Crítica do filme A Grande Mentira | Bom demais para ser verdade

Primeiro de tudo, que a verdade seja dita: a indústria cinematográfica carece de bons filmes de suspense. Assim, quando surge um trailer de um filme como “A Grande Mentira”, que sugere uma história minimamente intrigante, ficamos interessados em saber os segredos que um roteiro possivelmente bem construído pode guardar.

Melhor ainda é quando vemos na prévia que estamos diante de uma obra com atores gabaritados como Ian McKellen e Hellen Mirren. Dessa forma, qual é a probabilidade de termos um resultado pouco convincente? É claro que a premissa de um filme e o elenco não garantem uma obra memorável, mas as chances são grandes.

Na trama de “A Grande Mentira”, o golpista Roy Courtnay (McKellen) pensa que tirou a sorte grande quando conheceu a viúva Betty McLeish (Mirren) em uma página de relacionamento. No entanto, aos poucos, Roy percebe que está se afeiçoando a ela, o que pode transformar um golpe brilhante numa corda bamba.

A sinopse não entrega muito, mas o trailer já exibe algumas pistas mais reveladoras. Então, minha primeira dica para quem não foi atrás de muitos detalhes, é parar o texto por aqui e ver o filme antes de ter a experiência prejudicada. Não que o trailer tenha spoilers, mas mínimas informações já podem deixar o enredo menos surpreendente.

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E já respondendo a dúvida daqueles que buscam um parecer que vai direto ao ponto: sim, “A Grande Mentira” é um filme bom. Apesar de tropeçar um tanto em sua própria colcha de retalhes, o roteiro guarda bem os segredos até o último momento. O maior problema talvez seja a enrolação do script e a história pouco crível mesmo.

Acontece nos filmes, não acontece na vida

Há muitas formas de criar um clima de suspense e, seja através de nuances na história ou ao esconder as tramoias de um personagem, o resultado pode ser completamente diferente. No caso de “A Grande Mentira”, a escolha de seguir o viés de um único protagonista nos dá um norte da história, o que tira um pouco da graça.

Mesmo tentando esconder o jogo, o roteiro não consegue disfarçar suas reviravoltas, de forma que a plateia apenas espera o momento de uma surpresa chocante. Isso não seria um problema se estivéssemos falando de um filme curto, porém os devaneios alongam e prejudicam o ritmo do longa-metragem.

Isso quer dizer que a história é ruim? Não, mas a demora em conectar alguns pontos nos leva a acompanhar uma trama diferente da que imaginamos. Ainda é um filme que prende nossa atenção, mas não necessariamente da forma que alguns podem estar esperando numa obra que poderia pender para um suspense mais intenso.

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Tirando esse desvio da proposta, ainda temos a questão dos detalhes que são pouco convincentes. Sim, eu sei que estamos falando de um filme, mas a aproximação com a realidade é um fator que pode ajudar a nos convencer de que não se trata apenas de uma ficção, o que poderia deixar o rumo da trama bem mais coerente.

A mentira tem pernas cansadas

Felizmente, acompanhar essa odisseia de mentiras é um deleite com protagonistas que parecem estar bem confortáveis. Estamos falando de estrelas com décadas de experiência, então tudo soa de forma natural. Claro que devido à idade dos personagens, a história chama a atenção para detalhes que são pouco abordados em tramas similares. 

Assim, aproveitando tanto essas características dos personagens quanto os atores, o filme consegue sair de uma pegada que seria mais suspense para dar espaço a alguns traços de comédia e até ação. Para falar a verdade, eu fiquei bastante surpreso com a versatilidade de Ian McKellen, que no auge de seus 80 anos mostra uma energia surreal.

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A química com Hellen Mirren é algo excelente também, algo que muita gente sequer imaginava ver, mas que felizmente aconteceu. A atriz com seus quase 75 anos também não faz por menos e, apesar de aparecer menos na trama, garante momentos muito impactantes, principalmente por conseguir disfarçar os traços de sua personagem.

Em termos de produção como um todo, “A Grande Mentira” não é exatamente um filme inovador e prefere jogar seguro, porém temos algumas cenas mais complicadas, principalmente algumas em meio a grandes áreas urbanas. O que chama a atenção mesmo é a reconstrução de alguns cenários, que enriquecem muito a história.

Enfim, se você não é uma pessoa muito exigente, provavelmente o rumo desta obra vai ser suficiente para sair satisfeito da sala de cinema e recomendando o título aos amigos que gostam de suspense. E acho que no fim é isso que vale, pois mesmo com alguns deslizes, o filme prende nossa atenção e se mostra uma grande mentira.

Listas | A República é velha, mas o cinema é atemporal

É pessoal, quanto mais as coisas mudam, mais elas ficam as mesmas. Em 15 de novembro de 1889 a turma maçônica do quartel resolveu tirar o barbudão que já não aguentava mais tocar o "império". Enquanto "Os Soberanos do Mundo" estavam de boas, lembrando como foi massa o bailão da Ilha Fiscal, Manuel Deodoro da Fonseca juntou uma trupe e partiu de mansinho pra um role em uma praça no centro do Rio.

Como o gole tava curto a turma resolveu fazer calor e quando perceberam tinham iniciado um golpe de Estado político-militar e instaurado a republica presidencialista brasileira. Ao destituir o chefe, o imperador D. Pedro II, a galera do Deodoro assumiu o poder no país, instituindo um governo provisório republicano, que se tornaria a Primeira República Brasileira. Pedrão tava largado demais, o Deodoro mandou a real e disse para ele "pedir pra sair" e se mandar pro exílio, e o barba tava tão na dele que só disse:

 "Se assim é, será minha aposentadoria. Trabalhei demais e estou cansado. Agora vou descansar"

Com os coroa e a coroa fora, a República começou a tocar os Estados Unidos do Brasil, que desde aquela época pagava pau para gringo. O problema é que mudou tudo e tudo ficou igual e ninguem gosta de levar chibatada, não importa se quem segura o chicote é rei, presidente ou marechal.

Nessa época rolou muito pancadaria pra ver se era melhor apanhar da polícia ou dos bandido. O pior é que a turma do Deodoro tinha zero paciencia e se você reclamasse da desigualdade social, dos aumentos nos impostos, do racismo, da zoeira na política e outras coisas que já não afligem mais a nossa grande nação era só questão de tempo até a matadeira assobiar. Por conta de tudo isso é difícil enteder bem a República Velha, e olha que nem estamos falando de Star Wars, siths e jedis

Para ajudar vocês a entenderem um pouco mais do tumulto que foi essa parada, que só foi terminar quando deram outro golpe lá em 1930, a gente preparou uma listinha de filmes que retratam um pouco do clima e dos conflitos que rolaram durante toda a República Velha. Daquele pessoal antivacina e os corre que o Oswaldo Cruz teve que dar, até os massacres de Canudos e do Contestado com seus Inri Cristo da depressão, ou ainda a Revolução Federalista que literalmente deixou muita gente degolada pelos pampas.

Crítica do filme Ford vs Ferrari | Uma volta triunfal ao passado

O tempo passa rápido e pode ser cruel. Passa tão rápido quanto as incríveis máquinas que percorrem as 24 horas do circuito de Le Mans e pode ser tão desgastante quanto o evento. Assim, muitas vezes, alguns grandes feitos na história são esquecidos como as marcas de pneus desgastados na pista.

Pode parecer um tanto poético, mas essa introdução é uma boa partida para falarmos de “Ford vs Ferrari”. Aliás, importante não deixar se levar pelo título, que pode dar a impressão de uma guerra entre duas fabricantes de automóveis, quando, na verdade, temos aqui um filme sobre seres humanos.

Então, para começo de conversa, este não é um filme dedicado somente aos fãs do automobilismo. A base da obra é a guerra entre as duas marcas na década de 1960, batalha iniciada pela Ford, que queria ir além dos carros de passeio:  ela queria ser a campeã de Le Mans, dominada, até então, pela Ferrari.

Todavia, apesar deste pano de fundo, o que temos aqui é um filme muito mais denso, que fala da ambição, da garra, do heroísmo e também da coragem do homem. E temos um tanto dessas características vindas de dois lados distintos: dos empresários e dos pilotos. É uma volta ao passado, uma busca para entender um pouco do que move esse mundo da corrida automobilística.

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E a soma de tudo isso poderia resultar em um filme superficial, afinal não é um bicho de sete cabeças filmar carros e fazer um relato histórico. Contudo, o que temos aqui é uma obra feita com paixão, que parece justamente dar vez às emoções, em vez de focar somente nos fatos.

Também não poderia ser diferente com talentos como Matt Damon e Christian Bale tomando o volante e um ótimo diretor para mostrar o que de verdade importa. Se o filme é tudo isso que estão falando? Sim, tudo isso e mais um pouco.

Há considerações a serem feitas – afinal, mesmo uma corrida perfeita pode ter algumas derrapagens – e como sempre há um público-alvo. No entanto, temos aqui um excelente retrato de homens que correm pela paixão, alguns que até podem ser desconhecidos para uma grande parcela dos espectadores.

Complexo como uma corrida

Eu não sei vocês, mas eu sempre me pergunto o porquê da escolha de alguns temas. Afinal, o que levou os irmãos Butterworth e Jason Keller a contarem essa história? Com tantos episódios na corrida, por que eles queriam falar deste episódio em específico? Qual a relevância do tema para o grande público?

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É claro que após tantos anos de acompanhamento da indústria de filmes, nós já temos uma percepção formada sobre os tipos de temas que Hollywood gosta de abordar, sendo um deles o reforço constante a supremacia das marcas e dos heróis americanos. Então, nesse sentido é bastante óbvio que eles queiram relembrar de como alguns heróis viraram o jogo em Le Mans e garantiram glória mundial para seu país.

Por outro lado, é interessante notar que esta não é uma história apenas de vitória, mas também de lutas e derrotas. O filme que é quase tão longo quanto algumas corridas (são 2 horas e 30 minutos) pode parecer cheio de curvas, aceleramentos e reduções de velocidade, porém há boas justificativas para esse ritmo inconstante e também para a duração prolongada.

Nesta volta ao passado, o roteiro de “Ford vs Ferrari” precisa dar o contexto histórico, apresentar os fatos, desenvolver protagonistas e fazer isso de forma emocionante – afinal, estamos falando do mundo das corridas, que é pura adrenalina. Dessa forma, apesar de muito coeso, o script alongado pode parecer cansativo para espectadores que gostam de filmes que vão direto ao ponto.

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E, novamente, parte do problema é o título enganoso, que nos atrai para uma corrida, mas acaba nos colocando no box para acompanhar a vida dos protagonistas. Só que isto não é uma coisa ruim, pois a emoção da coisa é justamente ver os “heróis” em suas próprias corridas para lutar contra o corporativismo e enaltecer o espírito do automobilismo mesmo.

Aqui sim, finalmente temos o que faz de “Ford vs Ferrari” ser um campeão: os humanos. E não estou falando apenas dos protagonistas, mas do elenco competente. O dinamismo entre Matt Damon e Christian Bale é perfeito, algo que só é possível também graças aos desempenhos individuais muito impactantes. Eles retratam seres humanos mesmo e são muito convincentes.

Sabe aquele tipo de coisa que só grandes atores como Matthew McConaughey conseguem fazer em filmes como “Interestelar”? De parar e chorar na frente de uma TV e fazer a gente mergulhar nas emoções? Esse é mais ou menos o feeling com Christian Bale aqui, que muitas vezes está sozinho no veículo e com uma câmera pegando todas as suas reações e somos convencidos com sua interpretação perfeita.

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E o mérito não é só deles, pois temos outros grandes talentos aqui que também ajudam a dar o contexto, como é o caso de Tracy Letts, que é responsável por uma das cenas mais hilárias e, ao mesmo tempo, emocionantes da película. E é na composição de pequenos trechos que “Ford vs Ferrari” leva o mérito de ser um dos melhores filmes do ano e também do gênero.

Voltando ao passado

É claro que uma produção desse nível não pecaria em detalhes técnicos, afinal o contexto é importantíssimo para o resultado final. Dessa forma, temos uma “direção impecável” (entendeu o trocadilho?) de James Mangold – que você possivelmente adora pelo incrível trabalho em “Logan” (não o carro da Renault, o filme neste caso).

Mangold prova sua versatilidade aqui por ter que lidar com situações muito distintas e que são bem difíceis de colocar num filme que tenta retratar uma época passada com tantos detalhes. Das situações domésticas, passando por diálogos mais intimistas, aos momentos mais acelerados nas pistas, com ângulos muito fechados nos atores, e mostrando com detalhes os acidentes comuns no automobilismo, somos levados a crer que estamos em 1960, mas vendo um retrato sem defeitos.

Tão bonito quanto uma Ferrari, tão emocionante quanto a adrenalina de correr num Ford GT40!

Mérito também da equipe de produção, que caprichou no design, e também do diretor de fotografia, que juntos pintam essa ambientação. Importante notar o trabalho também na reconstrução dos veículos e na simulação dos ambientes, pois ainda que muita coisa ainda esteja bem conservada, é preciso muita competência (e dinheiro) para criar essa atmosfera permeada por supermáquinas.

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O evento fica completo com a trilha sonora muito puxada para o lado emotivo, que nos permite sentir o batimento cardíaco acelerado e embarcar na emoção da corrida. Enfim, um filme que acerta no dinamismo entre planejamento e execução. Não é de se duvidar que ele realmente esteja indicado em diversas categorias do Oscar.

E, para finalizar, é bom ver uma obra que volta para contar sobre alguém como Ken Miles, que apesar de seus defeitos e de ter tido seus momentos de glória, merecia uma homenagem (e talvez esse tipo de reparação) proporcionada pelo filme. Vá ao cinema e sente no banco do carona, porque a corrida de “Ford vs Ferrari” é emocionante!

Crítica do filme Dora e a Cidade Perdida | Compromisso apenas com a diversão

Se a gente analisar bem, todo desenho animado é esquisito. “Dora, A Aventureira”, não é diferente, pois chama atenção por interagir diretamente com a audiência durante os episódios do desenho, ensinar os pequenos a falar outras línguas e contar curiosidades sobre seu universo.

Dora costuma se aventurar pela selva, resolvendo enigmas juntamente com objetos variados que falam e tem um rosto, como a Mochila e o Mapa, além de seu melhor amigo, o macaquinho Botas. Tudo isso é bastante aceitável em um programa infantil, mas dificilmente funcionaria em um filme, certo?

Felizmente, todos os envolvidos na produção de “Dora e a Cidade Perdida” sabiam exatamente onde estavam se metendo, integrando todos os elementos absurdos e abraçando a esquisitice sem medo de ser feliz, e o resultado é estranhamente divertido!

Interagindo em outras línguas

“Dora e a Cidade Perdida” é dirigido por James Bobin e a trama acontece dez anos após o desenho já citado. Tendo passado a maior parte de sua vida explorando a floresta com seus pais, nada poderia preparar Dora (Isabela Moner) para a aventura mais perigosa de todos os tempos - o ensino médio.

A aventureira Dora rapidamente se vê liderando o macaco Botas, o primo Diego (Jeff Wahlberg), o esquisito Randy (Nicholas Coombe) e a estressada Sammy (Madeleine Madden), além do professor de línguas mortas Alejandro (Eugenio Derbez) em uma busca para encontrar a cidade de Parapata, assim como seus pais (Eva Longoria, Michael Peña).

Abraçando todas as peculiaridades do consagrado desenho, muitas vezes você vai achar que Dora sofre de esquizofrenia, mas a verdade é que é tudo pela diversão e quando você aceitar isso vai achar tudo bem mais engraçado.

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Acredito que seja essa a forma que as crianças enxergam, o personagem pode sim falar diretamente conosco e não há nada de errado nisso. Há também entretenimento para os pais que são obrigados a assistirem ao filme, apesar da classificação etária ser focada nos pequenos. 

Raposo, não pegue!

“Dora e a Cidade Perdida” é bastante descompromissado e claramente não tinha pretensão em mostra realismo algum. O Raposo (dublado por Benicio del Toro) foi criado com computação gráfica, mas sua participação é tão pequena que serve mais como uma referência ao material original do que um elemento relevante para o filme.

Por outro lado, o macaco Botas (também CG) rouba a cena em todos os momentos em que aparece, principalmente em uma das cenas em que interage apenas com Dora, mas não vou detalhar para não dar spoiler. Depois de alguns minutos de filme é fácil suspender a crença e apenas aceitar que a criança sai pro mato sozinho e fala com as coisas e com os animais, é tudo pela diversão!

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Infelizmente, a maioria das piadas funciona melhor na versão original. A dublagem não chega a ser ruim mas claramente faltou um trabalho a mais para adaptar os diálogos, nada que vá atrapalhar a experiência, mas claramente o filme é focado no público norte-americano.

 Você pode dizer “neurotoxicidade extrema”?

Não apenas por ser a personagem do título, mas Isabela Moner é a alma do filme. As chances de ser apenas uma personagem irritante e meio boba eram bem altas, mas o jeito inocente e alto astral de Dora combinam totalmente com a atriz. Até mesmo quando ela começa a cantar e dançar (algo que ninguém gosta, dentro e fora do filme), parece natural e não apenas estúpido.

“Dora e a Cidade Perdida”  é repleto de mensagens positivas: seja quem você é, cuide do meio ambiente, respeite as diferenças dos amigos, aprenda quantas línguas puder e preste atenção nas aulas, pois nunca se sabe quando você vai precisar resolver enigmas numa floresta.

Se todas as adaptações tentassem ser divertidas e atualizadas como “Dora”, certamente não teríamos tantos fracassos de bilheteria na indústria, além de infinitas sequências para franquias que já deveriam ter acabado faz tempo.

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Para qualquer um que já viu “Dora, a Aventureira” e para quem apenas tem uma curiosidade irresistível, certamente o filme será um ótimo investimento de tempo, se considerar que é feito para o público infantil e não tem o menor compromisso com a realidade.

Listas | Relembre, relembre, filmes revolucionários em todo novembro

"Lembrai, lembrai do 5 de novembro
A pólvora, a traição e o ardil
Por isso não vejo porque esquecer
Uma traição de pólvora tão vil
Guy Fawkes,Guy Fawkes, esta era sua intenção
Explodir o rei e o Parlamento
Três montes de barris de polvora abaixo
Para derrubar a pobre Inglaterra
Pela providencia divina foi capturado
  Com uma lanterna escura e um fósforo
    Halloa boys, Halloa boys, façam os sinos tocar
Halloa boys, Halloa boys, Deus salve o Rei
Hip hip Horray"

Pois a gente não esqueceu do cinco de novembro e não vamos deixar passar a oportunidade de se juntar a revolução. Parafraseando grandes líderes mundias, os Beatles, tem gente que diz que quer uma revolução, mas bem, você sabe, todos nós queremos mudar o mundo, todavia, quem é que tem uma idea real do que deve ser feito.

Para inspirar os revolucionários de amanhã, que tal uma boa seleção de filmes revoltados que não aceitam o status quo. Seja na luta pela independencia nacional, pelo fim do domínio imperialista em uma galáxia muito, muito distânte, ou ainda para  se livrar do controle virtual de máquinas sensientes o importante é não abaixar a cabeça e seguir lutando para fazer a diferença!

Critica do filme Doutor Sono | O Mundo é um lugar faminto

Doutor Sono agrada, mas não encanta. O grande problema do filme é que, por mais injusto que seja, ele deve ser diretamente comparado com as obras de Stephen King e o filme O Iluminado de Stanley Kubrick. A comparação é necessária não apenas por se tratar de uma sequencia da história, mas por conta de todas as diferenças da controversa adaptação de Kubrick, até hoje execrada por King e celebrada por cinéfilos. Assim, é necessário antes de qualquer coisa se posicionar como uma sequencia do livro ou do filme, algo que Mike Flanagan não consegue definir ao longo de toda a película.

Caso você seja capaz de olhar para além do clássico talvez Doutor Sono pareça de fato melhor do que realente é. Sem desmerecer o trabalho de Flanagan — que já mostrou capacidade com o gênero na boa adaptação de Jogo Perigoso e no excelente A Maldição da Residência Hill — ele não é nenhum Kubrick e suas escolhas empurram o filme mais a aventura fantástica do que para o suspense sobrenatural.

De maneira encapsulada, Doutor Sono é interessante, mesmo que não acerte em cheio os fãs de terror. A história de King cria uma mitologia própria ao mesmo tempo em que revisita os demônios exorcizados em O Iluminado. O filme acerta o ritmo, mas perde boas chances de se tonar algo maior. Com pouco mais de duas horas e meia é um filme se mantém ágil, mas sem apresentar muito conteúdo.

No final, ficamos com a sensação de que, seja em seu formato literário, ou como uma grande adaptação cinematográfica hollywoodiana, O Iluminado não precisava de uma continuação.

Fantasmas do passado

Após os acontecimentos do Hotel Overlook, Danny Torrance e sua mãe se mudam para Flórida, mas os fantasmas seguem atormentando o garoto. Até que o espírito de Dick Hallorann surge para ensinar Danny a utilizar seus poderes psíquicos para conter as assombrações. Nesse tempo, somos apresentados a Rose Cartola a líder do Verdadeiro Nó, uma guilda de seres quase-imortais que se alimentam da essência de pessoas “iluminadas” como Danny.

Quase trinta anos se passaram desde a morte de seu pai Jack no hotel Overllok, mas Danny ainda sofre com outros fantasmas do passado, o legado de alcoolismo e temperamento violento de seu pai. Tentando fugir desses demônios pessoais, Danny vaga pelo interior dos Estados Unidos, até o dia em que chega à pequena cidade de Frazier, onde parece encontrar um lugar de paz tanto física e emocionalmente.

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Danny trabalha em uma clínica de cuidados paliativos, onde utiliza seus poderes para ajudar pacientes terminais a morrer em paz com tranquilidade, quando descobre a existência de Abra Stone, uma garotinha “iluminada” que mantém contato psíquico com ele.

O que era apenas uma “amizade a distância” é forçada quando Rosie e o Verdadeiro Nó descobrem a existência de Abra e, atraídos pelo tremendo poder da garota, começam uma caçada sobrenatural para consumir a essência dela.

A trama possui vários elementos interessantes e o trabalho de Flanagan torna tudo muito ágil, apenas do filme rodar por mais de duas horas e meia. O problema aqui é que, mesmo com todo esse tempo de duração, o filme não consegue explorar os pontos mais interessantes da obra, como os membros do Verdadeiro Nó e, principalmente, o relacionamento de Danny com seu pai.

Um mundo iluminado

Por incrível que pareça Ewan McGregor (Danny Torrence), maior nome da película, não é o grande destaque do filme. Operando em baixa rotação, talvez por escolha criativa do ator para evocar o cansaço mental do personagem, McGregor não brilha tanto quanto suas companheiras de tela, Rebecca Ferguson (Rose Cartola) e Kyliegh Curran (Abra Stone).

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Ferguson que passou a chamar a atenção depois de aparecer nos últimos dois filmes da franquia Missão: Impossível entrega uma personagem intrigante que cativa o espectador apesar de seus atos perversos. Enquanto isso, Kyliegh Curran se destaca com sua confiança (que beira a arrogância) em um equilibro que mistura elementos de ambas as personagens e ainda sim emana inocência.

Sem entrar em detalhes da trama e estragar eventuais surpresas da história, é uma pena que, nem mesmo nos flashbacks, não tenha sido utilizados modelos dos atores originas de O Iluminado, dito isso, Carl Lumbly, Alex Essoe e Henry Thomas fazem um bom trabalho na pele de personagens que foram eternizados por Scatman Crothers, Shelley Duvall e Joe Turkel. Fica também o destaque para ótima cena de Jacob Tremblay que em poucos minutos de cena dá um tom muito mais sinistro a todo o filme, desencadeando toda a trama.

Se a sua estrela não brilha, não tente apagar a minha

A verdade é que Mike Flanagan não faz nada muito errado, mas também não apresenta nenhum acerto sensacional. O filme se desenvolve com relativa agilidade e não se torna enfadonho em nenhum momento — há sempre algo acontecendo na tela para prender a atenção. Alguns truques bem elaborados do diretor, que também assina o roteiro, criam imagens inteligentes para a representação dos poderes psíquicos dos iluminados e do Verdadeiro Nó.

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O problema de Doutor Sono é bem mais simples e impossível de ser contornado, não se trata de um filme de Stanley Kubrik. Além disso, apesar da fala de Flanagan, o filme não se posiciona definitivamente como sequencia do livro ou do filme. É preciso entender as diferenças criativas por trás de cada obra e isso guia sim o desenvolvimento de uma continuação.

Doutor Sono não é ruim, mas não empolga. Falta o tempero kubrickiano e umas pitadas de Nicholson para dar sabor ao filme

King escreve O Iluminado e o descreve como uma de suas obras mais autobiográficas, tendo concebido o livro enquanto ele próprio lutava contra o alcoolismo em um hotel muito similar ao Overlook. Enquanto a produção de Kubrick é tão complexa que existem filmes sobre o filme e seus significados.

Ao tentar agradar ambos os lados o filme peca por não encontrar a sua própria identidade, parecendo algo estéril. Doutor Sono é um bom filme e certamente encontrará um público cativo, mas nunca terá o mesmo apelo que o original.

Crítica do filme Cadê você, Bernadette? | Uma busca incansável

Apesar do título ser bastante revelador, “Cadê você, Bernadette?” de Richard Linklater (Escola de Rock) não é sobre procurar alguém, mas de reencontrar. Inspirado no livro homônimo de Maria Semple, o filme conta a história de Bernadette Fox (Cate Blanchett), uma arquiteta bem sucedida no mercado, que em algum momento da sua vida esqueceu a sua essência. 

De forma muito sutil e sensível, Linklater trabalha duas doenças que estão cada vez mais presente na atualidade: a depressão e ansiedade. Calma! Longe de ser uma história dramática, o filme retrata de forma leve, por vezes um pouco ácida, o que é viver refém de você mesmo. 

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Estamos acostumados com a personalidade excêntrica e singular que grandes artista contem, com Bernadette não é diferente. Desenvolver soluções criativas para resolver um problema sempre foi o que motivou ela a criar. Ícone feminista na arquitetura dos Estados Unidos ganhou os olhares de acadêmicos e profissionais na área. Nesta trilha ascendente, a protagonista resolve dar mais dois passos para o desconhecido: mudar de cidade e gerar uma família. 

Tomada a decisão, Bernadette cria suas raízes (quase literalmente) em Seattle, uma cidade chuvosa no norte do país. Ao contrário de suas grandes realizações arquitetônicas, a sua casa é a mais omissa na vizinhança, que remete a um lugar abandonado e esquecido pelos seus proprietários.  Essa contradição fortalece o conflito que existe internamente e externamente em lidar com mudança ao mesmo tempo que se adapta às adversidades da profissão e familiar.

Sem convívio social ativo e cada vez mais distante do seu marido Elgie Branch (Billy Crudup), que sempre está no trabalho, a sua única amiga é secretária Majula, uma inteligência artificial. Lembrou de Her né?! Pois é, sem ser algo fantasio como na história do escritor solitário Theodor (Joaquim Phonix), Bernadette usa o seu celular para desabafar.

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Este sentimento de solidão e não enxergar o sentido da vida veio à tona com o desejo da sua filha Bee (Emma Nelson) de realizar uma viagem em família para Antártica. As fobias de ter que socializar e perceber que precisa se reconectar com suas paixões criativas faz  com que embarque em uma aventura de autodescoberta. E isso, só seria possível se fosse no continente mais inóspito do planeta Terra.  

Ainda que a protagonista do filme é Bernadette Fox, a história é contada pelo ponto de vista da sua filha adolescente e melhor amiga, a única que compreende as suas ações e a necessidade da sua mãe descobrir quem ela é, ou melhor, o que faz ela ser a Bernadette.

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Diferentemente de uma história triste e com olhar melancólico, Linklater conduz a trama para um lado mais cômico sem deixar de ser aprofundar e de ressaltar amplitude dos problemas psicológicos da protagonista, que ganha destaque com a atuação de Cate Blanchett ao incorporar uma personalidade de uma mãe super amável e desajustada, mas com um vazio em seu peito e dúvidas no olhar. 

Dessa maneira, é visível o esforço do diretor em reforçar a mensagem do conteúdo. Contudo, a sua preocupação em transmitir a história ofusca a sua identidade e assinatura cinematográfica, que ficou tanto em evidência em seu longa Boyhood: Da Infância à Juventude.

Quantas Bernadette você perdeu ao longo do caminho? 

É nessa procura incansável que nós, mulheres, nos identificamos com a personagem. Quantas vezes nos anulamos para dar suporte ao filho ou relacionamento que está ameno? Quantas vezes deixamos de ser prioridades para nós mesmas? É tão fácil não olhar para si mesma, que quando percebemos já estamos cegas a muito tempo. 

Não é um filme de ir em busca de um familiar perdido, mas levar o espectador ao reencontro da personagem Bernadette antes de tudo virar um caos. Uma comédia serena e feminista, mas repleta de sentimentos amarrados com a nossa realidade de ser artista, profissional, esposa, mãe e, principalmente, de ser nós mesma. 

Crítica do filme Link Perdido | Ninguém quer viver sozinho

Indo na contramão dos grandes estúdios de animação e focando no trabalho duro, o estúdio Laika vem desenvolvendo incríveis produções há mais de dez anos, utilizando a consagrada técnica de stopmotion. Apesar de ser bem mais trabalhoso e demorado, é inegável que esteticamente o estilo é inigualável.

Link Perdido” é o quinto título do estúdio, uma comédia com tons de aventura sobre o explorador Sir Lionel Frost (Hugh Jackman), um excelente investigador de mitos e monstros. Porém, nenhum de seus colegas o leva a sério, barrando sua filiação ao clube de caçadores de lendas e desdenhando de seus feitos.

Para finalmente ser aceito, ele decide desafiar o presidente do clube e provar de uma vez por todas que o Elo Perdido entre o homem e o macaco existe, sendo conhecido por muitos nomes em mitologias diversas, entre eles Sasquatch.

Muita paciência e trabalho

Para quem se interessa pelos detalhes técnicos, “Link Perdido” demorou cerca de dois anos para ser produzido, em média apenas um segundo de animação por cada semana de trabalho. Vale a pena conferir o making of para entender como a animação foi desenvolvida e todo o carinho da equipe em criar um experiência única.

Infelizmente, apesar de ser o mais impressionante título do estúdio no sentido técnico, acaba pecando por falta de personalidade e ousadia narrativa, algo bem presente nos filmes anteriores do Laika. Pessoalmente eu não aguento mais filmes sobre abomináveis homens das neves e suas variáveis, então já fico com um Pé atrás quando sei que o filme aborda esse tema. Mas no caso de “Link Perdido”, só a animação já compensa seu tempo.

É visível que tanto o roteiro quanto os personagens foram simplificados para atingir um público mais infantil. Toda a graça do filme recai sobre o famigerado “Sr. Link” (Zach Galifianakis), tornando o protagonista Sir Lionel bem menos interessante do que os seus companheiros, além de ter um desenvolvimento bastante convencional.

Sr Link, é o famoso elo perdido entre os humanos e os primatas ancestrais. É interessante como ele quebra a ideia de “bicho estúpido”, mostrando-se sensível em diversas situações e raramente tomando decisões agressivas, além de entender tudo de forma literal.

A difícil tarefa de entender seu lugar no mundo

Entretanto, o roteiro assinado pelo diretor de animação de longa data do estúdio Laika, Chris Butler, se esforça para apresentar Sir Lionel e Sr. Link como dois lados da mesma moeda. De fato, há uma falsa equivalência no desejo de Sir Lionel de juntar-se ao clube Optimates de Londres, um grupo conservador que simboliza tudo de ruim da cultura Vitoriana, e a busca de Sr. Link por seus parentes distantes, os Yetis que vivem na mística Shangri-La, para que ele não precise permanecer sozinho. Ambos buscam a validação de seus semelhantes e o pertencimento, porém os motivos de cada um são totalmente distintos.

Os personagens secundários não chamam atenção, temos Adelina Fortnight (Zoe Saldana) que serve apenas como apoio emocional de Sir Lionel e gosta de mostrar que sabe se virar sozinha, mas constantemente precisa ser resgatada, nem sempre por sua culpa. Os antagonistas mal aparecem e são totalmente dispensáveis, representando a sociedade Vitoriana e servindo de chacota para o que há de pior nos britânicos.

Ainda assim, não há como negar que Link Perdido pode ser considerado o mais belo trabalho do estúdio Laika até hoje, lembrando que eles são responsáveis pelo magnífico “Kubo e as Cordas Mágicas”. A impressão é que Butler e seu time de animadores tentaram explorar visuais variados para demonstrar tudo que o estúdio pode alcançar. Vemos desde a Inglaterra Vitoriana até viagens tempestuosas pelo oceano e os montes gelados do Himalaia.

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O stop motion do estúdio nunca esteve mais fluído e expressivo, complementado com efeitos especiais de pós-produção, mesmo que haja uma busca pelo realismo ao invés de uma estilização maior nos designs, rostos e formas, com a possível exceção dos animais, que sempre tem uma cara bem engraçada.

Por outro lado, é mais fácil ficar frustrado pelo roteiro sem graça e desenvolvimento fraco dos personagens quando se considera todo o tempo, trabalho pesado e paixão que claramente foram colocados para que o filme fosse produzido, nada que torne a experiência ruim, mas vale salientar que o público alvo são as crianças mesmo.

Considerando todas as coisas, Link Perdido é o perfeito filme robusto reforçado por uma bela animação. Embora padeça da falta de profundidade emocional e temas mais ricos, os fãs certamente apreciarão o comprometimento do Laika em preencher seus filmes com personagens estranhos e igualmente bizarro no humor.

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Aqueles que se interessam são bastante encorajados a conferir na telona do cinema, onde é possível apreciar com detalhes esse universo criado com muito suor e amor. Afinal de contas, se o filme fizer sucesso, talvez mais dez anos de animações maneiras estejam por vir.

Critica do filme A Odisséia dos Tontos | Em União e Liberdade

Baseado no livro de Eduardo Sacheri, La Noche de la Usina, o diretor e roteirista Sebastian Borensztein apresenta em A Odisséia dos Tontos uma divertida história de um grupo de “perdedores” que luta por uma vitória contra o próprio sistema que os subjuga. Em tempos de crise política e econômica em toda a América Latina, a nova produção estrelada por Ricardo Darin — ator xodó do cinema hermano — aposta no poder terapêutico da história, ambientada na crise Argentina de 2001.

A trama simples e bem amarrada é elevada em todos os níveis pela direção inteligente de Borensztein. Explorando ao máximo o excelente elenco do filme, o diretor dá espaço suficiente para que Luis Brandoni, Daniel Aráoz, Carlos Belloso e até mesmo o filho de Darin, Chino — que também assina a produção da película junto com o pai — ditem o ritmo da película.

A Odisséia dos Tontos é mais uma ótima produção argentina e já desponta como pré-indicado ao Oscar 2020. Com um humor bem dosado e uma história incrivelmente atual e pertinente, o filme tem um carisma todo especial valendo cada minuto dos seus 116 minutos.

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Em uma cidadezinha nos cafundós da Argentina, um grupo de humildes moradores, liderados pelo casal Fermín Perlassi (Ricardo Darín) e Lidia (Verónica Llinás), decidem formar uma cooperativa para comprar e administrar um silo abandonado, reestabelecendo a economia local e gerando vários empregos na região. A utopia “anarquista” começa a se estruturar e um a um os moradores vão depositando a sua parte no negócio.

No entanto, mal sabem eles que o sonho está para se tornar em um grande pesadelo. Para facilitar a liberação do seu empréstimo, o grupo acaba depositando todo o dinheiro arrecadado no banco, mal sabiam eles que no dia seguinte o governo neoliberal de Fernando de la Rúa aplicaria o famoso “corralito”, congelando os depósitos dos poupadores e estabelecendo limites para a retirada de fundos — uma versão portenha do Plano Collor 1.

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Em tempo, o bando de perdedores acaba descobrindo que foram induzidos propositalmente a realizar esta operação financeira, para que outra pessoa, ciente do que estava por vir, pudesse tirar todo o dinheiro antes da medida econômica entrar em vigor. Furiosos com o esquema e desesperados para reaver suas economias, a cooperativa vai atrás do que lhes foi tirado, em uma vingança que traz justiça, não apenas para eles, mas para todos que já foram enganados pelo sistema.

É muito fácil se identificar com a trama do filme, não apenas pela proximidade geográfica dos eventos, mas pelo contexto histórico que teima em se repetir por toda a América Latina. Os tontos do filme são “pessoas reais”, aqueles tipos que encontramos em qualquer cidadezinha, ou melhor, qualquer bairro seja da Argentina ou do Brasil.

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Duas vezes Darin

Falar em cinema argentino contemporâneo é falar de Ricardo Darin, o “galancito” que chamou a atenção do mundo em Nove Rainhas, soma sucessos de crítica e público. Ano após ano o ator emplaca filmes sejam comédias, dramas ou policiais como O Segredo de Seus Olhos, Relatos Selvagens e Um Conto Chinês. Em A Odisséia dos Tontos não é diferente, o filme — mesmo em plena crise econômica (mais uma) — já é uma das maiores bilheterias portenhas do ano e pré-candidato argentino para o Oscar 2020. Além disso, o nome de Darin também aparece na produção e no sobrenome de outro coadjuvante da película, seu filho Chino com quem contracena pela primeira vez no cinema.

Mas o cinema argentino e A Odisséia dos Tontos não vive só de Darin, mesmo que sejam dois, o filme também traz um ótimo elenco de apoio com destaque para o trio formado pelo veterano Luis Brandoni na pele do borracheiro “anarquista” Antonio Fontana, o impagável Carlos Belloso e seu “Loco” Medina e Daniel Aráoz como Belaúnde, um peronista convicto.

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“Boludos”

De crise em crise a Argentina vem dançando seu tanto político há um bom tempo. O atual momento, de retorno peronista não poderia contextualizar melhor a obra de Borensztein, que diz muito sem falar alto, com um filme simples que explora o poder do grupo, da cooperativa, e brinca com o espírito Robin Hood do pequeno tirando do grande.

Como no brasão Argentino, em união e liberdade, o grupo de heróis sem grandes atributos se tornam maiores pela união de suas forças. O grupo de “idiotas” como eles próprios se intitulam, são capazes de forjar um plano que devolve a dignidade para todos que já se sentiram explorados pelo sistema.

A Odisséia dos Tontos cativa com seus heróis carismáticos e sua mensagem universal de vingança robin-hoodiana

Munido de uma ingenuidade quase que infantil, o filme de Borensztein equilibra comédia, drama e pitadas de crime no que é um ótimo “filme de assalto” (heist movie) à lá 11 Homens e um Segredo. Com uma história de pequenos contra gigantes, A Odisséia dos Tontos agrada todos os públicos e não ficaria surpreso se em breve Hollywood transportar a saga dos idiotas portenhos para o cenário estadunidense.

Crítica O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio | Diversidade que dá gosto!

Nas últimas décadas, o conceito de franquia cinematográfica ganhou proporções além do que podíamos imaginar – isso sem nem entrar no papo de universo compartilhado. A verdade é que inspirados em casos de sucesso, às vezes até de concorrentes, alguns estúdios tentar transformar algo que incialmente era planejado para uma aventura isolada em algo que possa ter diversos capítulos.

Às vezes, essa ideia não surge de imediato, mas, a cada intervalo de tempo, algumas franquias parecem ressurgir do esgoto para trazer um pouco mais de alegria para o público dinheiro aos produtores. Assim, nascem aberrações como o penúltimo capítulo de “O Exterminador do Futuro” (também conhecido como Gênesis), uma obra que o senhor James Cameron faz questão de não ter qualquer associação com seu nome.

O ponto é que existe uma nítida diferença entre franquias pensadas desde o começo para contar uma história e outras projetadas com base na reação do público. É o caso de “O Exterminador do Futuro”, que obviamente funcionava bem em seus dois primeiros episódios, mas que degringolou com o passar dos anos, devido a tantas reviravoltas não planejadas.

Com o passar dos anos, a adição de novos roteiristas acabou desvirtuando o propósito da franquia. Particularmente, eu não considero o terceiro e quarto título como obras inconcebíveis (e na verdade até simpatizo com a guinada no filme com Christian Bale), porém é claro que fica cada vez mais difícil voltar à essência. E aí é perfeitamente normal que o público tenha um certo receio com o anúncio de um novo capítulo.

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Afinal de contas, o que “O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” pode ter de tão genial para valer a ida ao cinema? Bom, se você procura inovação ou genialidade como a dos primeiros filmes da saga, pode segurar seu cavalinho robótico aí, pois é claro que este filme não reinventa a máquina. Repleto de ideias repetidas e permeado por algumas inconsistências, o novo título não é algo único ou imperdível.

No entanto, o roteiro com um mínimo de coerência e a direção tradicional já evita um desgosto inicial. Além disso, a adição de algumas temáticas modernas, a diversidade de protagonistas e a ação na dosagem certa resultam numa obra que ao menos diverte e não agride nossa inteligência. Um filme que remete aos antigos e que ainda garante algumas risadas. Boa opção para curtir com pipoca.

O Exterminador tem uns furos

É natural que após tantos anos de invenções mirabolantes, uma franquia já desgastada tenha dificuldades em fazer sentido. Afinal, como é possível consertar o passado se ele já aconteceu e o mundo todo presenciou tais eventos? Não existe solução fácil, por isso “O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” opta por ignorar quase tudo que acontece depois do segundo filme.

A boa notícia é que para quem nunca viu nada deste universo, o resumo inicial dá conta de apresentar personagens e fatos importantes. E aos fãs da saga que não sabem a partir de que ponto a nova história tem seu pontapé inicial, a introdução é a base para o desenvolvimento dos fatos que serão apresentados no decorrer das quase duas horas de projeção.

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Bom, repetição é algo inevitável nos filmes desta série, afinal todos têm o mesmo tipo de situação: humanos fugindo constantemente de um exterminador e pensando em formas de derrotá-lo. Não há como fugir da fórmula, então é normal que você veja diversas familiaridades nesta história. Então, a inovação fica exclusivamente por conta da ambientação proposta, que aqui foi muito bem acertada.

Diferente dos tantos episódios da saga, este novo capítulo aposta em levar a história para outro país: o México. Com isso, temos personagens latinos (mas sem o famoso “Hasta la vista”) e uma série de temas bem recentes. Algumas justificativas são pífias e o desenrolamento tem suas falhas, mas é tudo aceitável quando a gente vê que os caras estão se esforçando para honrar a saga e manter uma boa de entretenimento.

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Contudo, não importa o quanto o filme tente se justificar ou driblar inconsistências, é muito difícil uma obra que mexe com viagem no tempo conseguir criar algo coerente. Assim, o desenvolvimento de “O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” tem seu destino sombrio: paradoxos temporais e brechas para novas linhas do tempo. Para quem sempre faz uma mínima reflexão, esse tipo de coisa pode incomodar um tanto.

Ele voltou, mas o futuro é feminino

Além da história genial e de jargões marcantes, o trunfo da franquia sempre foi os personagens caricatos e imponentes. Não é por acaso que até mesmo algumas continuações trouxeram versões alternativas do T-800 até mesmo parecendo um boneco de cera (com um modelo de Arnold Schwarzenegger todo digitalizado).

E parafraseando o filme me que o próprio robô falava “I’ll be back”, agora podemos ter a certeza de que ele não estava mentindo. O retorno deste exterminador clássico é um dos pontos altos do filme, porém ele não é nem de longe tão marcante quanto o trio protagonista. Na verdade, o personagem está aqui mais para fazer uma graça, bem como para dar suporte na história sem deixar tantos buracos.

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Até agora eu sequer tinha falado da história do filme, afinal esta é uma crítica sem spoilers, mas a sinopse não machuca e é importante agora. Em “O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” acompanhamos Sarah Connor e Grace (uma nova personagem da história) tentando proteger uma jovem mexicana de um novo tipo de Exterminador.

Eis aí o nosso trio protagonista: Sarah Connor (Linda Hamilton) em toda sua glória de matadora de robôs – e ela está muito empoderada, num visual muito badass –, Grace (Mackenzie Davis), responsável por boa parte da ação frenética do filme, e Dani Ramos (Natalia Reyes), que tem sua importância revelado no decorrer da trama.

É muito legal que quase toda a trama é baseada nas três personagens, sendo que as duas mulheres brancas devem reconhecer a importância da protagonista latina. Isso mostra que um pouco de diversidade não faz mal e pode dar espaço para novos diálogos e abordagens. Talvez, o único problema é que a personagem mexicana fica muito de lado, como alguém frágil, mas isso até tem sua justificativa.

Sobre as atuações, temos um elenco competente, principalmente quando falamos desse trio e do novo Exterminador, que é interpretado por Gabriel Luna, outro ator latino que fica muito coerente na trama e tem expressões bem robóticas. A jovem Natalia Reyes se desenvolve bem, porém é perceptível as limitações da personagem, o que acaba dando a impressão de que a atriz não se sobressai como deveria.

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Em questões técnicas, “O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” faz bonito, seja pela direção de Tim Miller (que a gente conhece de “Deadpool”), pelos efeitos visuais caprichados ou mesmo pela direção de arte que remete aos predecessores, mas que tem sua dose de inovação. Talvez a única crítica fique por conta dos trechos futuristas muito breves e pouco ousados.

Tudo se completa com a trilha que aposta no óbvio, então a dose de nostalgia é garantida. Novamente, longe de ser fantástico, mas também longe de ser um fracasso, o novo Exterminador é um filme que traz os ingredientes certos da franquia, que ousa pela temática do roteiro e que deve divertir em boa parte. Não espere muito, mas curta a ação e aproveite a pipoca!