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Crítica do filme Cegonhas | Uma cegonha só não faz sermão...

Depois de fazer vários desenhos da turma da DC Comics e dos personagens LEGO (incluindo variações de histórias da DC), a Warner Animation Group resolveu diversificar seu portfólio.

“Cegonhas – A História Que Não Te Contaram” é uma animação que nos leva a conhecer as estruturas de operações dos famosos animais que nos trouxeram ao mundo.

Sim, é mais ou menos aquela velha história de que os pais encomendam os bebês para a cegonha. Acontece que, já faz algum tempo, essas aves pararam de trabalhar neste ramo. Atualmente, elas fazem entregas para o site LojadaEsquina.com.

Nesta empresa, acompanhamos a jornada de Junior, a cegonha mais top nas entregas, que está prestes a ser promovido quando acidentalmente ativa a Máquina de Fazer Bebês, produzindo uma bebezinha adorável e totalmente não autorizada.

Para evitar a demissão, ele precisa entregar a encomenda. Entretanto, o que era para ser uma tarefa tranquila, fica difícil quando Junior machuca sua asa. Sorte dele — ou não — é que sua amiga Tulipa, a única humana na Montanha da Cegonha, resolveu embarcar com ele numa viagem animal. Aí é confusão pelo mundo na tentativa de resolver o problema...

Já para adiantar, dá para dizer que, em um mercado em que temos animações brilhantes, filmes como “Cegonhas” não convencem o público. Ainda que siga a cartilha — com piadinhas, músicas animadas e uma história legal —, a falta de comunicação com um público maior e até a ausência de lições não ajudam o título a sair do chão. Agora, vamos falar mais do filme...

Mais vale um pássaro amigão...

A história de “Cegonhas – A História Que Não Te Contaram” é bem simples. Ela tem começo, meio e fim. Os clichês estão aqui, as piadinhas são bem repetitivas, mas tem muita coisa legal para aproveitar no filme.

O principal acerto neste bando de pássaros são os protagonistas, principalmente o Junior, o pombo Toady e a humana Tulipa. Esses três roubam boa parte das cenas, com piadas bem encaixadas. Eles dificilmente interagem juntos, mas cada um tem uma personalidade que acaba entregando algo de único para o desenvolvimento da trama.

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O estilo de animação segue uma tendência que já vimos, com colorido reforçado, personagens humanizados, cenários propícios para muita confusão (como o próprio centro de entregas) e uma coerência entre todos esses elementos. O resultado final mostra a competência do estúdio, que demonstra qualidade similar ao de concorrentes como Pixar.

Na incrível aventura para entregar o bebê, Junior e Tulipa também encontram muitas adversidades que, obviamente, são o prato perfeito para criar confusões e encaixar as piadas. Muito legal ver as ideias que a Warner teve para encaixar, mesmo que de forma exagerada, a alcateia de lobos, que certamente garantem boa parte das risadas.

Do que uma passarada sem noção

A tradução do nome do filme no Brasil pode ser bastante enganosa. Tudo bem que "Cegonhas" conta realmente uma história que, se levado em conta os mínimos detalhes, não tinham nos contado ainda. Acontece que este filme da Warner pega uma corrente de ar em uma direção bem diferente daquela que imaginamos ao ver o trailer.

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O filme tem um probleminha de identificação com o público. A gente tem, hoje, muitas animações (como as da Pixar) que conseguem falar com todos e até fazer adultos chorarem. O roteiro de “Cegonhas” dialoga bastante com crianças que ainda imaginam - por serem enganadas dessa forma - as cegonhas entregando bebês.

Nenhum problema nessa premissa, mas a falta de evolução dos temas para que outros públicos (incluindo crianças maiores) possam enxergar mais conteúdo interessante acaba sendo algo que pesa bastante na execução deste voo experimental da Warner.

As “Cegonhas” entregam uma mensagem, mas é um recado para poucas crianças...

Enfim, a falta de lições direcionadas ao público-alvo é talvez o que mais incomode. O filme até tenta conversar com pais, mas tudo passa voando pela tela e nem chega a convencer. “Cegonhas – A História Que Não Te Contaram” é um tanto óbvio, reforça ideias sobre famílias diferentes, tenta falar sobre diversidade, mas uma cegonha sozinha não faz diversão.

Se você adora animações, veja “Cegonhas” no cinema, mas não espere nada além de um filme divertidinho com músicas legais.

Crítica do filme Kóblic | Alçando voos não tão altos

Ricardo Darin, presente em todos diversos filmes argentinos novamente faz parceria com o diretor Sebastian Borensztein (de Um Conto Chinês) em um drama construído sobre a consciência de um piloto atormentado por seu passado militar durante a ditadura.

O ano é 1977 e somos apresentados ao capitão Tomás Kóblic (Ricardo Darín), comandante da Marinha Argentina, chegando ao fictício povoado de Colonia Elena, localizado em algum lugar da província de Buenos Aires, para trabalhar como piloto de pulverização nos campos da região. Durante a trama, Kóblic é atormentado por cenas de seu passado sombrio, e os reais motivos de sua chegada ao povoado levantam suspeitas do xerife Velarde (Oscar Martínez).

Progressivamente e em momentos bem distintos, os “flashbacks” de Kóblic mostram que sua missão era pilotar um “voo de morte”, basicamente arremessar pessoas em alto mar de dentro de um avião. Ele se recusa a participar dessa atrocidade, mas apenas quando já é tarde demais. Por sua insubordinação, ele precisa se esconder por um tempo, e essa é a razão por escolher pilotar um avião de pulverização em um local isolado.

Uma história de amor não muito bela

Durante sua estadia no povoado, o avião que ele deveria pilotar acaba quebrando, impossibilitando o trabalho. Contudo, como não pode sair dali, Kóblic permanece fazendo trabalhos em um hangar para um amigo que o está ajudando a permanecer escondido. O xerife começa a desconfiar dele, e as suspeitas aumentam ainda mais quando ele descobre que Kóblic é um militar, fato que havia sido ocultado até então.

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E para complicar ainda mais, o piloto acaba se apaixonando por Nancy (Inma Cuesta), que corresponde imediatamente a esse amor. Ela trabalha no posto de gasolina e é casada, de certa forma, com um tipo não muito amigável. Os detalhes desse “casamento” acaba sendo a única profundidade da personagem, pois seu papel aqui é de dama indefesa esperando pelo seu príncipe encantado que pilota aviões

E dessa forma, os papéis são bem definidos, no velho maniqueísmo mocinho contra bandido. Mas para deixar isso ainda mais explícito logo nos primeiros momentos vemos Kóblic salvar um cachorrinho com a pata machucada em uma noite de tempestade, enquanto que o vilão xerife Velarde assassina friamente um cão que late incessantemente para proteger seu dono, apenas para mostrar o quanto é mau.

Toda a trama é claramente uma analogia ao período da ditadura, sendo o povoado uma representação em miniatura da Argentina, o xerife Velarde um corrupto e totalmente favorável ao nepotismo, tratando brutalmente todos os que se opõem aos seus métodos.

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Apesar das excelentes atuações e dos aspectos visuais e sonoros, a história demora para ser desenvolvida e nos minutos finais parece um filme diferente, talvez uma licença poética em relação a justiça e uma conclusão para a trama, mas que destoa muito do resto e não convence. A impressão é de que para Kóblic, a única punição para seus crimes é sua própria consciência.

É sempre interessante acompanhar filmes fora do eixo Hollywoodiano, mas infelizmente a procura por filmes chamados de "estrangeiros" nas salas de cinema é ínfima se comparada aos títulos mais comerciais. Kóblic acaba chamando atenção pela direção e atuações, mas possivelmente será abafado por ser uma história bem focada e que talvez não agrade o público em geral, mas ainda é uma opção interessante.

Crítica do filme O Silêncio do Céu | “Quem cala, consente” ganha um novo sentido

Assistir a uma cena de estupro é e sempre será algo perturbador, especialmente se você é colocado na posição de quem sofre esse tipo de agressão. E é exatamente isso que o longa-metragem “O Silêncio do Céu” faz com o público logo em sua cena inicial.

No filme dirigido por Marco Dutra com roteiro de Sergio Bizzio, Carolina Dieckmann dá vida a Diana, uma estilista brasileira que vive no Uruguai com a família: o marido Mario (Leonardo Sbaraglia) e os filhos Nina e Julián. 

Recém reunidos depois de um ano separados, eles vivem um momento de reestruturação. No entanto, essa reconstrução é interrompida brutalmente quando Diana sofre violência sexual dentro da sua própria casa. Uma violência que é escancarada sob todos os ângulos, uma vez que o filme retrata a cena com diversas perspectivas.

Como acontece com grande parte das vítimas de violência sexual, Diana fica em choque e sua reação é o silêncio. Assustada, envergonhada e intimidada, ela esconde o fato do marido e dos filhos, guardando segredo. 

Diana não é exceção. Uma pesquisa divulgada pela Via Lilás em junho deste ano mostrou que mais de 70% das mulheres vítimas de violência não denunciam o agressor nem reportam o crime. Por quê elas não denunciam? Aqui vão algumas razões:

Um em cada três brasileiros acredita que a mulher tem culpa em casos de estupro, de acordo com pesquisa divulgada pelo Datafolha nesta semana.

Em 72% dos casos de violência, o agressor é alguém próximo da vítima: companheiro, marido, pai, amigo.

A atriz Luiza Brunet, de 54 anos, denunciou o ex-companheiro, o empresário Lírio Albino Parisotto, de 62 anos, de agressão e abuso doméstico. Ele continua livre até hoje e acusa a mulher de ter inventado e aumentado o caso.

Em fevereiro, a cantora Kesha denunciou os abusos que vinha sofrendo há anos por parte do marido, o produtor musical Dr. Luke. Ela não apenas teve sua causa ignorada pela justiça como foi obrigada a continuar trabalhando com ele pelo contrato que tinha com a Sony.

No ano passado, 35 mulheres estamparam a capa da revista Rolling Stone acusando o humorista Bill Cosby de cometer violência sexual. Embora tenha sido preso preventivamente e acusado formalmente, o ator saiu da prisão sob fiança e continua em liberdade, aguardando um julgamento que provavelmente não vai sair.

Esses casos não são os únicos, claro. Mas, se a impunidade e a repetição da violência se evidenciam em casos que ganham projeção, eu faço um convite a que você apenas imagine o que acontece no anonimato. 

O ponto é que Mario, cuja principal característica pessoal é o medo que ele sente de tudo, estava chegando em casa no momento do ataque e presenciou tudo, sem coragem para se mexer e impedir o estupro. 

A partir disso, o casal embarca em uma jornada de medo e silêncio em que ambos precisam entender e lidar como que vem acontecendo. 

Medo e silêncio

Diferente do que se imagina, “O Silêncio do Céu” não é apenas sobre o ato de violência em si. E, embora tenha muito de suspense, o longa-metragem aborda uma série de questões relacionadas ao trauma e às consequências deste tipo de situação para a vida das pessoas envolvidas. 

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Um pouco decepcionante, embora contribua e muito com o sucesso da narrativa do filme, é que a perspectiva da personagem Diana é muito menos trabalhada do que a de Mário, que acaba sendo o protagonista muito mais ativo.

Por conta disso, talvez, é que a personagem – e a atuação – de Carolina tenha ficado um tanto apagada. A opção por trocar a nacionalidade da protagonista, que no livro que deu origem à história não é brasileira, justificou muito bem o espanhol um tanto atrapalhado da atriz, mas achei que não foi a melhor performance dela, que já emocionou um país inteiro em papeis como o da novela Laços de Família, quando ainda era bem mais jovem.

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O talento do elenco é, por sinal, um grande ponto positivo do filme. Atores coadjuvantes como Chino Darín e Mirella Pascual, além do menino Dylan Cortes, arrasam em seus papeis, mostrando um trabalho competente e contribuindo com o bom resultado final.

Mesmo no caso da protagonista, não é que a performance da atriz não seja satisfatória, longe disso. Apenas esperava uma Carolina um tanto mais madura e até mesmo mais expressiva, dada a profundidade do papel, e que a mulher que sofreu a violência tivesse mais protagonismo na história. 

Na evolução da história, acompanhamos o silêncio pouco a pouco tomando forma, enquanto o relacionamento e a vida dos protagonistas vão se deformando.

Se por um lado, esse ponto é um pouco problemático, no sentido de que é quase como se o filme calasse mais uma vez a mulher que sofre a violência (é recorrente que apenas o homem tenha voz), por outro, a excelente execução técnica do longa-metragem faz com que justamente a perspectiva se torne um aspecto central e positivo - tanto do roteiro quanto do produto final. 

Podemos acompanhar de perto e intensamente a agonia e o medo dos personagens. Vemos e sentimos o que Diana está sentindo junto com ela, mas tudo pelo olhar sensível e íntimo de Mário. 

Precisamos falar sobre Mário

Talvez você conheça esse ator de impressionantes 46 anos (e carinha de 35) por filmes como “Relatos Selvagens”, uma das melhores produções latinoamericanas recentes, onde ele interpreta o arrogante motorista de um carro de luxo que entra na briga com um singelo caminhoneiro. 

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Uma das grandes estrelas do cinema portenho, Sbaraglia tem um currículo que conta com 80 produções, entre filmes e séries para TV. Essa fama toda em seu país de origem não é à toa. Em “O Silêncio do Céu”, o artista parece crescer, tamanha é a qualidade de sua atuação. Hora um pai amoroso, hora um homem em pânico, hora misterioso, ele traz uma grande carga de verossimilhança para o seu personagem, que é, de fato, tão dúbio.

Seus medos, seja na narração, seja na atuação, parecem ganhar forma à medida que o protagonista vai se desenvolvendo. A manerira como a narrativa se constrói, com Mário em silêncio enquanto ouvimos sua voz ao fundo, faz com que o espectador se sinta dentro da cabeça do personagem, o que torna o filme ainda mais instigante.

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Acompanhamos muito de perto o conflito do homem que se cala quando vê sua esposa fragilizada. Se cala tanto, que o silêncio é quase um personagem, é concreto. Na evolução da história, acompanhamos o silêncio pouco a pouco tomando forma, enquanto o relacionamento e a vida dos protagonistas vão se deformando.

Calar-se, quando se trata de violência, também é uma forma conivente de violentar.

É por isso que, em “O Silêncio do Céu”, a ausência de fala e de voz é um elemento tão central. É usado tanto entre os personagens, quanto na composição e montagem de filme. A opção por não utilizar trilha sonora contribui para a construção da história, mas também para a construção de algumas das melhores cenas do filme. 

Terminamos o longa-metragem perplexos e quietos. Não importa como o filme se encerraria. É um assunto que nos intimida, nos inquieta e nos cala, ao mesmo tempo. 

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E todos os aspectos técnicos ajudam muito. A fotografia do filme e a iluminação utilizada, com jogo de sombras e de luz, os ângulos de filmagem e a perspectiva, os enquadramentos, tudo contribui para formar um relato muito completo de um caso que tem como objetivo nos fazer pensar sobre a violência – e o faz muito bem.

Se você se sensibiliza com questões de gênero e de violência contra a mulher, faça sua parte e vá aos cinemas para ver “O Silêncio do Céu”. Agora, se você faz parte dos 37% dos brasileiros que acha que a mulher tem culpa por sofrer estupro, neste caso assistir esse filme se torna uma verdadeira obrigação, para que você entenda por que é que as mulheres se calam e por que é que elas definitivamente não têm culpa em casos como este. 

Crítica do filme O Convite | Há convites que não devem ser aceitos

Ineditismo é uma coisa um tanto rara em filmes de suspense, já que muitos se aproveitam de velhos roteiros, bem como clichês, e apenas trocam alguns elementos para surpreender o público, que, muitas vezes, nem se toca das similaridades.

Não é por acaso que “The Invitation”, filme que chegou há pouco tempo no Netflix, vem despertando a atenção de muita gente. Apesar de ter uma história bastante simples, o longa-metragem de Karyn Kusama consegue prender a atenção do espectador com pequenas coisas.

A história do filme trata de uma situação um tanto bizarra, mas talvez aceitável para muitas pessoas.  Will (Logan Marshall-Green) recebe um convite de sua ex-esposa, Éden (Tammy Blanchard), para participar de um jantar entre amigos na casa onde viviam.

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Sem entender direito do que se trata a reunião, Will decide aparecer, junto com sua atual esposa, Kira (Emayatzy Corinealdi), para o tal jantar. Chegando lá, ele revê a ex-esposa após dois anos do término do relacionamento, bem como conhece o novo marido dela, David (Michiel Huisman).

Uma reunião dessas já não seria muito amigável em situações normais, mas o passado trágico dos divorciados deixa tudo ainda mais esquisito. Todavia, Will logo suspeita do comportamento da ex-esposa e de alguns convidados. A noite promete ser longa e qualquer atitude parece fora do normal.

Torta de climão com cobertura de tensão

Como você pode ver pelo resumo acima, a história de “The Invitation” não é extraordinária. A trama se apoia sobre um argumento simples, que é a questão da dificuldade em superar um antigo relacionamento. Contudo, o grande trunfo é a intensificação da tensão, com vários acontecimentos que deixam o espectador cada vez mais curioso e na defensiva.

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Ao chegar na casa para o jantar, Will é induzido a cair numa teia de mistérios. Ele conhece vários personagens peculiares, principalmente o novo marido de sua ex-esposa, e logo começa a suspeitar de que tem caroço nesse angu há muitos segredos guardados na sua antiga casa. Por trás de cada feição, o protagonista enxerga uma série de possibilidades que o deixam encucado.

Os diálogos são, em alguns casos, vagos e, noutros, um tanto esquisitos. Todos que estão ali parecem suspeitos e cada ação tomada nos leva a fazer várias perguntas em segundo plano. Será que essa reunião é uma história de vingança? O que aconteceu para Will e Éden se divorciarem? Quem são as novas pessoas que não fazem parte do círculo de amizades?

Sabe aquela pulga atrás da orelha? Então, ela não sai dali o filme todo...

São muitas indagações e o climão só aumenta. Curiosamente, o texto é de Phil Hay e Matt Manfredi, dupla que já escreveu coisas como “Fúria de Titãs” e “R.I.P.D. - Agentes do Além”. Desta vez, contudo, eles acertaram, pois não ficaram nos clichês e montaram uma história de suspense bastante interessante. O clima do filme é mais ou menos o que você vê no trailer, mas o roteiro toma rumos inesperados, o que é bastante positivo.

Paranoia constante

A história de “The Invitation” é o ponto principal do filme, porém parte do mérito se deve às boas ideias na execução. Primeiramente, temos um elenco bastante convincente, que, além de combinar com a trama, se mostra competente na hora de criar as discussões e embolar o espectador no meio da teia de mentiras e joguinhos sujos.

Os destaques mesmo ficam para Logan Marshall-Green (Will), Tammy Blanchard (Éden) e Michiel Huisman (David), que são os principais e, obviamente, são mais constantes nos diálogos. Logan mostra seu talento ao transparecer desconfiança em cada olhar e ação tomada. O ator — que já mostrou seu talento na série Quarry — é misterioso e combina perfeitamente com o personagem.

Bom, mesmo sem ter muita conexão com o restante da história, a primeira sequência do filme já acerta na dosagem de suspense, de modo que o espectador fica curioso para saber o que vai acontecer na sequência. A produção abusa de cenas desfocadas, aproximação de objetos e uma movimentação apertada em cenários internos. Tudo isso incomoda, mas no sentido positivo, já que a ideia é passar a sensação de desconforto.

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A fotografia do filme, ainda que bastante restrita, também colabora para a montagem da história. A casa isolada, os ambientes internos, a iluminação, a presença de penumbras e outros recursos contribuem para incrementar o suspense. Nunca se sabe o que há no outro cômodo, nem que segredos a casa guarda.

Agora, se tem uma coisa que funciona bem demais é a trilha sonora. Cada nota é introduzida com cautela, dando tempo para o espectador prestar atenção nos demais sons e aguardando o momento certo para apresentar uma continuidade que deixa a respiração cada vez mais ofegante. A música do trailer dá uma boa ideia do que é apresentado ao longo do desenvolvimento da trama.

Com tudo isso dito, fica o conselho para conferir de perto “The Invitation” na sua telinha em casa. É a pedida perfeita para ver no escurinho, com uma boa xícara de café e o som em alto volume. Só não pense em chamar ex-namorado para essa sessão.

Crítica Sete Homens e Um Destino | Sai o épico, entra a representatividade

“Eu procuro justiça, mas aceito vingança”

O Sete Homens e Um Destino original, de 1960, é provavelmente um dos maiores nomes do gênero western produzidos até hoje. Seu enredo foi baseado no clássico japonês Os Sete Samurais, do lendário diretor Akira Kurosawa, que por sua vez, também bebia na fonte dos filmes de faroeste ocidentais, mais precisamente dos longas de John Ford.

Nesse emaranhado criativo ganhamos ao longo dos anos algumas refilmagens, continuações e releituras da obra original, tendo como destaque, por exemplo, a animação Vida de Insetos, da Pixar (isso mesmo, você não leu errado).

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De volta ao velho oeste

Sete Homens e Um Destino (The Magnificent Seven) de 2016 utiliza sem pudor a premissa básica da história e assume o caráter de um remake completo. Um vilarejo no velho oeste americano sofre nas mãos de um magnata do ouro, o qual usa toda a violência de seus capangas (e até mesmo de homens da lei) para controlar as minas de ouro da região, deixando a desolada cidadela a mercê de suas vontades. Para confrontar a situação, os habitantes locais, que não possuem aptidão nenhuma para lutar, decidem contratar alguns forasteiros para os protegerem.

É nessa hora que entram os heróis em cena. Os sete escolhidos formam um grupo de homens habilidosos – e atores de renome – para combater os vilões, cada um com uma característica diferente. O filme reúne o brilhantismo do oscarizado Denzel Washington, o senhor das estrelas Chris Pratt, o cult Ethan Hawke, e o atual rei do crime da série do Demolidor, Vincent D'Onofrio. Completam o time os atores Byung-hun Lee (sul-coreano), Manuel Garcia-Rulfo (mexicano) e Martin Sensmeier (nativo norte-americano).

A união de astros de etnias diferentes é um êxito da refilmagem. Um negro assume a liderança de um grupo composto por diferentes rostos, entre eles um oriental e um índio. A escolha pela diversificação racial passa muito além de uma opção comercial ou marqueteira. A pluralidade aqui está diretamente atrelada à qualidade do filme, sendo o que ele oferece de melhor.

O diretor Antoine Fuqua dá um tiro certeiro no comando de seus atores. Outros acertos do diretor são: fotografia digna de um western, com planos abertos e que sabem utilizar a luz natural, mesmo que sejam inflamadas por lentes de correção pós-produção; o encaixe da trilha sonora típica, empolgando nas cenas de ação ou criando suspense quando necessária; um storytelling honesto que não tem acanho ou vergonha de seguir os mesmos passos de seu antecessor, mas que procura saídas mais objetivas para adequar o produto em seu tempo.

Muito tiro, pouca ousadia

Em questões técnicas, mesmo contando com a ótima fotografia de Mauro Fiore ou com a trilha sonora precisa de James Horner e Simon Franglen, ele não possui nenhuma passagem marcante ou de impacto que ficará gravado por anos em sua memória. Um contraste direto é com a própria múscia. Impossível não lembrar do tema do original de 60 e seu instrumental exorbitante. (pan pan pan pan, pan pan pan pan pan ♫)

A versão moderna deixa o épico de lado e vai atrás do cinema politicamente correto, mesmo com o alívio cômico de alguns do bando de protagonistas. Saem os bandidos mexicanos do passado e entra o americano imperialista, que explora seu próprio povo. Não obstante, a criação de elementos genéricos, os quais se tornaram vícios de blockbusters atuais, se tornam presentes.

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O nêmesis escolhido é um retrato claro. O bandido feito por Peter Sarsgaard chega a ser tão dispensável quanto os chistes de sua personagem. Já os “mocinhos”, que são a maioria foras-da-lei em busca de redenção ou um punhado de dólares, até apresentam uma certa profundidade, como o atirador que tem medo de atirar “Goodnight Robicheaux”, papel de Ethan Hawk, ou o cavaleiro solitário com cicatrizes do passado em busca de justiça, Sam Chisolm, interpretado por Denzel Washington – papéis os quais ficam aquém da caricatura de Charles Bronson, por exemplo, pistoleiro da versão clássica.

Saudosismo à parte, se por um lado o novo Sete Homens e Um Destino não é um filme de impacto que será lembrado daqui 50 anos, ele é um remake que merece atenção por representar sua geração, na qual um branco pode ser antagonista e um negro pode ser herói.  

Crítica do filme Conexão Escobar | Muita astúcia, mas pouca ousadia

Pablo Escobar foi um dos maiores desgraçados da face do planeta Terra, tendo destruído milhares de vidas e feito uma fortuna ao ser o rei da cocaína por muitos anos.

Não é por acaso que vários diretores e escritores dedicam tempo e recursos para mostrar as peripécias de um canalha que colocou medo em toda uma nação e prejudicou tantas vidas.

É claro que Escobar não agia sozinho. Ele tinha alguns homens de confiança para ajudar a colocar os filhos dos outros nas drogas. O filme “Conexão Escobar” retrata a história real de como um agente do FBI conseguiu a confiança de muitos amigos do colombiano e como foi o esquema para encurralar vários criminosos.

Na película, acompanhamos parte da carreira do agente federal Robert Mazur (Bryan Cranston), que conseguiu se infiltrar no maior cartel de drogas colombiano usando a identidade de Bob Musella, um empresário especializado em lavagem de dinheiro que, neste processo, ficou amigo de Roberto (Benjamin Bratt), um dos braços de Pablo Escobar.

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“Conexão Escobar” é baseado na verdadeira história da batalha de um homem contra o maior cartel de drogas do mundo, a qual foi escrita pelo próprio Robert Mazur. Um filme que impressiona ao mostrar como funcionava parte das alianças e da atuação do grupo que atuava em escala internacional. Merece atenção pelas boas atuações e a trama cheia de surpresas.

O nome é Musella, Bob Musella

Gênio, manjador, corajoso, astuto. Estes são adjetivos que poderiam ser usados para descrever Bryan Cranston, mas também são características do personagem que ele interpreta em “Conexão Escobar”. Se tem uma coisa que dá vida à história dos fatos que estamparam os jornais lá na década de 1980 é a vivacidade com que Cranston interpreta Musella.

O protagonista desta história é sujeito muito familiar, mas que se mostra dedicado a combater a criminalidade. Sempre muito correto, Mazur não é o tipo do cara corruptível, tampouco alguém que fica satisfeito com pouco. Ele sempre mira em coisas grandes e não por acaso ele arquiteta toda uma tramoia para pegar os capangas de Escobar.

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Todavia, é a capacidade de mentir com convicção que garante o sucesso da missão. Após virar Bob Musella, ele leva uma vida de bandido – e até deixa de lado seu lar, já que as relações com os criminosos exigem muita dedicação. Agora, na obra cinematográfica, toda essa teia de mentiras só é possível graças ao talento de Cranston, que nos convence em cada ação.

O Bob Musella de Bryan Cranston é um cara admirável, que finge muito bem cada detalhe, que é boa pinta, que não gagueja, que não pestaneja. Se tem uma coisa que faz este filme andar é o talento deste ator, que acertou novamente ao pegar um personagem que ele é capaz de dominar e nos convencer de que estamos perto dos fatos.

Um mundo não tão perigoso...

Bom, a história de “Conexão Escobar” e os acertos do elenco são características que valem todo o tempo sentado no cinema, mas a experiência poderia ser melhor com um capricho adicional em alguns pontos da execução.

Primeiro, vamos falar de direção. Brad Furman não é um cara com uma carreira expressiva. Ok,  ele já trabalhou com Matthew McConaughey (em "O Poder e a Lei"), Tyrese Gibson e, desta vez, chama o Cranston para sua lista de amigos, mas ter gente top no time não é tudo.

A ação é mantida no freio de mão, derrapando em partes que poderiam ser angustiantes

Para falar bem a verdade, a execução de “Conexão Escobar” não é nada espetacular. A pegada do diretor foge bastante do que esperamos de um filme desse tipo. A direção de Furman cumpre o papel de mostrar a história, mas a simplicidade na execução não garante toda a emoção possível para um roteiro tão cheio de perigo. É só o arroz com feijão mesmo.

Para ser sincero, a falta de explicitude incomoda bastante. Um filme que trata sobre o mundo das drogas e não mostra os reais problemas e perigos acaba sendo bastante simplório. A ação é mantida no freio de mão, derrapando em partes que poderiam deixar a plateia muito angustiada e com medo pelos protagonistas.

Tirando uma ou outra cena, o filme se mantém mais na defensiva do que na linha de frente, onde realmente mora o perigo. Tudo bem, a história real pode ter tido muitos acontecimentos nos bastidores, mas o roteiro poderia reverter as cenas mais violentas ao entregar um pouco mais de ousadia.

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Felizmente, há algum capricho em outras partes, como figurino, trilha sonora, elenco de apoio e fotografia. As cenas com os figurões do crime são ótimas, com muito clima de tensão e boa resolução de diálogos. Aí é que atores como Benjamin Bratt em trajes muito finos acabam marcando boa presença. Algum tom de comédia com John Leguizamo também deixa a trama mais leve, o que é bem interessante num roteiro denso.

Enfim, "Conexão Escobar" não é um blockbuster, não tem efeitos especiais de deixar impressionado, então não espere muita coisa inovadora. O filme é pé no chão e apresenta o que tem de apresentar, mas certamente poderia ficar mais envolvente e agitado. De qualquer forma, uma boa pedida para as telonas!