quanto roteiro, que tornam Aly Muritiba tão respeitado.

A quebra no tom da narrativa infelizmente resulta em um enredo desnecessariamente complicado e insuportavelmente previsível. É claro que era exatamente essa a ideia a ser passada, a noção de responsabilidade, a comunicação aberta entre pais e filhos e também todas as formas erradas de lidar com isso, como tentar acobertar os erros dos próprios filhos com mentiras.

A premissa é bem cativante, mas o segundo ato é tão lento que retira boa parte do drama. Por outro lado, não acaba de uma forma ainda mais sombria, servindo quase como uma lição para ser transmitida nas escolas e evitar que esse tipo de situação continue se perpetuando. Nenhuma das cenas polêmicas são mostradas na íntegra, já que o objetivo é conscientizar e não chocar, mais um ponto positivo para que o filme sirva de ponto de apoio para discussões como bullying, revenge porn e atos semelhantes.

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Apesar da proposta ser interessante, alguns detalhes impedem “Ferrugem” de ser um filme categórico e abafam seu impacto. A própria disparidade de tempo entre os dois atos, mesmo construindo bem o clima opressivo com os enquadramentos apertados e todas as boas ideias já citadas, a primeira parte não dá a profundidade necessária para que haja mais tempo de empatia com a protagonista.

Talvez a escolha seja proposital, já que essa é a história de diversas meninas que passam por essa situação, mas a distância emocional persiste e a superficialidade dos diálogos colabora para aumentar essa sensação. De forma alguma os atores ou o roteiro são fracos, mas falta uma certa audácia nos confrontos entre personagens, mas acaba sendo mais didático que de fato cinematográfico.

Sem dúvida “Ferrugem” merece todo o destaque e prêmios que já conquistou, principalmente por mostrar um Brasil diferente do esperado, além de debater um tema sempre relevante, propondo reflexões interessantes sobre o tema, mas não impacta tanto quanto poderia. Ainda assim, é recomendadíssimo para todas as idades e público, e que o cinema nacional continue com esse nível de abordagem.

Crítica do filme Slender Man: Pesadelo Sem Rosto | Se você vir já será tarde

Criado a quase uma década atrás, lá nos idos de 2009, como parte de uma batalha de edição de imagens do fórum de discussão Something Awful, o Slender Man “reciclou” mitos do passado e renovou a tradição oral dentro da internet. O desafio era simples, “criar imagens de teor paranormal”, mas o usuário Eric Knudsen (também conhecido como "Victor Surge") foi além. Ao apresentar duas imagens em preto-e-branco de grupos de crianças acompanhadas de uma figura espectral alta vestida de terno preto, o artista recriou um mito transformando-o em meme.

Desde então a criação de Knudsen já rendeu filmes, videogames, livros e outros projetos que expandem e moldam a mitologia da criatura da mesma forma que as antigas tradições orais adaptaram histórias conforme eram contadas. Agora é a vez da Sony entrar na brincadeira e tentar faturar um trocado contando a sua versão do “homem esguio”.

Com um elenco jovem e promissor, comandado por Joey King (A Barraca do Beijo), e roteiro de David Birk (do controverso Elle) o filme Slender Man - Pesadelo Sem Rosto fica mudo e não empolga em nenhum momento. A direção monótona de Sylvain White (do igualmente horrível Eu Sempre Vou Saber o que Vocês Fizeram no Verão Passado) aposta em clichês e tem dificuldades para acertar o tom de suspense. No final, se você não cochilar nenhuma vez, fica apenas a impressão de que trata-se de mais uma boa ideia mal aproveitada.

"As aspas de Gutemberg”

O impacto social do Slender Man se tornou evidente quando uma série de incidentes violentos foram relacionados ao mito, sendo o mais notável o caso do esfaqueamento em Waukeshasin, no qual Anissa Weier e Morgan Geyser, duas garotas de 12 anos, deram 19 facadas em uma colega como parte de um ritual para aplacar os desejos de Slender Man.

Mesmo que moralmente contestável, a terrível história real das garotas de Waukeshasin já seria uma base muito mais interessante e relevante do que a concebida por David Birk. Reaproveitando elementos típicos do terror sobrenatural e transformando o Slender Man em uma lenda urbana nos moldes de Candyman - que após conjugado passa a perseguir seus invocadores - o roteirista não se arrisca e por conta disso cai na vala comum dos filmes de terror pré-adolescente.

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Rumores de intervenções do estúdio na edição final podem explicar algumas das falhas da história e, principalmente, da montagem do filme. Mesmo assim, o diretor Sylvain White faz escolhas erradas ao longo de boa parte da fita. Se o início é promissor, com um clima de suspense psicológico, tudo vai por água abaixo do segundo ato em diante.

Sustos previsíveis e uma narrativa monótona deixam o filme arrastado e, francamente, chato. O elenco principal até entrega momentos interessantes, mas a direção pouco inspirada e o roteiro derivativo não ajudam os atores a explorarem outros aspectos da cena, ficando atados a meras reações de medo e confusão. Uma pena haja vista o potencial do personagem e da própria equipe que, em trabalhos anteriores, já mostraram talento.

Creepypasta

Se você procura um filme de terror sobrenatural melhor esperar por outra edição da série Invocação do Mal ou quem sabe A Entidade - que é uma mutação óbvia da historia do Slender Man. Ambas as produções usam os mesmos clichês visto em Slender Man: Pesadelo Sem Rosto, mas com roteiros e direção muito mais inspirados.

Agora, se o que você quer é algo especificamente sobre o Slender Man também existem opções muito melhores. Um ótimo exemplo é o documentário da HBO, Cuidado com o Slenderman, que aborda o esfaqueamento em Waukeshasin e a mitologia do personagem para criar um filme inteligente e muito mais aterrorizante do que a obra de Sylvain White.

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Slender Man: Pesadelo Sem Rosto e um filme lento que não aproveita as deixas que ele mesmo lança. A ideia de explorar os limites entre alucinação e realidade é uma proposta interessante e que se encaixa muito bem no mito do Slender Man, mas que é muito mal aproveitada no filme. Com uma direção nada inspirada e um roteiro insípido, Slender Man: Pesadelo Sem Rosto é um desperdício de bons conceitos e de um elenco jovem muito promissor.

Crítica do filme O Protetor 2 | O pau vai comer solto!

Os filmes já nos ensinaram que não devemos mexer com a filha dos outros, com a esposa de pessoas de bem e, muito menos, com o cachorro de sujeitos que tão vivendo a vida numa boa.

Só que as regras mudaram muito em 2014, quando Robert McCall (Denzel Washington) entrou em cena para dar um recado mais amplo: não mexa com a boa vizinhança e os amigos dele.

Em “O Protetor”, nosso amigo mostrou que ele faz de tudo para ser um bom samaritano, mas para quem não pegou o recado, agora McCall volta às telonas em “O Protetor 2” para mostrar que a chinela vai arder forte no lombo, principalmente depois que vacilam forte com a melhor amiga do cara.

Munido de muita boa vontade, ele continua sua jornada do bem em territórios internacionais e distribui bala por onde passa. E se você acha que aqui é só frase de efeito, você acertou na mosca, mas também não é para menos, porque o cara está ainda mais manjador. Pra quem curtiu o primeiro filme, minha dica é: embarca nesse Lyft que o rolê tá ainda mais loko!

Hey, quer uma carona para o inferno?

No trailer, já deu pra flagrar que o McCall agora tá numa vibe de Uber — e se não tá fácil pro Denzel, imagina pra nós, meros mortais né? Aí que o cara agora é tipo o taxista do Gugu, fica ali de boa no volante, só fingindo que não é com ele e aí faz as pegadinhas e desce o sarrafo nos malandros (acho que no SBT não era bem assim, mas tudo bem).

Só que meus amigos, aí é que está a graça da coisa. Se o primeiro filme a gente já tinha boas motivações, como a camaradagem do protagonista e seu senso de justiça apurado, agora a gente tem isso e ainda mais cenas de emoção sobre quatro rodas. A parte ruim desse passeio é que o filme, às vezes, fica dando voltas desnecessárias, mas quem nunca, né?

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Felizmente, não demora muito pro roteiro engatar a marcha e tacar o pau na história principal. Uma coisa muito legal em “O Protetor 2” é que além do arroz com feijão, a gente tem a chance de degustar novos sabores de adrenalina. O script começa de forma ousada, tem alguns altos e baixos, mas, aos poucos, vai dando substância para McCall e aí a gente gosta ainda mais do sujeito.

E aí que, vez ou outra, em meio a cenas como aquela do cartão de crédito (no trailer), a gente ainda ganha mais boas cenas de leitura, conselhos de vida e diálogos cheios de pompa pra garantir ainda mais emoção. É o verdadeiro combo de ação que a gente gosta e sem precisar apelar pra piadas sem graça ou caras que são pura bomba.

Pensa num cara pistola...

Se existe a definição atualizada de “pistola” nos dicionários, muito provavelmente ela deve ter menções à Liam Neeson, Keanu Reeves e Denzel Washington. Também, tem situações da vida que tiram a gente do sério. Quer coisa pior do que vir uns arruaceiros e pichar tua vizinhança? Coisas assim só deixam a gente mais tristes com o mundo e aí, não tem jeito, o negócio é deixar a cinta fazer a música do Beto Carrero na costa dos sem vergonha.

Então, se por um lado a gente tem aqui uma continuação mais sólida sobre o personagem, por outro a gente tem esse personagem ficando mais puto em dose dupla, o que significa mais cenas de ação. Algumas são tão icônicas quanto as do primeiro longa-metragem e outras são ainda melhores. A produção não poupa esforços e, sem rodeios, já mostra com quantos murros se dá uma surra.

Não, não existe um roteiro genial por trás de “O Protetor 2”, mas o roteirista Richard Wenk (o mesmo do filme anterior) faz um trabalho legal e até consegue surpreender em vários casos. O melhor é claro que é a cereja do bolo, mas não tem parte desse bolo de ação que vai deixar você insatisfeito.

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Acredito eu que parte do sucesso neste filme foi justamente a equipe que se manteve praticamente intacta. O diretor Antoine Fuqua retorna na parceria com Washington, garantindo um pagode de qualidade e cheio de ritmo envolvente. As cenas de ação são muito bem coreografas e só nisso o filme já tem um trunfo. Agora, quando a gente tem aquele gatilho da câmera lenta e do McCall cronometrando a pancadaria, meus amigos, é só vitória!

Aliás, eu acho muito legal ter um novo herói nas telonas, um herói do dia a dia, que faz as boas ações e resgata a fé na humanidade. Ninguém melhor que Denzel Washington pra isso, que nos surpreendeu mais uma vez aqui, com ótima atuação. Ele é muito centrado nos diálogos, mas as técnicas de combate são de uma simplicidade tão ímpar, que dá gosto ver ele arregaçando as mangas e tomando cuidado pra manter o figurino intacto.

No fim das contas, a questão que fica é: você já assistiu à Jornada nas Estrelas? Se sim, e se você quer uma vida longa e próspera, é bom avaliar o filme com cinco estrelas. Só confia e pega seu ingresso que “O Protetor 2” é um baita filme de ação. Recomendado pros fãs do gênero!