Critica do filme Midsommar - O Mal Não Espera a Noite | Antropologia do medo

Ari Aster é sem sombra de dúvida um dos grandes nomes do cinema de terror contemporâneo. Seguindo a sua estreia avassaladora, o diretor de Hereditário entrega uma produção que solidifica seu talento e consolida seu estilo de direção e escrita. Em Midsommar – O Mal Não Espera a Noite o diretor desenvolve a mesma angustia presente em sua primeira obra, evocando terror mais com a história do que com sustos baratos.

Fugindo da obviedade, Aster constrói um filme competente que beira a etnoficção. Com uma câmera que se introduz no meio, sem fazer parte dele, o diretor apresenta antropologia visual com uma espécie de docuficção etnográfica escandinava. Com a mesma habilidade singular evidenciada em Hereditário, Ari Aster subverte os clichês do gênero e as expectativas do público, criando um filme difícil de classificar.

Midsommar – O Mal Não Espera a Noite exige um olhar crítico do espectador, algo difícil de encontrar na maioria dos filmes de terror, forçando interpretações que vão além das próprias imagens e diálogos apresentados, mas que explorem contextos socioantropológicos. Assim como Robert Eggers (A Bruxa), Jordan Peele (Corra), ou Ben Wheatley (Turistas), Ari Aster busca o desenvolvimento de um terror substancioso, que sacie o espectador por mais tempo do que alguns minutos, permanecendo com você para além da sessão.

Fãs do gênero vão apreciar as releituras propostas por Aster, enquanto os nãos iniciados ficaram investidos na construção do ambiente extremamente imersivo. Midsommar – O Mal Não Espera a Noite é sem sombra de dúvida um dos melhores do ano. Com uma história envolvente, um elenco excelente (destaque para Florence Pugh) e uma direção formidável, o filme reescreve o tradicional terror folclórico do passado de maneira artística e palatável para a geração contemporânea.

Festa junina

Dani (Florence Pugh) acaba de vivenciar uma terrível tragédia familiar e além de todo o trauma a garota ainda tenta manter vivo o relacionamento com seu namorado Christian (Jack Reynor). Em meio ao caos da vida de Dani, o casal é convidado pelos amigos de Christian para irem até a Suécia, e participarem das festividades do solstício de verão. Mas em vez de pular fogueiras e dançar quadrilha, as festas são muito mais próximas das celebrações pagãs que comemoram a chegada da nova estação.

Um dos artifícios mais inteligentes de Ari Aster ao longo de toda a narrativa de Midsommar é que ele não esconde nada do espectador, sabemos desde o início da película que nada está bem e que tudo vai piorar. Pouco a pouco o diretor introduz elementos que sugerem o que está para acontecer e mesmo assim seguimos a jornada totalmente investidos na história.

midsommar01 46527

Além disso, o diretor brinca com luz, cor e sons para mostrar que o medo não precisa se apoiar em nenhum desses elementos. Na terra do sol da meia-noite não há momentos de escuridão total, assim, o suposto mal acontece sob um céu ensolarado totalmente diferente do que se espera de um filme de terror sombrio.

Com um estilo que parece ter sido destilado diretamente do mestre Stanley Kubrick, Aster guia a câmera de maneira fluida e explora a ótima fotografia Pawel Pogorzelski para deixar claro que cada enquadramento é relevante para a história em si. Aster parece ter encontrado uma linguagem capaz de traduzir o terror tradicional para novas audiências.

midsommar02 00bdd

Inferno são os outros

Se Ari Aster merece ser celebrado pelo seu trabalho atrás das câmeras, o elenco principal de Midsommar também deve partilhar desses elogios. Will Poulter, Jack Reynor, William Jackson Harper e Vilhelm Blomgren tem seu momento de brilho na tela, mas sem sombra de dúvida é Florence Pugh a verdadeira estrelada película.

William Jackson Harper, mais famoso como Chidi Angonye da série The Good Place, está muito confortável na pele de um antropólogo imerso dentro do seu objeto de estudo. O mesmo acontece com o novato, Vilhelm Blomgren, que vive Pelle um dos anfitriões das festividades.

Enquanto isso, Florence Pugh entrega os momentos mais dramaticamente carregados do filme. Com uma grande presença ao longo da história Florence oferece um desempenho forte e imponente que a faz se destacar na tela sempre que está em cena.

midsommar03 67d30

Quem vê de fora fala, quem tá por dentro vive...

Midsommar trabalha diferentes temas em diferentes níveis. A percepção de quem está de fora é diferente daquela de quem está inserido no meio. Ari Aster faz um ótimo trabalho navegando por esses assuntos sem abordalos diretamente. O proprio relacionamento de Dani e Christian — apresentado como problemático desde a primeira cena — é abordado de dois angulos diferentes, seja pela percepção de Dani e sua amiga ou por Christian e seus colegas. O diretor e roteirista do filme trabalha o tempo todo para que o espectar exercite a sua capacidade de ver os dois lados, seja em uma briga de casal ou na ritos culturais de um determinado grupo.

Apesar de realmente impressionante, nem tudo é acerto em Midsommar. O terceiro ato apesar de catárdico esconde alguns atropelos. A ideia original de Midsommar era a de ser um "slasher" com a pegada Ari Aster, e para todos os efeitos ele realmente executa essa tarefa com um releitura incrível do subgênero.

O absurdo de um é o costume do outro. Expor nossas diferenças e similaridades é o que faz Midsommar chocar tanto!

Aster esconde o seu slasher dentro de um terror folclórico (o folk horror à lá O Homem de Palha) e desenvolve a sua história de maneira muito inteligênte com algumas mortes sanguinolentas e até mesmo uma "final girl", mas tudo isso vem ao custo de algumas situações pouco plausíveis, que desconsideram muito do desenvolvimento dos personagens, que se veem agindo de maneira "idiota" apenas para se encaixar no tropo.

Mesmo assim, nada disso atrapalha a apreciação do filme. Midsommar reve elementos tradicionais do terror e apresenta a festa junina mais angustiante já vista — não se iluda amiguinho, tudo o que acontece em Midsommar é uma festa junina pré-cristã, com direito a fogueira, mastro de São João, simpatia para casar e roupa de caipira.

Crítica do filme IT 2 | Um Espetáculo de Terror!

Adaptações de livros para filmes são complicadas, mas muitos dos projetos baseados nas obras de Stephen King já mostraram que há como obter sucesso sem cair em clichês  — e isso vale até mesmo para remakes de um mesmo conto. A prova máxima são as duas versões de “IT - A Coisa”, que já teve versão para televisão e ganhou, mais recentemente, uma segunda chance através de uma superprodução para as telonas, a qual agradou gregos (os críticos) e troianos (o público em geral).

Nem parece, mas faz dois anos que tivemos o prazer de conhecer este novo olhar de IT, algo proporcionado tanto pela visão de novos profissionais quanto pelos efeitos visuais atuais que permitem transcender a simplicidade da versão antiga — o que na época tinha que ser compensado muito pela atuação. Bom, desde o fatídico dia da estreia da nova versão, nós já sabíamos que era só uma questão de tempo até a segunda parte da história ganhar forma e, de fato, chegar às telonas para apreciarmos.

Pois bem, o dia chegou, mas, com razão, muitos fãs podem ter dúvidas se a “IT: Capítulo 2” consegue dar continuidade de forma coerente ao antecessor, ousa em apresentar novidades — ainda mais no comparativo com “IT - Uma Obra do Medo” —, agrega mais ao universo cinematográfico de Pennywise e, por fim, consegue evitar os clichês e seguir numa linha de ineditismo. As perguntas são muitas e nem todas as respostas podem ser dadas, mas vou ser o mais sincero e abrangente sobre todos os tópicos.

Para quem caiu de paraquedas aqui e não sabia da existência desta segunda parte, vamos a uma breve sinopse. Depois de 27 anos dos acontecimentos de “IT - A Coisa”, o Clube dos Otários retorna a Derry, à pedido de Mike Hanlon, para destruir de uma vez por todas a criatura Pennywise, que está fazendo novas vítimas na cidade. Traumatizados pelas experiências do passado e também pelos rumos de suas vidas, eles devem dominar seus medos mais profundos e enfrentar o palhaço, que está ainda mais perigoso.

it201 9aa7c

Respondendo as dúvidas de quem quer evitar todo e qualquer detalhamento sobre o filme (ainda que não tenha spoilers por aqui), eu acho que vale já mencionar logo de cara que “IT 2” consegue entregar a qualidade de terror e uma trama com minúcias que todos esperávamos. Temos aqui um filme que segue uma trilha similar à de “IT - Uma Obra do Medo” (no sentido de ter atos muito similares), mas que inova por ir além e fazer bonito num final que realmente fecha com chave de ouro.

Reinventando o Terror

Ok, já sabemos que Pennywise é escabroso e que ele tem seus meios para aterrorizar suas vítimas, porém no primeiro filme nós estávamos lidando com protagonistas em uma fase bem inocente, o que facilitava bastante as coisas para o script. Já em “IT: Capítulo Dois”, o roteirista Gary Dauberman tem a difícil tarefa de lidar com personagens maduros (que já podem estar mais preparados para lidar com situações de medo) e de ainda — se não superar em questões de desenvolvimento —, ao menos, inovar no desenrolar da trama, já que estamos falando de um remake.

Outro desafio era a questão da atualização em “IT: Capítulo 2”. Enquanto o longa-metragem de 1990 não precisava lidar com tecnologias, esta nova versão tem a missão de manter a tensão ao mesmo tempo em que dribla alguns mecanismos inovadores. E é algo natural da plateia indagar porque os personagens não usam celulares, não chamam a polícia, não usam armas ou não apelam para outros tantos recursos que podem facilitar o combate ao vilão.

A dúvida que fica é: afinal, o que é necessário para criar um remake? Apenas refazer de uma forma levemente diferente é suficiente? Alongar uma história já muito detalhada pode criar essa sensação de satisfação para um público exigente? Bom, a aposta de Dauberman é sim espichar ao máximo o conto, mas ele não faz isso sem propósito. Assim, se você ainda não tinha visto na ficha do filme, saber que o filme tem quase três horas de duração pode ser um choque, porém tudo passa muito rápido e o filme é recompensador!

it202 be31a

Bom, justamente por mostrar os integrantes do Clube dos Otários num futuro distante, há muito o que contar, ainda mais que eles estão em situações totalmente diferentes. Toda a parte de reunião dos personagens leva um certo tempo, mas o texto de Dauberman faz isso de forma inteligente, ao mesclar cenas dos protagonistas e situações da cidade de Derry. Isso ajuda a reconstruir a memória dos protagonistas (ainda mais para quem viu o filme há dois anos) e vai ampliando a sensação de horror ao trazer cenas inventivas com Pennywise.

É nessa mescla de diferentes personagens, ocasiões e também tempos que o “IT 2” cria uma composição muito inteligente. Aos poucos, nossos protagonistas são devidamente reapresentados e aí temos uma brilhante solução de aproveitar cenas inéditas do passado para criar uma história ainda mais rica em detalhes — o que é simplesmente maravilhoso para os fãs da obra. Então, eis aqui o primeiro ponto importante para você que ainda não viu: esteja preparado para um verdadeiro LONGA-metragem e ainda mais preparado para uma overdose de terror.

O Circo dos Horrores ganha uma nova dimensão

O desenrolar dos fatos era provavelmente o aspecto mais importante para este novo capítulo conquistar o público, contudo é evidente que uma direção impecável e um elenco competente fossem o suporte para essa história ganhar vida com ousadia. Bom, o diretor Andy Muschietti retorna aqui e faz um trabalho caprichado, que puxa várias ideias que já vimos na primeira parte — uma vez que temos alguns cenários repetidos —, porém que se apresenta ainda mais ousado em algumas sequências.

it203 fceaf

Alguns teasers que a Warner liberou previamente já dão algumas pistas, em que vemos Pennywise atuando mais, assustando em situações críticas e se escondendo nos lugares improváveis. É justamente por essas novas ideias que “IT: Capítulo Dois” supera seu antecessor e este se mostra um trunfo importantíssimo para convencer a plateia, afinal temos o mesmo vilão, então ele precisava ser mais imponente para nos impressionar e causar impacto em suas vítimas.

A trupe em sua nova composição tem nomes como James McAvoy, Jessica Chastain, Isaiah Mustafa, Bill Hader, James Ransone, Jay Ryan e Andy Bean. Alguns desses já são bem conhecidos do público e é evidente que um dos destaques fica para McAvoy que interpreta Bill Denbrough (que já era o principal no primeiro filme). A escolha do ator para o papel foi bem ponderada, uma vez que ele usa de toda sua versatilidade — que já vimos em “Fragmentado” — para dar vida ao personagem que retorna com seus momentos de medo e de reflexão sobre tudo que aconteceu.

É válido puxar outro tópico aqui: a diversidade dos personagens. Isso é muito bem introduzido por vários deles, mas é Beverly Marsh, revivida por Jessica Chastain, que nos faz ter uma dimensão do qual trágico é o circo da vida. O roteiro de “IT: Capítulo Dois” traz questões atuais sobre a única personagem feminina, incluindo as dificuldades de sua vida pessoal antes de chegar em Derry, bem como sua importância na trama por ter muita relevância no primeiro título. A atriz é uma das que mais tem tempo em tela, mas isso não é problema algum para Chastain, que é versátil em todos os seus diálogos. Ok, alguns clichês, mas todos muito justificados.

Os demais atores também têm seus respectivos méritos e o filme faz questão de separar um bom tanto de cenas para cada um, motivo pelo qual o filme ficou tão longo. Felizmente, todos esses pequenos trechos somados não apenas trazem o que já havíamos visto em “IT - Uma Obra do Medo”, mas são aproveitados para mostrar muita coisa nova, incluindo novas áreas da cidade e algumas explicações bem interessantes que enriquecem a mitologia de Pennywise.

it204 c214e

Por fim e talvez algo ainda mais importante do que tudo que já foi mencionado, vale enaltecer a performance insana de Bill Skarsgård. Se no primeiro capítulo tínhamos um palhaço mais tímido (também por conta do script), agora temos inúmeras cenas em que o personagem é muito bem desenvolvido, o que resulta em mais tempo de tela para o ator. Sim, as cenas com computação gráfica ainda predominam, mas há uma participação muito maior do ator, que capricha em seus olhares sinistros e até mesmo na interpretação ímpar, que nos deixa cara a cara com o palhaço em seu estado mais íntimo e terrível.

É claro, o resultado amedrontador de “IT 2” se dá pela somatório de todos esses aspectos, mas se amplia pela adição de uma fotografia genial e ainda a maestria de uma trilha sonora que mescla nostalgia, horror e cantorias desgraçadamente bizarras. E, no fim, a gente tem não apenas uma ótima continuação e desfeche para “IT - A Coisa”, como também um longa-metragem que pode ser considerado — se não o melhor — um dos melhores títulos de terror do ano! Uma experiência incrível no cinema e para marcar época!

Crítica do filme A Rebelião | Não perca seu tempo

Ultimamente, quando a gente fala em “conteúdos originais” dos serviços de streaming — seja da Netflix ou da Amazon Prime Video —, pintam inúmeras dúvidas que nos deixam pensando se vale ou não investir nosso tempo em uma aventura que pode ser incrível ou apenas mais do mesmo (isso sem falar quando a gente passa raiva mesmo com uma produção feita na base do ódio).

O ponto é que, muitas vezes, várias desses materiais exclusivos nem são de estúdios próprios dessas empresas, mas apenas títulos produzidos por terceiros, que a Netflix ou a Amazon se aproveitam dos direitos baratos para inflar seus catálogos. Assim, muitas vezes precisamos do apoio do trailer ou mesmo de um elenco de peso para nos convencer de que vamos ver algo que vale a pena.

No caso de “A Rebelião”, temos um pacote completo: filme sobre invasão alienígena, título exclusivo da Prime Video, produzido por empresas conhecidas, um diretor famoso (Rupert Wyatt, de “Planeta dos Macacos: A Origem”) e um elenco que inclui nomes como John Goodman, Vera Farmiga e Ashton Sanders. Com tudo isso, não tem como dar errado, certo? Errado!

O ponto principal para “A Rebelião” ter saído bem às avessas foi o roteiro totalmente desleixado e confuso. Aqui, acompanhamos a história em um bairro de Chicago, quase uma década após uma invasão alienígena no planeta Terra, vendo como as coisas funcionam nos dois lados do conflito: o dos colaboradores (que são amigos dos aliens, principalmente a polícia e os políticos) e o dos dissidentes (com toda a população pobre).

arebeliao01 b513e

Ok, a coisa já começa confusa com essa sinopse, mas pode ter certeza que degringola ainda mais no andar da espaçonave. Para não ser injusto, os primeiros minutos da película — que precedem o título e os créditos iniciais — são até bem interessantes, já mostrando um pouco dos seres extraterrestres. Só que as coisas boas param aqui. O restante do filme é uma esculhambação sem limites.

Aliens poderosos, mas preguiçosos

Bom, a pauta dos aliens dominando o planeta Terra não é nova e já se provou complexa o suficiente para desenrolar histórias sobre apartheid e o conflito entre raças bem distintas da humana ¬– temos aí “Distrito 9” que não me deixa mentir. Todavia, tal qual qualquer tema, é preciso um roteiro capaz de criar subtópicos que nos prendam a atenção, seja por aspectos fictícios da própria história ou pela empatia que podemos criar pelos personagens.

Acontece que o script de “A Rebelião” não faz questão de detalhar absolutamente nada. O filme joga a invasão na tela num começo bem empolgante, mas, depois, simplesmente não temos continuidade dos fatos, de modo que as poucas informações são dadas num clipe bem desconexo do restante, o qual está ali simplesmente para passar os créditos iniciais (esses que, por sinal, tomam vários minutos de tela).

O restante do filme esconde bastante os aliens, isso porque, aparentemente, os invasores já cansaram de dominar o planeta Terra e fazer o trabalho pesado, tanto que agora eles têm amiguinhos no governo para “manter a paz” por aqui — seja lá o que isso quer dizer. Assim, o filme deixa o espectador totalmente perdido sobre como funciona essa comunicação, tampouco faz questão de detalhar o porquê de excluir algumas pessoas.

arebeliao02 01b09

Quer dizer, o motivo para exclusão social é bastante óbvio, mas ainda sim um roteiro digno de tamanho elenco deveria se pronunciar para conversar com a plateia e revelar os pormenores da história. Não, ao contrário disso, temos protagonistas que precisam soltar suas falas, ainda que não tenhamos um histórico para os diálogos ou mesmo para suas motivações dentro da trama. Sério, uma bagunça total, que exige muita concentração e suposições.

Aos poucos até conseguimos pescar algumas coisas, mas há tantos personagens e diversos acontecimentos, que fica complicado conectar os nomes e entender pra onde a história vai. No decorrer do script, até temos alguns eventuais momentos de tensão, mas a falta de ligação a um contexto maior faz com que nada importe, até chegar ao fatídico fim em que a gente só perdeu duas horas de vida num filme sem propósito – e a rebelião do título nem fez sentido.

O desleixo bateu forte!

Bom, ok, o roteiro é desastroso, mas a minha principal dúvida é: por que levar as coisas no relaxo também na hora de pensar a parte de produção do filme? Talvez por uma questão econômica, os produtores optaram por ocultar os alienígenas o máximo de tempo possível, de forma que as poucas aparições não conseguem salvar o restante da película que se torna bem cansativa.

arebeliao03 cd401

O design dos inimigos é bastante interessante, mas conceder às criaturas o poder de invisibilidade chegar a beirar o ridículo, pois isso aparenta muito ser apenas um recurso para não precisar de muitos efeitos visuais. Assim, muita da tensão se dá pela trilha sonora, que se completa quando as criaturas aparecem de fato, porém é inegável que a gente fica esperando muito mais de um filme que claramente quer focar na invasão dos extraterrestres.

A produção demonstra um mínimo empenho nos cenários, que lembram qualquer ambiente de guerra e apocalipse, mas isso se deve em parte por termos protagonistas da periferia. Apesar desse acerto, o filme erra feio nos veículos dos aliens, que são simplesmente ridículos para um título lançado em 2019. Não é possível que eles tenham optado por uma opção tão simples, ainda mais com tantas referências de outros filmes do gênero.

Talvez a ideia dos roteiristas até fosse boa, mas eles não souberam se expressar. No fim, o “A Rebelião” desperdiça potencial de grandes atores (como John Goodman e Vera Farmiga, que se esforçam inutilmente) e não vai a lugar algum. Talvez, a única conclusão interessante seja a percepção da ambição humana, que, mesmo num cenário desse tipo, continua prevalecendo sobre a compaixão. No mais, “A Rebelião” não vale o seu tempo!

Crítica do filme Turma da Mônica: Laços | Simples e necessário

É muito difícil encontrar alguém que não teve contato com a Turma da Mônica em algum momento de sua vida. Cresci colecionando quadrinhos e aguardava ansiosamente pelas novas edições mensais, sempre com histórias divertidas e até educativas. A variedade das situações absurdas em que os personagens eram inseridos sempre eram uma surpresa agradável.

Como parte das comemorações de 50 anos a Mauricio de Sousa Produções criou a Graphic MSP, um projeto que consiste em histórias dos personagens do estúdio feitas por artistas brasileiros consagrados e com estilos diferentes do padrão das revistas mensais. Essa proposta trouxe nova vida às histórias, além de cativar um público mais amplo.

“Turma da Mônica: Laços” é o filme que foi baseado no romance gráfico homônimo, por Vitor e Lu Cafaggi. A história é simples em essência, assim como os quadrinhos originais, mas carrega lições e conceitos capazes de cativar todas as idades.

Mais um plano infalível

Floquinho, o peludo cachorro verde de Cebolinha, desapareceu. Para encontrá-lo, ele cria um de seus planos infalíveis, mas que só pode funcionar com a ajuda de seus amigos Mônica, Magali e Cascão. Juntos, eles enfrentam desafios e vivem grandes aventuras para encontrar e levar Floquinho de volta para casa. O diretor Daniel Rezende e o roteirista Thiago Dottori foram responsáveis pela tarefa nada singela de adaptar uma obra tão importante para um público tão diversificado.

Felizmente eles completaram a tarefa com sucesso, transmitindo a simplicidade da história sem torná-la raza, ao contrário, há muito profundidade e beleza. Os “Laços” estão nas entrelinhas e em cada peculiaridade dos personagens e na riqueza de experiências que apenas a infância pode proporcionar.

lacos1 d823b

Não há muita novidade para quem já conhece a Turma: Cebolinha (Kevin Vechiatto), sempre tem um “plano infalível”, considera-se um gênio e é bastante arrogante, mesmo sendo o primeiro a apanhar de Mônica (Giulia Benitte), que não hesita em perder a paciência e distribuir coelhadas com o Sansão.

Cascão (Gabriel Moreira), com sua fobia a água e cúmplice dos planos de Cebolinha, Magali (Laura Rauseo), sempre faminta e capaz de comer quantias absurdas de qualquer alimento. O filme é bem fiel a história em quadrinhos “Laços” e consegue desenvolver a trama de forma um pouco mais elaborada, o que faz todo sentido nessa troca de mídias. 

Um bom exemplo dessa implementação é a excelente trilha sonora de Fabio Góes. Combinando movimento à música, Góes sabe sincronizar o que é visto em cena com os efeitos sonoros, uma técnica bem tradicional mas que adiciona uma camada a mais de profundidade a narrativa. Destaque para a excelente cena do Louco (Rodrigo Santoro), uma adição genial a história original e sem dúvidas o ponto alto do filme.

lacos2 0d2e6

É curioso notar que apesar da referência à turma sempre ser “da Mônica” (um dos debates constantes durante o filme) o protagonismo é declaradamente do Cebolinha. Essa abordagem foi acertada pela temática da trama sem deixar de lado o respeito ao material original. A sintonia de toda a equipe transparece nesses detalhes e tornam a produção ainda mais completa, sem nunca esquecer que é uma história feita para crianças.

Para crianças, mas não infantil

Por sinal, é difícil não se apaixonar pelas crianças instantaneamente. Mesmo inseridas em um mundo claramente fictício, toda a atmosfera e atuações são bastante naturais. O bairro do Limoeiro tem um clima de cidade do interior, com crianças correndo pelas ruas e o sol sempre brilhando. É fácil achar que vai ser apenas mais um filme com crianças chatas, mas essa é uma surpresa bastante agradável, chatos são os adultos (quem é Paulo Vilhena?).

Mesmo não tendo tanto destaque na trama, é absurdo o carisma de Laura Rauseo (a Magali), enquanto Giulia Benitte (a Mônica) transita entre uma garotinha meiga e uma furiosa guerreira brandindo seu coelho de pelúcia como arma. Até temas como a descoberta de paixões e a solidão são abordados, sem parecer forçado ou expositivo.

lacos3 7a10f

Diversos personagens secundários fazem pequenas aparições, servindo mais como easter eggs que possivelmente vão aparecer em produções futuras. Uma continuação de “Laços”, intitulada ”Lições”, já está sendo produzida e podemos esperar que outras publicações de Maurício de Souza sejam adaptadas, como “Turma da Mônica Jovem”.

Por mais simples que “Laços” pareça, a lembrança de que esses personagens fizeram (e continuam fazendo) parte da infância de muita gente é o que transpira na tela. Os laços são mais do que fitas amarradas durante o caminho, são todas as situações e sentimentos que compartilhamos, mesmo sem nunca termos tempo para pensar a respeito disso. Eis uma boa oportunidade para assistir um conteúdo nacional de qualidade junto com as crianças e refletir sobre isso tudo.

Crítica do filme Brinquedo Assassino | Atualizado no humor, mas pouco no terror

O tempo passa e lá se foram mais de 30 anos desde o lançamento do primeiro filme da franquia Brinquedo Assassino. Apesar de absurda, a história do boneco amaldiçoado ganhou um público considerável — talvez pela galhofa excessiva, pelo tom ácido do brinquedo ou mesmo pela abundância de sangue na telona. Fato é que desde 1988, o personagem Chucky já passou por sete aventuras, mas parece que ainda não era suficiente, por isso agora temos mais uma jornada para o pequeno amaldiçoado.

Curiosamente, em todo esse tempo, não tivemos um remake propriamente dito do filme de origem. Até agora, as novas peripécias de Chucky foram continuações absurdas do primeiro filme — com desdobramentos que incluem uma noiva e um filho — e uma história de reboot em 2013 (que leva o nome de “A Maldição de Chucky”), que apresentou novos protagonistas e deu abertura até para uma sequência intitulada “O Culto de Chucky”. O oitavo episódio,  contudo, volta às origens, daí o mesmo nome do original.

A história é similar à do filme de 1988, mas para a geração que não teve oportunidade ou coragem de ver o antigo vale a sinopse. Em “Brinquedo Assassino”, Karen (Aubrey Plaza) presenteia seu filho, Andy (Gabriel Bateman), com o boneco mais aguardado dos últimos tempos: Buddi. Todo conectado ao sistema digital da Kaslan, o brinquedo é um assistente pessoal e também um amigo para a garotada. No entanto, a unidade que Andy ganhou parece ter vontade própria e começa a aprontar poucas e boas!

brinquedoassassino01 52be0

Atualizado na trama, no visual e no tom cômico, o novo “Brinquedo Assassino” promete ser uma opção de terror divertida (vulgo Terrir). E apesar de inconsistências de roteiro — o que a gente já espera num título desse naipe — e do design de personagem no relaxo, o remake do original não é de todo ruim, sendo uma nova pegada que arranca boas gargalhadas e consegue até criar alguns momentos de tensão. Nada excepcional, mas dentro do esperado.

Hacker aqui!

A mudança de uma possessão maligna (que era a pegada do filme antigo) para uma divergência em software é algo que vem a calhar para uma época em que vemos empresas apostando forte em dispositivos interconectados. E apesar de uma rebelião das máquinas não ser novidade em Hollywood, é  interessante notar que esse não é bem o caso aqui, já que só temos um único exemplar com características excepcionais, o que é até explicado antes da trama principal — e depois eu volto nesse ponto.

É graças ao argumento dos dispositivos conectados que o filme funciona muito melhor, já que o Chucky não precisa apenas sair correndo com uma faca na mão para aterrorizar suas vítimas — o que, vamos combinar, que é algo meio ridículo. Assim, para não deixar o brinquedo ser motivo de chacota, o roteiro usa da gama de produtos da fabricante do brinquedo para dar novos poderes ao boneco e também para desenvolver novas cenas de terror.

Agora, Chucky ganha poderes ainda mais excepcionais, porque ele consegue hackear os dispositivos. Ele filma tudo, grava áudios, interpreta as vontades do seu dono (geralmente de forma errada), comanda os dispositivos da casa e quando quer até banca uma de hacker para zoar legal na era digital. Nesse sentido, zero reclamações do filme. E, felizmente, o filme não tenta debater esses perigos, tampouco tenta entrar em pormenores de como funciona essas tecnologias.

brinquedoassassino02 553e7

Outro ponto positivo desse Chucky conectado é a brecha que há para uma pegada mais bem humorada. O boneco repete falas (até de forma errada, o que garante mais risadas), canta musiquinhas, faz piadas e, claro, fala muito palavrão. Então, não é por não ter uma alma demoníaca que ele perde sua essência. Muito pelo contrário, a ideia de um software sem amarras garante que ele continue besteirento e ousado na hora de fazer as vontades do menino Andy. Uma boa sacada pra deixar o filme engraçado!

Mão de obra barata

Se por um lado o novo “Brinquedo Assassino” acerta na pegada tecnológica, ele erra feio — mas talvez propositalmente — no design do personagem. O novo boneco tem uma aparência tosca e que parece bem mal feita, nos piores moldes de fabricantes que fazem produtos piratas. Isso dificulta acreditar que qualquer criança gostaria de ter esse brinquedo em casa e, para falar a verdade, até mesmo o Chucky de 1988 era mais convincente do que esse recente.

E poderia ser um problema de orçamento do filme, mas não parece ser o caso, porque eles contrataram até um Jedi pra dublar o  Chucky (que tem a voz de Luke, o Mark Hamill). Eu imagino que seja algo proposital ter feito o boneco desse jeito, pois assim eles conseguem encaixar com a ideia de ser um boneco feito no Vietnã (o que pode ser até o mote do filme) e em condições precárias. Além disso, o boneco desenhado com preguiça arranca mais algumas risadas do público.

O problema do boneco mais tosco é que simplesmente a parte de terror não cola tanto em meio à tanto humor. As cenas de matança ficam quase perdidas em meio a tanta galhofa. Uma ou outra até conseguem prender a atenção e algumas são legais pela composição (com o boneco arrastando uma faca no chão em um cenário que tem uma fotografia muito bem pensada). Contudo, o resultado geral é de um terror mais light, ainda com cenas de close nas facadas e pouca novidade.

brinquedoassassino03 c6b01

Vale menção para a vibe Stranger Thingers do filme, que tenta criar uma turminha descolada que ajuda o protagonista. O grupinho salva a trama em vários partes. A atuação da garotada merece destaque, principalmente o jovem Gabriel Bateman, que interpreta o Andy, um menino com limitações auditivas e que tem uma mãe um tanto relapsa. Ponto também para Brian Tyree Henry, que interpreta o detetive Mike Norris — personagem que já existia no filme antigo —, o qual cria a terceira ponta do filme (a investigação dos casos) de forma divertida.

Eu não diria que o novo “Brinquedo Assassino” é um remake que faça a gente reconsiderar a validade dos tantos filmes que estão sendo refeitos, mas ao menos ele traz uma dose de inovação. O ritmo aqui não é dos melhores e parece que a gente passa uma eternidade no cinema. Além disso, a dubiedade entre humor e terror pode não ser tão certeira, então eu acho que seria bom eles pararem por aqui, enquanto ainda estão ganhando. Mas a maldição das franquias pode pegar o Chucky novamente...

Crítica do filme Culpa | Um suspense que mexe com a mente

Com tantas adaptações que relatam as rotinas de inúmeras profissões, eu sempre questionei o porquê de não ter muitas obras que retratem o cotidiano de telefonistas. A resposta pode ser um tanto óbvia, uma vez que profissionais desse ramo geralmente ficam enclausurados numa sala, o que dificulta o desenvolvimento de uma trama que consiga fisgar o público.

Todavia, há títulos como “Chamada de Emergência” que já mostraram de forma bem-sucedida a complexidade dessa profissão, mais especificamente de policiais que trabalham no sistema de emergências. Nesse sentido, o filme dinamarquês “Culpa” não traz ineditismo, uma vez que ele tem o mesmo tipo de cenário e personagem, mas sua abordagem ímpar certamente merece atenção.

O protagonista aqui é o policial Asger Holm (Jakob Cedergren), que, devido a um conflito ético no trabalho, é confinado à mesa de emergências. A rotina normalmente é permeada por uma série de casos banais, mas logo ele é surpreendido pela chamada de uma mulher desesperada, que tenta comunicar seu rapto sem chamar a atenção do sequestrador.

culpa01 f1159

A partir dessa ligação, o filme se desdobra em situações tensas que nos fazem experimentar um pouco desse caso desesperador. Com informações escassas e sem muitas ações possíveis através do teclado numérico do telefone, acompanhamos todo o caso pela perspectiva do policial, sem ter uma única imagem do que está acontecendo com a vítima. E acredite: é uma experiência genial!

Lidando com o invisível

É interessante perceber que “Culpa” não é um filme que pretende esbanjar em conceito visual, tanto é que não temos nenhum policial correndo nas ruas para resolver um sequestro. Em vez disso, o filme opta por usar a imaginação do público como recurso narrativo, o que é, de certa forma, algo genial, já que cada pessoa tem uma concepção do ocorrido.

Conforme a ligação se desenvolve, o espectador obtém detalhes mínimos e vai compondo a cena em sua própria mente. Isso garante a atenção do público, já que nada está “mastigado”, e também uma experiência bem interessante. Como não há informações claras sobre cenários, personagens e situações, somos levados a imaginar cada situação e aí cada pessoa tem uma concepção diferente.

Eu acho muito legal que “Culpa” não é só uma degustação de algo pronto, mas ele consegue passar uma sensação similar ao que temos quando lemos um livro, em que a nossa imaginação dita o rumo das coisas. Aí que uma pessoa pode imaginar o vilão de uma determinada forma, com um tipo especifico de veículo e dirigindo numa determinada rodovia, enquanto outra pessoa pode ter uma impressão totalmente distinta.

culpa02 0e90e

Inclusive, é interessante perceber como o roteiro do filme é bem estruturado nesse sentido, já que ele deve ter uma construção pausada para dar tempo de a gente raciocinar o que está acontecendo. Todavia, ao mesmo tempo, o script tem um timing tão pontual, que parece que estamos acompanhando o caso em tempo real. E é curioso que parece que estamos realmente na sala de chamadas, participando da chamada de emergência.

Outro ponto que merece atenção é a ausência de trilha sonora, uma vez que temos de prestar atenção até mesmo aos mínimos sons provenientes da ligação, então o barulho do limpador de para-brisas é fundamental para construção do cenário em nossa cabeça. Além disso, a voz que vem através do telefone precisa ser o fio condutor da história, pois é no nervosismo dessa pessoa que o filme vai nos manter apreensivos.

Fecha com chave de ouro a atuação excepcional de Jakob Cedergren, que por ser praticamente o único personagem em tela em tempo integral consegue desempenhar o papel de policial com maestria. Quase todo o peso do filme está nas feições dele, então um olhar, uma respiração ou até mesmo uma hesitação reflete no rumo do longa-metragem.

No fim, é o tipo do filme que já ganha pelo trailer, mas que se mostra ainda mais inteligente e surpreendente no andar da carruagem. Se você procura um filme de suspense inusitado e que sirva como uma experiência diferenciada, pode apostar suas fichas em “Culpa” que a satisfação é garantida. Um ótimo título dinamarquês que merece sua atenção!

Critica do filme Free Fire: O Tiroteio | Tiro certeiro

Ben Wheatley desponta como um dos diretores mais interessantes da sua geração, apesar de pouco conhecido por aqui. Apadrinhado pelo icônico Martin Scorcese, o diretor britânico vem consolidando seu currículo com uma filmografia intrigante e subversiva.

Sua estreia arrebatadora com dois thrillers envolventes (o drama criminal Down Terrace e o aterrorizante Kill List) chamou a atenção do público e da crítica, que passaram a prestar mais atenção ao trabalho do diretor, que não desapontou entregando outras três produções interessantes, o curioso Turistas (Sightseers), o lisérgico A Field in England, e o perturbador No Topo do Poder (High Rise) — sci-fi distópico com Tom Hiddleston e Jeremy Irons, e é aqui que as coisas começam a ganhar corpo.

Com a sucessão de trabalhos de sucesso já passava da hora de Ben Wheatley ganhar destaque no circuito hollywoodiano. Consolidado na Europa, o diretor finalmente atravessa o atlântico coma ajuda de ninguém menos do que Martin Scorcese, que assina a produção de Free Fire – O Tiroteio.

Cego em tiroteio

A trama de Free Fire é simples e direta: uma negociata de armas entre contrabandistas e membros do IRA dá terrivelmente errado e acaba em uma troca de tiros. Em um universo no qual ninguém pode demonstrar o mínimo de fraqueza, qualquer diálogo é estopim de conflitos maiores, forçando a objetividade do roteiro e se apoiando no talento do elenco.

Desconfiança é a palavra-chave, todos são suspeitos e ninguém quer ser passado para trás. Justine (Brie Larson) é a ponte entre os compradores e os vendedores enquanto Ord (Armie Hammer) representa o contrabandista de armas — Vernon (Sharlto Copley) e seus comparsas, Martin (Babou Ceesay), Harry (Jack Reynor) e Gordon (Noah Taylor).

A comitiva de compradores do Exército Republicano Irlandês (IRA) — Chris (Cillian Murphy), Frank (Michael Smiley), Stevo (Sam Riley) e Bernie (Enzo Cilenti) — são instruídos sobre como tudo vai acontecer, sugerindo que essa não é a primeira vez que Ord e Justine facilitam esse tipo de negociação. Enquanto isso, vamos descobrindo um pouco mais sobre os outros personagens, em especial Stevo, um jovem drogadito temperamental que parece ter arranjado alguns problemas na noite anterior.

freefire01 2695b

Apesar da tensão e desconfiança, alimentada pelo fato de Vernon tentar vender rifles de modelos diferentes do que os encomendados por Chris, tudo parece se encaminhar para um desfecho aceitável para ambos os lados. Até que Harry percebe a presença de Stevo, pivô da confusão no bar na noite anterior, e o confronta sobre o fato de ter desfigurado a sua prima durante a confusão.

Como era de se esperar, a situação que já era instável atinge o ponto de ebulição quando Harry saca sua arma e atira nas costas de Stevo. Não preciso dizer que desse ponto em diante, como o próprio título do filme sugere, o galpão abandonado vira um campo de batalha com todos os envolvidos sacando suas armas e disparando uns contra os outros.

freefire02 9598b

Fogo amigo

O elenco é afiadíssimo e não erra a mira em nenhum momento. Ninguém carrega o filme sozinho, todos os atores dividem a carga entregando uma produção sólida que prende o espectador sem fazer muito esforço.

A força na tela de Armie Hammer, Brie Larson e Collian Murphy é inegável, mesmo assim,  Noah Taylor e Sam Riley fazem valer cada segundo de ação, não deixando que o destaque fique apenas com os nomes mais famosos. O roteiro equilibra muito bem o espaço de cada personagem para que ninguém fique sobrecarregado ou subutilizado.

Com poucos personagens e apenas uma locação, Ben Wheatley e Amy Jump criam um roteiro extremamente criativo em sua simplicidade. O filme conta mais de uma história sem qualquer tipo de flashback ou monólogos expositivos. O próprio comportamento de cada personagem durante os momentos mais extremos mostra exatamente o que precisamos saber sobre aquela pessoa, oferecendo um vislumbre da sua personalidade.

freefire03 12a3d

Ação inerte

Free Fire – O Tiroteio é um filme diferente. Como um thriller policial o filme cria uma expectativa de perseguições, ação desenfreada e grandes conspirações, pois Ben Wheatley apresenta tudo isso, mas de uma maneira diferente do esperado.

Com apenas uma locação, poucos personagens e sem cenas elaboras, o diretor cria momentos que acerta em cheio todos os quesitos do que se espera de um bom filme policial. Temos um perseguição — mas com duas pessoas baleadas se arrastando pelo chão de uma fábrica —, conspirações, traições, e um grande tiroteio.

Free Fire parece uma grande cena “tarantinesca” dentro de filme que exala a essência “scorcesiana”

Ben Wheatley é um nome que merece mais destaque, mesmo já tendo conquistado o devido respeito pra lá do Atlântico, o diretor ainda não fez o seu nome em Hollywood, mas Free Fire é um belo cartão de visitas que mostra o alto calibre da sua filmografia.

Crítica do filme Ted Bundy | Não é só mais um rostinho bonito

Quando alguém diz as palavras “serial killer”, que imagem vêm à sua mente? É provável que o rosto simpático do ator Zac Efron não seja exatamente a primeira opção, embora seja senso comum que os sociopatas que chegam a se tornar assassinos em série têm, entre suas características, o carisma. Pensando dessa forma, a escolha dele para dar vida a um dos mais emblemáticos criminosos norte-americanos talvez seja certeira.

Em “Ted Bundy - A Irresistível Face do Mal”, Efron é um charmoso estudante de direito que namora a mãe solteira Elizabeth Kendall (Lily Collins) e que, nas horas vagas, cruza fronteiras estaduais sequestrando, violentando e assassinando violentamente jovens mulheres.

Dirigido por Joe Berlinger, que também assina a série documental "Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy", da Netflix, a película tem roteiro adaptado por Michael Werwie a partir do livro da própria Elizabeth Kendall sobre sua história com Bundy nos anos 70.

tedbundy4 24d05

Talvez por isso, diferente do documentário e da maioria dos filmes que retratam as atividades de criminosos seriais, “Ted Bundy - A Irresistível Face do Mal” não pesa a mão nas cenas aterrorizadoras dos crimes acontecendo em si. Ao invés disso, o longa-metragem coloca o espectador na mesma posição que a própria Liz, que enxerga o homem que ama através da lente da vulnerabilidade e pelo desejo de que ele seja inocente.

Se você espera assistir ao título para ver cenas de perseguição, sequestros e muita matança, portanto, esteja ciente que este não é o tipo de filme que temos aqui. 

Graças a essa perspectiva da ex-mulher – e talvez para retratar o quão inconcebível era, para ela, acreditar que o homem que era tão amável e atencioso com ela e com a filha pudesse ser capaz de cometer crimes tão violentos como outras jovens mulheres – o filme utiliza como recorte o período entre o dia em que Liz e Bundy se conhecem e a execução dele em 1989.

O circo midiático construído em torno do caso, com o seu julgamento, em 1979, sendo um dos primeiros a serem transmitidos ao vivo pela televisão no país, também é um dos aspectos abordados pelo filme, já que foi um dos aspectos que contribuiu para que o caso ganhasse tanta projeção nacionalmente.

tedbundy1 62fcd

É justamente na ansiedade criada pelas câmeras e na tensão com o andamento do julgamento que o filme ganha seu ritmo, que não é exatamente muito acelerado. Pendendo mais para o drama do que para o lado da ação, a película demora um pouco para ganhar velocidade, o que cansar o espectador que aprecia filmes mais dinâmicos e movimentados.

Para compensar o ritmo, o filme confia no talento dos atores. Lilly Collins abraça com força a tristeza no semblante para interpretar Liz, fazendo um belíssimo trabalho ao mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que passa pelo que ela passou.

tedbundy5 dc755

O próprio Efron está muito bem caracterizado, mas seu desempenho, apesar do rostinho bonito, não chega a ser genial. O ator leva o público a duvidar da culpa de Bundy, algo que o próprio serial killer fez com a opinião pública na época, mas não consegue entrar tanto na mente do criminoso - não deve, afinal, ser um lugar muito agradável para se estar, afinal.

A trilha sonora também não é algo que se destaca. Embora seja agradável e contribua com o andamento do filme, ela não chega a ser marcante dentro da película. Já a caracterização dos personagens e o figurino ganham pontos com o público, com uma bela adaptação ao período histórico em que a trama se passa, no final da década de70.

tedbundy2 b18b0

Outro aspecto importante é a fidelidade com a história, já que há um grande cuidado com a acurácia com relação às datas e à cronologia dos fatos que marcaram o processo contra ele - fruto, também do fato de o diretor também já ter feito toda uma série documental sobre Ted Bundy.

Crítica do filme Jornada da Vida | Uma aventura ao passado

Até onde você iria pelo seu ídolo? Yao, um garoto de 13 anos, fugiria de casa e percorria mais de 380 quilômetros sozinho para conhecer pessoalmente o seu herói, Saydou Tell, um famoso ator francês. Com direção de Philippe Godeau e atuação de Omar Sy, conhecido pelo seu papel em “Intocáveis”, o filme de produção senegalense e francesa é uma obra belíssima sobre o sentimento de pertencimento e autodescoberta.

Nesta aventura em busca da assinatura do ícone de Sanegal, uma nova jornada de descobertas e reencontros surge na vida de Yao (Lionel Louis Basse) e Saydou Tell (Omar Sy), que retorna ao seu país natal pela primeira vez. O que era para ser uma viagem de volta para casa, torna-se uma longa caminhada pelas raízes de sua ancestralidade.

Assim como “Djón, África” de João Miller Guerra e Filipa Reis conta a história de Miguel Tibars em busca de conhecer a sua história e o país que originou, “Jornada da Vida” não é muito diferente. O jovem francês de descendência senegalesa, Saydou pouco sabe sobre o país do seu avô e de seus pais, um sentimento que somente aflorou ao conhecer Yao, que mora em um pequeno vilarejo no interior cheio de costumes tradicionais.

jornada da vida c2b6a

Com tom crítico às consequências do colonialismo e o imperialismo no continente africano, o longa, sem apelar para clichês, ressalta a luta da cultura africana em estar viva e presente na vida de seus descendentes. 

Uma viagem linda na tela que deixa a desejar no papel

Apesar de o filme "Jornada da Vida" explorar toda a beleza exótica e singular que existe no Senegal, o longa peca no roteiro e na construção dos personagens, que raramente são explorados a fundo.

A preocupação em mostrar diferentes cenários e de criar pontos de ligação entre o protagonista e os lugares que visita não permite que o espectador os conheça por completo. Essa superficialidade é vista, especialmente, na relação fria e vazia de Saydou com o seu filho, que está na França, como também em toda a sua ambição e vida profissinal.

Entratanto, o filme é uma obra sensível que não tem medo de expõr um dos problemas mais íntimos que os países coloniais vivem: o sentimento de voltar para o lar. A sensação de pertercer em algum lugar e de se identificar com a sua cultura de origem. Com um tom cômico e levemente ácido, Godeau não deixa de expressar a sua opinão em "Jornada da Vida" e ressaltar a conexão entre família, costumes e lar. 

Crítica do filme Boas Intenções | Entre a ficção e a realidade

Não é preciso ser um gênio para perceber que o mundo está carente de boas pessoas — ainda que tal constatação possa ser decorrente de algo inerente à nossa vontade. Basta abrir um site de notícias, dar um passeio ou ouvir relatos para perceber como perdemos a compaixão em meio ao tumulto do dia a dia.

Seja para quem se deixa levar pelo cotidiano ou para quem precisa repensar suas atitudes, a ficção é sempre um meio para autores que querem mostrar esse ponto que visa aflorar nosso lado mais humano. Assim, vez ou outra, temos títulos como “Boas Intenções” para nos dar um puxão de orelha, sem deixar o bom humor de lado.

Nesta produção francesa, acompanhamos um recorte da vida de Isabelle (Agnès Jaoui), uma pessoa muito envolvida com trabalhos humanitários e causas sociais. Ela ajuda os imigrantes que chegaram à França e não têm meios para ter um mínimo de dignidade em suas vidas, sendo que suas ações incluem o trabalho nas ruas e também suas aulas de francês.

boasintencoes01 fca32

Todavia, ao descobrir que seus alunos, na realidade, precisam de uma licença de habilitação para conseguir empregos, ela decide ajudá-los a ingressar em uma escola de motoristas, bem como nos estudos. Paralelamente, sua vida vira um caos ao ter que lidar com a própria família que reivindica mais atenção.

Bem-intencionado, mas não tão bem-sucedido

Falando primeiro sobre o roteiro, é bom constatar que “Boas Intenções” sofre de um alvoroço complexo em seu desenvolvimento, o que pode causar cansaço ao espectador. Por ter uma personagem engajada, esvoaçada e decidida em suas convicções, sendo ela também o fio-condutor da trama, a história aqui acaba tendo variações de ritmo e humor constantes.

Não é preciso mais do que alguns minutos para perceber que o filme tenta pegar forte nessa questão da disparidade social e da falta de empatia de algumas pessoas, o que é ótimo, sem sombra de dúvidas. Contudo, o exagero na protagonista pode deixar o público um bocado pasmo (pela raridade da situação) e um tanto ansioso para ver onde essa história vai chegar.

E, para falar a verdade, é difícil avaliar filmes que tratam de temáticas sociais e familiares sem dissociar a mensagem de nossas perspectivas. Assim, é inevitável que o roteiro de “Boas Intenções” seja alvo de considerações partindo do ponto de vista de cada espectador. Eu entendo a ideia do exagero proposto, mas uma dosagem no script não cairia mal.

boasintencoes02 950b7

Tirando essa bagunça de ideias e o drama um pouco raso, já que não parece ser um grande dilema para a protagonista, o roteiro leva sua mensagem e eu acho que isso é o que vale no fim das contas — afinal, se você não pode ganhar pela lógica, vença pelo cansaço. A produção é boa, com uma direção funcional e umas cenas bem executadas que rendem gostosas risadas.

“Boas Intenções” não é um filme que tem apenas boas intenções, mas que tem ótimas motivações

Muitos atores são desconhecidos e até um tanto inexperientes, mas eu acho que é justamente essa disparidade que ajuda na construção dos personagens de diferentes nacionalidades. Todavia, é claro que o destaque é da protagonista, que praticamente segura o filme sozinha. Não se trata de uma interpretação totalmente dramática ou cômica, mas ela faz o necessário diante da personagem complexa.

No fim do dia, “Boas Intenções” é um filme que podia rumar de forma diferente, inclusive ao não apelar para clichês quanto aos imigrantes, mas ao menos a mensagem foi entregue e de forma bem humorada, ainda que desleixada em algumas partes (mostrando também esse lado falho de quem é envolvido nas causas sociais). Enfim, pode não ser a comédia que queremos, mas é aquela que precisamos para dar uma sacodida!