Crítica do filme A Queda | Tensão em alto ar num suspense de cair do eixo

Algumas tramas não precisam de muito para prender nossa atenção. Basta um penhasco, uma montanha absurdamente alta ou qualquer uma das de centenas de ideias que lidam com o medo do ser humano diante de uma situação de risco de morte para ficarmos com os olhos fixos na telona.

Assim, “A Queda” pode ser considerado só mais um filme em que seres humanos desafiam a morte pelo puro prazer da adrenalina, mas isso não significa que ele não é um bom filme ou que não tem sua própria identidade. Na verdade, em seu ápice, a obra dirigida e co-roteirizada por Scott Mann surpreende e no decorrer deste drama é fácil se entreter durante suas quase duas horas de projeção.

Na história, acompanhamos Becky e Hunter, duas melhores amigas, que arriscam tudo quando sobem ao topo de uma torre de rádio de mais de 600 metros de altura e, obviamente, não conseguem uma maneira fácil de sair de lá. E é basicamente isso, porque a história não sairá disso e você verá as duas personagens em apuros por um longo período.

aqueda01 a354cFonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Vale notar que, apesar da previsibilidade, “A Queda” guardar boas surpresas. É inusitado como Scott Mann e Jonathan Frank (o segundo roteirista) bolaram tantas ideias numa situação restrita. Da mesma forma, é curioso como nossa mente divaga e usa da imaginação ao bolar planos para sair desse tipo de enrascada.

Aviso: mesmo sendo uma ficção, nós não recomendamos este filme para pessoas com acrofobia ou agorafobia, porque ele realmente é intenso e as cenas na telona do cinema devem proporcionar uma incrível sensação de imersão (o que em geral é um ponto positivo, mas para muita gente pode ser um gatilho e um ponto bem negativo).

Um dueto de respeito

Em geral, filmes deste gênero - que retratam seres humanos em situações de burrice aventura com risco de morte - são classificados como terror de sobrevivência, sendo que, tipicamente, tais obras exigem tanto do elenco, na questão da atuação, quanto da produção em questões de captação, efeitos e edição.

Primeiro porque, o trabalho de praxe que seria de memorizar diálogos e interpretar de forma convincente ganha um desafio a mais, uma vez que é preciso transparecer que sua vida realmente está em risco. Contudo, a coisa fica muito mais complicada quando há apenas duas protagonistas, que dominam 99% do tempo em tela.

aqueda02 66aadFonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Segundo porque há todo um trabalho corporal, afinal, você não escala uma torre sem fazer esforço e, muito menos, você fica no topo dela sem transparecer o pânico. É claro que a gente sabe que as atrizes não escalaram de fato os mais de 600 metros da torre, porém elas escalaram uma boa parte disso para alguns trechos.

Ainda que pouco conhecidas, Grace Caroline Currey (que interpreta Becky) e Virginia Gardner (no papel de Hunter) são muito boas atrizes e devem ganhar ainda mais projeção daqui para frente. Interessante que Jeffrey Dean Morgan faz uma ponta no filme, mas sua curta aparição não demonstra seu talento.

Falso, mas realista

E, na questão da produção, é interessante saber que boa parte de “A Queda” não se aproveitou de tecnologias como fundo verde e computação gráfica excessiva. Em vez disso, Scott Mann optou por reconstruir uma versão fictícia da Torre da KVLY-TV. Sim, a construção exibida no filme existe na realidade e fica na Dakota do Norte.

De acordo com a entrevista de Mann ao Radio Times, a produção optou por reconstruir uma réplica de uma porção da torre em uma montanha isolada. A ideia era justamente de trazer realismo ao resultado, bem como de proporcionar adrenalina às atrizes, já que elas gravaram parte das cenas numa altura similar, com os ventos soprando a mais de 600 metros.

aqueda03 f8839Fonte da imagem: Divulgação/Lions Gate Entertainment

Há claro muitos truques de gravação e de edição, que nos permitem ter uma ideia do quão alto é a torre, bem como entregam tomadas com movimentos livres pelo ar ao redor da construção. Tudo isso culmina num filme raso em roteiro (não que a história seja ruim, mas é que não há muito para contar mesmo), mas profundo (literalmente) na aventura e no drama.

Mesmo que não seja uma obra que se aproveita de alguns clichês e tenha alguns errinhos (tanto de continuidade quanto de conceitos, ), é inegável que “A Queda” não deixa os ânimos caírem em nenhum momento, surpreende no roteiro e esnoba na sensação de perigo, algo muito difícil de fazer, mas que eles conseguiram de forma bem convincente. Uma boa pedida para ver nas telonas!

Crítica do filme X – A Marca da Morte | Morrendo de prazer, mas com estilo

X – A Marca da Morte” pode não ser um título genial, mas seu roteiro tem boas ideias, que devem levar os fãs de slashers de volta à década de 1970. Dirigido e roteirizado por Ti West, este é mais um filme da enorme lista de obras recentes que foge da atualidade e busca no passado espaço para ineditismo.

Dá certo e não dá. Apesar de ter um script original, é raro um filme de slasher trazer algo que seja totalmente novo, ainda mais depois de tantas investidas nas ideias mais malucas possíveis. Assim, mesmo a mistura ousada de sensualidade com matança não é algo novo, temos aí “Virgens Acorrentadas” como exemplo dessa pegada.

Então, o que faz “X – A Marca da Morte” ser atraente? Bom, o primeiro trunfo do filme é a trama, que gira em torno de um grupo de jovens buscando fama ao tentar reinventar o gênero de filmes pornográficos com um toque apimentado. Para tanto, eles decidem alugar uma casa numa fazenda remota: o local perfeito para morrer de prazer!

xamarcadamorte01 9eaa6Fonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Recheada de clichês? Sem dúvida! Inventiva em alguns pontos? Com certeza, até porque não é todo dia que estamos prontos para conceber que o instinto assassino não tem limite de idade. No entanto, o que mais prende a atenção é o cuidado nos detalhes e a construção de cenas que elevam a tensão com suspense e banhando a tela de sangue em momentos inesperados.

Previsível, mas meticuloso

Não se trata de spoilers, até porque não é preciso ser um gênio para saber que um slasher é um filme concebido para proporcionar momentos de terror através da sensação de impotência de vítimas que não esperavam por um perigo maior do que elas imaginavam. Então, se você leu a sinopse ou viu o trailer de “X – A Marca da Morte” você já começa o filme sabendo que essa sacanagem vai acabar em choro.

Assim, apesar do esforço de Ti West em construir algo criativo e marcante, o resultado não surte muito efeito no sentido amplo da trama. Há sim fatores que surpreendem, porém eu gostei mais de algumas cenas complementares na trama — que estão ali para ambientação — do que de determinadas cenas de matança que só parecem mais do mesmo.

xamarcadamorte02 cd832Fonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Apesar da criatividade no modus operandi, é inegável que o clímax de certas execuções acaba ficando aquém do esperado. Por outro lado, é notável o esforço de West em criar arte nos instintos mais primitivos e na sanguinolência. E é justamente nessa pegada que a obra pode agradar uns e decepcionar outros. Curiosamente, o filme tenta até ter um fundamento sobre moralidade, mas o contexto é tão perdido em meio a loucura, que fica difícil conectar as coisas.

É claro que nem todo mundo está disposto a ver um banho de sangue acompanhado de uma fotografia detalhista com a loucura embalada por uma trilha sonora em volume exagerado. Tal técnica já é de praxe em filmes de slasher, mas West tem seus truques e faz um bom trabalho ao retratar o apetite sexual, o sadismo, a perversão e a violência. E sempre com músicas instigantes!

Parte do mérito vai para o elenco com artistas convincentes, que vão do erotismo ao perigo em questão de instantes, sendo que os destaques ficam para às mulheres. Com nomes como Mia Goth (de “A Cura” e “Suspíria - A Dança do Medo”), Jenna Ortega (de “Pânico 5”) e Brittany Snow (de “A Escolha Perfeita”), o filme tem uma dualidade entre inocência e violência.

xamarcadamorte03 1dcbeFonte da imagem: Divulgação/A24 Films

Apesar da quebra de clímax em alguns momentos, “X – A Marca da Morte” consegue entreter em sua proposta sensual e brutal. É um filme mais visceral do que tenso, sendo inegável que uma abordagem mais incisiva no terror (e menos pedante na arte) poderia deixar a trama mais assustadora. Há criatividade, a tensão funciona, mas a gente sempre quer mais, né?

De qualquer forma, um bom filme para os amantes de slashers e não por acaso vem mais um longa-metragem ambientado nesta mesma bolha proposta na trama. Então, fique de olho em “Pearl” para apreciar mais do terror de Ti West, mas só vá atrás desta obra se você já tiver visto “X – A Marca da Morte”.

Crítica do filme Men - Faces do Medo | Nem todo homem…

O pesadelo fantástico criado por Alex Garland nada mais é do que uma bem intensionada, porém desconexa, tentativa de traduzir as agressões masculinas por meio de uma amontoado mal amarrado de alegorias, metáforas e simbolismo. O diretor que surpreendeu com o excelente "Ex-Machina: Instinto Artificial" (2014) e o inquietante "Aniquilação" (2018), retorna para mais uma "tradução" fantástica da realidade e, especialmente, do feminino dentro de um mundo agressivamente masculino.

Garland entrega uma visão febril das constantementes as agressões masculinas travestidas de amor. Sem entrar nos méritos do "lugar de fala", é evidente que Garland usa o fantástico para estampar questões de gênero e, por meio de alegorias, por vezes nada sutís, refletir sobre religião e a vilipendiosa imagem do feminino na sociedade como "justificativa" normalizadora dos comportamentos masculinos cada vez mais violentos, sejam essaa ameaças físicas ou psicológicas.

Sem um foco muito preciso e com vários problemas estruturais, "Men - Faces do Medo" ainda funciona dentro de nichos cinematográficos bem específicos. Não se trata de um filme fácil, não apenas pelos temas, mas também pela sua linguagem. O terror folclórico está em voga ultimamente, mas Alex Garland não tenta deixar a película palatável em nenhum momento, transformando o filme em uma viagem visual um tanto exaustiva para os desavisados, ao mesmo tempo em que se revela como uma iguaria requintada para os apreciadores de tal estilo.

A lei do pecado acoberta o agressor

Harper (excepcionalmente interpretada por Jessie Buckley) tenta se recompor do fim traumático de seu casamento com James (Paapa Essiedu) e resolve passar uma temporada em uma casa no interior da Inglaterra. Como uma boa "Eva" portadora dos pecados, sua primeira atitude é morder uma maçã, condenando toda a humanidade ao martírio do "conhecimento" e justificando a raiva do homem pela perda do paraíso. 

O ator Rory Kinnear assume o papel de todos os agressores de Harper, alternando entre o anfitrião que aluga a casa, o vigário local, um adolescente problemático, um policial, um barman e a própria encarnação da essência masculina. Essa escolha se mostra brilhante na medida que se percebe que todos os homens são sim possíveis agressores e que não há como saber quando um passeio pelo bosque pode se tornar um ataque, quando uma simples negativa pode gerar uma agressão gratuita, um diálogo acolhedor se transforma em julgamento moral.

men01Fonte da imagem: Divulgação/DNA Films

Certamente, se escrito ou dirigido, por uma mulher, "Men - Faces do Medo" traria uma narrativa diferente. Desconsiderando as questões do "lugar de fala", Garland consegue sim entregar uma inquietante sensação de desconforto que certamente traduz algum nível de verdade do terror feminino.

Rory Kinnear faz um trabalho excepcional navegando entre as diferentes faces do medo. Essa habilidade de Kinnesr permite que Jessie Buckley se aproveite do cenário brilhando em uma atuação visceral que opera em uma dualidade constante, compondo momentos de fragilidade e força, medo e alívio.

men02Fonte da imagem: Divulgação/DNA Films

Medo e delirio no jardim do Éden 

Garland não faz uso da mesma sutileza vista em "Ex-Machina: Instinto Artificial", e abusa da fotografia maestral de Rob Hardy para compor suas alegorias. Apesar da técnica excepcional, Men acaba falhando na hora de engajar o espectador e a simbologia acaba se perdendo um pouco na montagem confusa e pesada.

Um body horror psicológico enraizado no folclore que explora as raízes e a reprodução do patriarcado

Mesmo com alguns problemas e uma estrutura densa, "Men - Faces do Medo" consegue apresentar uma ótima discussão sobre a crise da masculinidade. A presença de Men em analises acadêmica é apenas uma questão de tempo. A maneira como Garland explora mitologias e arquétipos dentro na reprodução do patriarcado é algo que certamente renderá trabalhos de dissertação ou pelo menos algumas boas discuções em mesas de bar.

Crítica O Telefone Preto | Não diga "Alô"! Diga "Socorro! Como vou sair daqui?"

O gênero de terror sofre bastante com a falta de inovação, permeado por filmes que aderem a clichês nos roteiros e na construção dos momentos assustadores. Assim, quando vemos um trailer promissor como o de “O Telefone Preto”, é perfeitamente normal manter a empolgação comedida para a decepção ser menor na hora de conferir o resultado final.

No entanto, aqui temos alguns pontos que permitem ter uma boa ideia de que o tempo e o ingresso não serão investimentos perdidos. Primeiro, é bom enfatizar que “O Telefone Preto” é dirigido e co-roteirizado por Scott Derickson, a mente por trás de “Doutor Estranho”, “A Entidade” e “O Exorcismo de Emily Rose”, ou seja, o LinkedIn do cara tem ótimas referências.

Além disso, temos a presença de Ethan Hawke no elenco de “O Telefone Preto”, o que pode não ser um indicativo de sucesso, já que há outras tantas obras de terror com famosos que acabam tendo resultados aquém do esperado, mas, ao menos, há alguns nomes aqui que acabam sugerindo que o potencial existe de fato.

Apesar do trailer caprichado, do diretor competente e do elenco promissor, é a trama de “O Telefone Preto” que chama atenção. Nesta obra, acompanhamos a história de Finney Shaw, um garoto de 13 anos que é sequestrado e mantido preso em um porão. Ali, há um telefone desconectado, o qual permite ao menino receber chamadas das vítimas anteriores do assassino.

otelefonepreto01 07cdbFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Se você quer a versão resumida da crítica, fica a dica: “O Telefone Preto” é um terror que capta muito bem a essência do gênero propagada em títulos recentes como “IT – A Coisa”, graças ao elenco infanto-juvenil, que é extremamente competente; bem como é uma obra que se destaca pela originalidade, ao mesclar lendas urbanas com paranormalidade. Agora, se você já viu o filme ou quer mais detalhes (sem spoilers), acompanhe o restante do texto.

Resgate do terror independente

Já faz algum tempo que Hollywood percebeu a magia do terror nostálgico, mas, não só isso, muitos estúdios perceberam como o terror independente lá da década de 1970 e 1980 tinha algo único: a originalidade. Mesmo que vários projetos antigos — hoje consideradas clássicos do gênero — não tivessem orçamentos mirabolantes, as ideias eram de fato muito boas, o que agradava a audiência.

É claro que há algumas décadas, o cinema de fato tinha recursos mais precários e a ausência da computação gráfica forçava tecnicalidades manuais na execução dos filmes, porém era bem comum ver roteiros originais. Com o passar dos anos, fica difícil reinventar a roda, afinal muitas obras anteriores já usaram todo tipo de ideia criativa, mas sempre há um jeito.

Aí é que entra dois fatores para “O Telefone Preto” merecer destaque. O primeiro é um conceito original (pelo menos na minha humilde memória de filmes do gênero, não me recordo de algum projeto que siga exatamente o mesmo percurso de ideias). O segundo é esse retorno ao charme visual da década de 1980, que pode ser algo proposital, mas que funciona muito bem.

otelefonepreto02 f1efaFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Bom, a originalidade deste filme vem de uma história curta concebida pelo escritor Joe Hill, também conhecido como Joseph Hillstrom King — e, para os menos familiarizados, este é um dos filhos do escritor Stephen King. Vencedor de prêmios como Eisner Award e Bram Stoker Awards, o autor famoso no segmento de títulos literários de terror iniciou sua carreira com Fantasmas do Século XX (20th Century Ghosts), obra que reúne alguns contos, incluindo “O Telefone Preto”.

Assim, a engenhosidade da versão cinematográfica está apoiada no material escrito, porém, pensando em obras audiovisuais, o filme “O Telefone Preto” traz um punhado de ideias que são inéditas. Bom, se você já viu o trailer, vai dizer que “um assassino sádico que sequestra crianças” não é algo bem original. E, de fato, a novidade não está nesta parte, mas sim no desenrolar da história.

O terror nos pequenos detalhes

A ideia de ser uma trama ambientada na década de 1980 ajuda muito, já que é difícil criar terror com os atuais artifícios de tecnologia, então situar um drama numa época sem celular, câmeras de segurança e localizadores garante simplicidade. De qualquer forma, é legal que “O Telefone Preto” acaba usando uma tecnologia (o nome já denuncia isso) para o desenvolvimento da trama.

E com essa pegada mais retrô, o filme acaba pegando carona na longa onda (eu diria até um tsunami) de filmes que imitam obras antigas e abusam de recursos saudosistas, como músicas, vestimentas, gírias e situações comuns de décadas anteriores. Nesse rumo, “O Telefone Preto” cativa facilmente e evita (ainda que existam) efeitos especiais, o que dá um ar de ousadia. Isto tudo combinado com uma fotografia impecável dá ao filme uma atmosfera sombria e constante.

otelefonepreto03c d2befFonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

Enorme parte do mérito do filme está justamente nas situações de construção da história, em que vemos como os personagens se entrelaçam e aí as menções vão para o elenco sumariamente composto por adolescentes muito talentosos. O destaque especial vai para Mason Thames, que assume uma parte gigante da trama sozinho e o faz de forma genial, certamente é um jovem que veremos em muitos títulos daqui para frente.

Interessante pontuar que Mason Thames e Madeleine McGraw até já tiveram outras aparições em filmes e séries recentes, mas nomes como Miguel Cazarez Mora, Rebecca Clarke, Spencer Fitzgerald e outros são estreantes, o que prova que o elenco escalado foi experimental, mas muito bem acertado, uma vez que o resultado ficou excelente!

Agora, é claro que Ethan Hawke dispensa comentários. O ator que estampa os cartazes do filme encarna o vilão da história. Aqui, vale elogios tanto à performance de Hawke — que não é alguém conhecido por papéis de terror, mas que acabou chocando pela sua dedicação ao papel — quanto ao desenvolvimento do personagem, que usa diferentes tipos de máscara, sendo mais um item simples, porém que traz originalidade à película.

otelefonepreto04 73d71Fonte da imagem: Divulgação/Universal Pictures

No todo, “O Telefone Preto” é um filme que agrada pelo desagradável, tanto que é possível que fique uma sensação de que podiam ter desenvolvido mais a história e mostrado outras situações de terror — mas, com o sucesso, nunca se sabe se não teremos mais história deste universo no futuro. É uma obra que evita o truque de “jump scare” (algo raro atualmente) e que aposta num suspense perene e flerta muito com o sobrenatural. Um longa-metragem para ver no cinema e rever em casa!

Critica Thor: Amor e Trovão | Desventuras existenciais do viking espacial

No que só consigo descrever como uma "farsa teatral", Taika conduz um filme que não tem medo de ser ridículo. Thor: Amor e Trovão é o proverbial "filme Sessão da Tarde" contemporaneo; leve, divertido e com uma boa dose de ação. A despretensiosidade do título faz com que o espectador não se preocupe com qualquer desdobramento do MCU, das ameaças cósmicas ou do colapso iminente do multiverso; tudo o que importa é que Thor Odinson está em cena!

Extrapolando ao máximo varias ideias com as quais já havia experimentado em Thor Ragnarok, Waititi mistura gêneros, abusa da caricatura e nunca se deixa levar a sério. Thor: Amor e Trovão não é nem perto de perfeito, mas em nenhum momento parece almejar tal status. Taika Waititi e seu elenco embarcam nessa jornada sabendo o destino, mas sem se importar com o trajeto. O diretor e os atores experimentam o tempo todo ao logo da película, mesmo que nem sempre com sucesso.

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O elenco entrega tudo o que se espera de nomes como Christian Bale, Natalie Portman, Tessa Thompson , Chris Hemsworth e Russell Crowe — que beira o ofensivo em uma versão deliciosamente caricata de Zeus. Cada um, com seu estilo, consegue transformar personagens “unidimensionais” em figuras que chamam a atenção o suficiente para preencher algumas lacunas do roteiro.

Muito acaba se perdendo ao logo do caminho, mas o que chega até o final é mais do que suficiente para entreter e mostrar que é sim possível quebrar o molde dos filmes de heróis. Thor: Amor e Trovão não supera seu predecessor na franquia do deus nórdico da Marvel, mas é um filme que entende seu lugar dentro do MCU, ao mesmo tempo em que parece não se importar com isso.

Ana Raio e Zé Trovão

Sem perder tempo, Waititi nos joga direto na ação seguindo diretamente após os eventos de Vingadores: Ultimato, vemos Thor acompanhando os Guardiões da Galáxia em missões espaciais enquanto busca pela sua verdadeira essência. Logo a trupe do viking espacial encontra o rastro de morte deixado por Gorr, um vilão em busca de vingança contra todos os deuses do cosmos.

Para impedi-lo, Thor e Korg, seu trovador, partem para Nova Asgard para recrutar o auxílio da Valquíria, apenas para descobrir que o Mjölnir (seu ex-martelo) foi restabelecido e agora é empunhado por Jane Foster (sua ex-namorada), ou melhor a Poderosa Thor. Odinson acredita que a força combina dos três guerreiros não será suficiente para parar Gorr, e resolve tentar a sorte convocando outros deuses de outros panteões para ajuda-lo nessa batalha.

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Apesar de estar permeado de temas e personagens interessantes, o roteiro nunca deixa folego suficiente para estes possam se desenvolver. O humor sempre preenche os vazios e qualquer conflito pessoal interno acaba invariavelmente se transformando em uma risada.

A grande verdade é que as piadas funcionam, mesmo que de um jeito infantil, e fazem com que ninguém precise falar de assuntos mais sérios. Porém, entre uma piada e outra, e são muitas, Amor e Trovão tenta entender a essência do herói e até apresenta uma delicada história sobre pessoas procurando por um sentido na vida, seu lugar no universo, sua mortalidade e até mesmo seu relacionamento com o divino. 

Deus está morto... talvez

Adaptando, muito livremente, os arcos das histórias em quadrinho Carniceiro dos Deuses (2012) e A Poderosa Thor (2014), o filme nunca alcança todo o potencial das sagas comandadas por Jason Aaron. Waititi parece ter entendido muito bem a essência de ambos os quadrinhos, haja vista a forma competente como o diretor contrapõem Gorr e a Poderosa Thor.

Todavia, a avalanche de piadas e pressa narrativa rouba muito do desenvolvimento de ambos personagens. O pouco que vemos de Gorr é trabalhado mais pelo talento de Christian Bale do que pelo desenrolar natural da trama. Uma criatura incrivelmente complexa que injeta temas niilistas em um filme de ação cujo super-herói é uma divindade garantiria por si só uma longa exposição e desdobramentos filosóficos que certamente chamariam a atenção do público.

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Enquanto isso, a luta de Jane Foster, vulgo a Poderosa Thor, tenta transformar sua dor em esperança. Sem deixar de evocar conceitos teológicos, de mortalidade, do divino e como humanos e deuses lidam com a vida e a morte, o filme tenta trazer isso a tona, mas sem muita profundidade. 

Assim como Christian Bale, Natalie Portman extrai o máximo da sua Jane Foster, porém, o ritmo acelerado do filme não deixa muitas conexões se estabelecerem e no final, todas as subtramas não expõem toda sua capacidade. Fica um sentimento anticlimático de que algo está faltando, que havia muito mais por detrás das cortinas e demos apenas uma espiadela por entre os panos.

Se você não espera vislumbres fenomenológicos heideggerianos sobre o Ser-aí-no-mundo, Amor e Trovão vai te agradar em cheio!

Os problemas de Thor: Amor e Trovão derivam todos de um mesmo ponto, a sua pressa. Parece haver uma ansiedade generalizada que não permite que o roteiro tenha seus momentos mais lentos, que os personagens possam desenvolver suas emoções e que o espectador possa respirar.  Toda essa celeridade ajuda em muito a manter o ritmo elevado, e entregar piadas com muita suavidade, mas sem dúvida prejudica a dramaticidade de toda a história.

Critica do filme O Homem do Norte | A vingança nunca é plena, mata a alma e...

Mesmo contando com apenas três longas em seu currículo, Robert Eggers já é um dos nomes contemporâneos mais interessantes do cinema de gênero. Com uma estética singular e capacidade especial de traduzir folclore em realidade, e realidade em fantasia, o proverbial auteur estadunidense chamou a atenção de todos com sua película de estreia, o sombrio A Bruxa, e consolidou seu nome entre os diretores fetiche de “cinéfilos cult” com seu delírio onanístico de O Farol

Já carregando uma grande expectativa e peso criativo, o diretor retorna agora com uma versão visceral da afamada história do príncipe vingador Amleth, o mesmo que inspira a “A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca” do bardo britânico William Shakespeare. Amalgamando realidade e fantasia, com a sua estética já característica, Eggers aposta em um elenco de peso para entregar o que é, subjetivamente, a sua obra mais acessível.

A trama icônica e atemporal, aliada a um elenco recheado de estrelas — incluindo Alexander Skarsgård, Nicole Kidman e Anya Taylor-Joy — facilitam a digestão de um filme que se apresenta como épico, mas performa como teatro. Em uma releitura escáldica, própria da Edda em prosa, O Homem do Norte se equilibra entre realidade e fantasia, entregando um filme visualmente impactante que deve agradar principalmente aqueles totalmente alheios ao “culto hermenêutico Eggersiano”.

Há algo de podre no reino da...

O roteiro assinado pelo próprio Robert Eggers e o celebrado escritor, poeta e compositor islandês Sjón (Sigurjón Birgir Sigurðsson) – que também assinou o roteiro do suspense dramático surrealista, Cordeiro - adapta a lenda nórdica do príncipe Amleth (a mesma história que inspiraria a criação do Hamlet shakespeariano) e sua busca desvairada por vingança. O jovem príncipe Amleth (Alexander Skarsgård) promete vingar o assassinato de seu pai, o Rei Aurvandil (Ethan Hawke), morto e usurpado pelo seu próprio irmão, Fjölnir (Claes Bang).

A sanha primitiva e reducionista, própria do medievalismo viking, é apenas uma cortina que esconde por trás de seu desfraldar os verdadeiros temas da saga de Amleth. Sem o mesmo cuidado de Shakespeare, a dupla elabora um roteiro que cria espaços suficientes para uma mise en scène de tom “teatral”, capaz de suportar longas reflexões, monólogos rebuscados e explosões violentas.

A estrutura dos atos confere algum dinamismo na montagem, mas é a elegância dos cortes que realmente mostram a habilidade e sensibilidade de Eggers. Por sinal, a presença do neo-surrealista Sigurjón Birgir Sigurðsson parece transbordar do roteiro para encharcar o design de produção, borrando os limites do realismo dos cenários com o onirismo mitológico dos personagens.

Infelizmente, Eggers não dá espaço suficiente para o desenvolvimento dos personagens, algo realmente triste haja vista a brechas exuberantemente exploradas por Nicole Kidman que percebe a "disposição do cenários no palco" e transforma o filme em teatro, entregando uma Rainha Gudrún que se fortalece perante o abuso. Algo que talvez só seja ecoado na breve participação de Willem Dafoe como Heimir, que mesmo como um "Yorick" pútrefe ainda entrega toda a variação da vaidade da vida e transitoriedade da morte.

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 “Tupi or not tupi, that's the question”

O Homem do Norte é um grande acerto no que tange o grandioso universo dos filmes arrasa quarteirão. Trata-se de um filme que, apesar dos tropeços narrativos, reproduz o estilo artístico que define o diretor, ao mesmo tempo em que compreende as diferenças do circuito cinematográfico comercial. 

O texto universal — familiar até mesmo para crianças, haja vista o sucesso de Rei Leão da Disney — é de fácil “absorção” por todas as audiências. A clássica história de vingança não é estranha a nenhum filme de ação típico de astros oitentistas como Arnold Schwarzenegger (que já despontou como o próprio Hamlet em uma meta-paródia em O Último Grande Herói), ao mesmo tempo em que também oferece espaço para contemplação artística do épico teatral multiestrelado de Kenneth Branagh.

O Homem do Norte é um blockbuster de gênero e de autor

A leitura visceral — termo aqui que não se aplica exclusivamente a violência — pode pecar na exploração narrativa dos personagens, algo realmente negativo dado o potencial do elenco, mas entrega uma “veracidade” humana que não se envergonha da loucura e perversidade inerentes a vingança e sua suposta catarse pela violência. Por sinal, Eggers faz um ótimo trabalho e subverter essa expectativa. Oferecendo um terceiro ato que parece, propositalmente, anticlimático.

Toda a jornada de Amleth deveria culminar em um banho de sangue, mas será que esse realmente é o único resultado possível; a morte exuberante de seus antagonistas realmente trará a felicidade esperada? Como já dizia um poeta tão célebre quanto o William Shakespeare: ”a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”.

Critica do filme Batman (2022) | O melhor de todos os tempos da última semana

Com um elenco afiado a nova aventura do Morcegão nos cinemas tira o retrogosto deixado pelo Snyderverso, ao mesmo tempo em que ainda dá acenos amistosos para as viúvas de Christopher Nolan e sua versão do Cavaleiro das Trevas. Matt Reeves aposta, inteligentemente, no clima noir para apresentar um herói e um vilão cujas concepções de justiça e vingança se confundem como diferentes lados de uma mesma moeda, enquanto ambos buscam a redenção de uma cidade atolada em um pântano de corrupção.

As quase três horas de duração são justificadas, mesmo que por momentos façam o filme parece mais lento do que necessário. Tudo tem um motivo de ser, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento dos personagens, mas obviamente, 176 minutos acabam exigindo um pouco do expectador. Se você espera apenas um filme pipoca, melhor se preparar, porque Batman (2022) é uma experiencia cinematográfica mais elaborada, com performances elevadas e uma narrativa esforçada.

Sem grandes reviravoltas, o novo Batman é um filme policial que calha de ter um “super heroi” como protagonista. Misturando estilos como muita habilidade, Reeves empresta elementos de David Fincher, Scorsese, Nolan e afins para  criar uma espécie de "thriller noir" com muito suspense e cenas de ação impactantes. Infelizmente todo esse afã tecnico não consegue explorar todas as facetas do homem morcego, entregando no fim um título que funciona muito bem, mas não atinge todo seu potencial. 

O cavaleiro das trevas ressurge no longo dia das bruxas...

O esmero técnico de Matt Reeves é perceptível em cada tomada, mas o roteiro não tem a mesma criatividade da direção. Assinado em parceria com Peter Craig, o texto apresenta vários elementos interessante, mas não alcança tudo o que almeja. Ao salpicar referencias de histórias famosas como O Longo Dia das Bruxas e Silêncio, entre outras, a dupla agrada aos fãs sem se comprometer como uma adaptação direta, desenvolvendo uma nova leitura do Cavaleiro das Trevas, ao mesmo tempo em que traz influências obvias de outras versões do personagem, sejam dos quadrinhos, animações, filmes ou seriados.

A fotografia expressiva de Greig Fraser e o olhar perspicaz de Reeves atrás da câmera se aliam perfeitamente a trilha maliciosa de Michael Giacchino. A união dos elementos técnicos consegue criar cenas ousadas que, na maior parte do tempo, sobrepujam as oscilações do roteiro; que quebra o ritmo e não consegue estabelecer um clima consistente ao longo de todo o filme.

Na realidade, ao focar quase que exclusivamente no "Batman", deixando "Bruce Wayne" de lado, o filme não consegue consolidar as forças que de fato constituem o personagem. Não há Bruce Wayne sem Batman, e não há Batman sem Bruce Wayne. A dualidade é um tema recorrente no mundo dos super herois e aqui não poderia ser diferente. Consiliar duas vidas, duas personalidades dentro de um mesmo ser é um desafio filosófico que certamente tornaria o filme muito mais denso e interessante.   

Como o próprio Charada infere, não há identidade secreta por trás do capuz do Batman, ele é verdadeira identidade do vigilante. É sob o capuz que o cavaleiro das trevas está confortável e sem amarras. Apesar da revelia do herói, é evidente que há uma troca real entre o justiceiro e o psicopata. Justiça e vingança não prestam o mesmo serviço, é essa caminhada sob a tenue divisa moral que encontramos toda a luta de Batman, um herói a um passo de se tornar um vilão; e é aqui que sentimos a falta de Bruce Wayne, a contra parte humana.  

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Com mil morcegos

Como já estamos em 2022 e já não é mais “cool” falar mal de Crepúsculo, ouvir pessoas reclamando da escalação de Robert Pattinson para o papel de Bruce Wayne soa ridículo por mais de uma razão, notadamente seu desempenho em obras como Bom Comportamento (2017), O Farol (2019),  e Cosmópolis (2012). Mostrando seu valor além do rosto bonito que encantou uma geração de adolescentes na pele do vampiro melancólico da Saga Crepúsculo, Pattinson já deixou claro que seu talento vai muito além da fantasia púbere que o lançou ao estrelato.

Como Bruce Wayne e seu alter ego mascarado, o ator britânico entrega uma atuação consistente, mesmo que em momentos sobrepujada pelo seus coadjuvantes. Curiosamente, Pattinson consegue aproveitar muito mais seus momentos mascarado do que quando desponta como Bruce Wayne – instantes em que acaba caindo no modo jovem melancólico cabisbaixo.

Por falar nos coadjuvantes, Jeffrey Wright (na pele do incorruptível James Gordon) consegue igualar sua presença na tela com a do vigoroso Batman de Pattinson, conseguindo inclusive estabelecer muito bem uma dinâmica de igualdade entre os dois. Enquanto isso, Zoë Kravitz parece ter entendido como Selina Kyle, a Mulher-Gato, é uma personagem a parte; uma “coringa” (com o perdão da piada), não se trata de uma vilã, ou de uma heroína e se precisa de ajuda é porque não teme entrar no meio da ação para conseguir seus objetivos.

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Se a flexibilidade moral da Mulher-Gato permite alguma reserva quanto ao uso do termo vilã, o mesmo não pode ser dito do Charada de Paul Dano. Em uma performance exuberante, o ator extrai o máximo de suas breves aparições, entregando um personagem que, mesmo fora de cena, está sempre na mente do espectador. Sua construção apaga a imagem caricata do Charada, percebendo-o como um terrorista psicopata em uma mistura de Ted Kaczynski e Zodíaco.

Não podemos deixar de apontar a composição de Colin Farrell como o Pinguim, alter ego do gangster Oswald Cobblepot. Irreconhecível sob uma elaborada maquiagem, Farrell está confortável na pele de um mafioso que parece saído diretamente de Os Bons Companheiros (1990) ou quem sabe Ajuste Final (1990). Por falar na obra dos irmãos Coen, John Turturro transplanta o “coração” de seu traiçoeiro Bernie Bernbaum para dar vida ao poderoso chefão do crime Carmine Falcone, em um desempenho sólido.

Eu sou a vingança

Matt Reeves não conseque equilibrar os diferentes "filmes" dentro de Batman, mas no final, a história funciona muito bem, especialmente se a percebemos como parte da origem do cavaleiro das trevas. Um momento em que o mascarado ainda não sabe se a raiva que o impele a lutar realmente está em busca de justiça ou apenas de uma catarse vingativa.

 Ao voltar seu foco ao Batman, Reeves não consegue enxergar toda complexidade do personagem

Talvez por isso a impressão de que esta nova aventura funciona muito bem como um "requel" da trilogia de Nolan, oferendo uma continuação e uma conclusão muito mais satisfatória do que a tivemos em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Explorando temas similares e chegando a deduções parecidas, as duas produções mostram um Batman em conflito e um vilão com motivações espelhadas e não muito dispares daquelas defendidas pelo herói.

No final - ciente das armadilhas,  próprias dos superlativos - temos sim o melhor filme do Batman já feito; entretanto, a frase significa justamente isso, ou seja, um filme sobre o Batman e, mesmo sendo o protagonista,  o universo de Gotham não se resume ao cruzado encapado e ainda não sabemos direito quem é Bruce Wayne, e a oclusão da contraparte "humana" do famoso personagem da DC é uma falha que certamente precisara ser revisitada nas futuras iterações da franquia. Dito isso, Batman (2022) é um bom thriller policial e um ótimo filme de herói especialmente para aqueles que buscam algo diferente dos arrasa quarteirões multidimenssionais da Marvel. 

Crítica do filme Moonfall - Ameaça Lunar | Seria trágico se não fosse engraçado

O que os filmes Independence Day, Godzilla, 2012 e O Dia Depois de Amanhã têm em comum? Bom, fora o fato de que todos tratam de possíveis catástrofes em nível global – muitas vezes com direito a sequências de tsunamis e cenas desenfreadas de surto coletivo –, todos esses filmes foram dirigidos e idealizados por um cineasta chamado Roland Emmerich.

Emmerich é especialista nesse tipo de obra que retrata o fim do mundo, algo que se provou uma receita de sucesso, haja visto o tanto de filmes que ele co-roteirizou nas últimas décadas e a recente investida dele em um longa-metragem que parece seguir uma premissa similar, talvez não tão exagerada quanto um lagarto gigante ou quanto uma invasão de aliens, mas quem sabe muito mais viajada.

Em “Moonfall – Ameaça Lunar”, como o próprio nome do filme sugere, o planeta Terra está prestes a presenciar a “Queda da Lua” (literalmente a tradução de Moonfall). Por razões que ninguém sabe explicar exatamente, a Lua começa a desviar de sua órbita e vem em direção à Terra, o que pode resultar em uma colisão e a extinção da humanidade.

Obviamente, como todo filme de ficção desse tipo, há uma possível solução para salvar o planeta, mas a NASA talvez seja a última a acreditar nessa história, uma vez que já duvidaram anteriormente dos relatos de um astronauta (Patrick Wilson) que presenciou eventos misteriosos na Lua uma década antes dos eventos atuais.

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Combinando uma overdose de teoria maluca com cenas eletrizantes de ação, que são obviamente recheadas de efeitos altamente mirabolantes, o filme “Moonfall – Ameaça Lunar” tenta fugir do óbvio, mas ele acaba tropeçando na gravidade de suas maluquices e abraçando sequências irrelevantes para uma trama de perigo tão iminente.

Trata-se de um filme que atrai pela curiosidade, mantém pelo exagero e cenas de desastres extremamente bem elaboradas, mas que pode decepcionar pelo rumo em direção ao vazio do espaço. Um bom filme para não se levar a sério, graças também ao humor fora de órbita, mas um longa-metragem muito longo para contar pouco do que realmente importa.

A vastidão do espaço desprezada pela trivialidade

Se você já viu qualquer um dos filmes de Roland Emmerich, é possível que você tenha tido a impressão de que obras sobre fins do mundo podem facilmente derivadas para sagas cinematográficas ou mesmo para séries televisivas, afinal é quase impossível retratar uma catástrofe de nível global em uma obra de duas ou três horas sem deixar pontas soltas.

No caso de “Moonfall”, o roteiro não faz questão de manter o foco em eventos importantes. Quer dizer, a história vai por um caminho dramático, que visa dar vez aos personagens, muitos dos quais sequer têm relevância para o roteiro, o que vai completamente na contramão de uma situação de eventos catastróficos que são justamente o cerne do filme.

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Essa é uma decisão funcional para um título que a gente classifica como “filme pipoca”, ou seja, um longa-metragem que não faz questão de ser levado tão a sério e que prefere caprichar nas cenas com efeitos especiais, do que focar em criar arcos dramáticos que realmente façam sentido dentro do contexto.

Felizmente, o filme não se perde em meio a galhofa (mas é por pouco), que, reforçando, funciona para alívios cômicos, mas é algo que pode ser exagerado numa obra que podia ter mais ficção científica. Sim, às vezes, o problema é a expectativa do público (ou deste crítico que vos escreve), afinal o que esperar do diretor que sempre fez filmes desse tipo, né?

Outro aspecto que merece ser altamente criticado são as propagandas, sim, eu estou falando de propagandas no meio do filme, encaixadas de certa forma no contexto. Há cenas em que fica claro que o filme dá voltas simplesmente para mostrar algum produto que não teria qualquer relevância no andamento da história.

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É o caso de uma perseguição com um Lexus — que pode ser um carro bonito e moderno, mas que não tem qualquer serventia para evitar que a Lua caia sobre o planeta Terra! Isto é tema para um longo debate, porém vale o adendo, porque o filme se alonga pelo simples fato de perder tempo com besteira. Ótimo para o anunciante, péssimo para o espectador pagante.

Uma verdadeira viagem (na maionese)

Apesar de ficar claro que “Moonfall” não é um filme para ser levado tão a sério, a plateia está ali para entender o que está acontecendo e argumentos para causas minimamente factíveis são esperados. É claro que num mundo onde achamos perfeitamente normal um lagarto gigante sair do oceano e atacar as cidades ou que aceitamos os alienígenas sempre invadindo Nova York, quase toda história pode ser contada sem que a gente possa reclamar muito.

De certo modo, Emmerich consegue trazer algum ineditismo para a telona e, ainda que as decisões de roteiro sejam muito questionáveis, esta é a parte sólida do filme, que realmente vale a pena e conecta toda a trama. Se a explicação não convencer muito, ao menos ela serve para introduzir cenas que fazem a gente ficar no mundo da Lua.

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No fim das contas, “Moonfall – Ameaça Lunar” é um misto de sensações: cômico em várias ocasiões, tosco em algumas decisões, surpreendente pela ousadia da ideia central do filme, porém ele não consegue se decidir em que pretende focar. Os atores até bem gabaritados tentam dar seu melhor e ficam perdidos nesse amontado de ideias.

Portanto, se você vai ver o filme no cinema, esteja ciente que este é um filme pipoca, não dá para levar a sério e pode divertir se você não for pensar muito nas teorias. Contudo, se você é do tipo que ama obras como “Interestelar” e ficções de renome similares, então “Moonfall” não é para você – fora que é um filme bem longo.

Crítica do filme Titane | Body horror sugestivo e um mix de influências

Titane”, de 2021, é uma produção francesa chocante, não somente pelo body horror, mas pela mistura de Tarantino, com paletas de cor Cyberpunk, violência de Laranja Mecânica, influência Sci-Fi de Alien, tudo isso como se estivesse em um clipe exótico da Bjork.

A fusão entre máquina e corpo aparenta ser o tema central, mas, de fato, é menos relevante perante o drama do filme. Quer saber por que Titane é tão chocante e ao mesmo tempo o vencedor da Palma de Ouro de Cannes? Vamos falar um pouco sobre este filme de suspense que pende para o horror!

A sugestão do horror assusta mais?

Ganhador da Palma de Ouro (“Palme d´Or”) no Festival de Cannes de 2021, “Titane”, cuja tradução é titânio, é um filme muito diferente, que nasce da ousadia de misturar drama, com fantasia e body horror sugestivo. A diretora do filme, Julia Ducournau, responsável também pela direção de Grave (Raw nome original, de 2016) tem fascinação pelo body horror. Em Grave, assim como o significado em inglês, cru, o horror era visual.

titane01 f56b1Imagem: Divulgação / NEON

Em Titane, essa mesma faceta é diferente, mais sugestiva, pois é exatamente quando o “gore” e o body horror são pouco mostrados que nos causam mais incômodo. Isso se explica também pela atuação corporal inspiradíssima de Agathe Rousselle. Seu sofrimento, sensualidade e crueldade, em suma, necessitam de poucas palavras.

Sim, uma moça fica grávida de um Cadillac

A premissa inicial é simples e direta ao ponto, uma vez que já se passa no início do filme. Alexia, uma jovem que trabalha em eventos de Show Car na França é também uma psicopata (com uma placa de titânio no lado direito do crânio, em virtude de um acidente quando criança).

Ao ser assediada por um Cadillac no final de um evento de carros, ela se interessa sexualmente pelo carrão. Imaginem que após o ato ela fica grávida do veículo automotor, oh my God. Mas aos poucos vamos tolerando esse elemento fantástico, de forma a entender os motivos dessa atração.

titane02 f75cbImagem: Divulgação / NEON

Essa premissa, ao mesmo tempo realista e fantástica, irá construir também o lado dramático do filme. Uma vez procurada pelas forças de segurança locais, por assassinatos em série, Alexia consegue fugir da sua casa e construir a vida em outro local, mas com a identidade de um garoto. E isso vai se tornando interessante e complexo para a narrativa.

Além de um mix de influências, há espaço para o drama

O trabalho técnico da direção de fotografia nos revela um filme mais lento na segunda metade (a primeira parte é mais frenética), com planos-sequência e jogo de cores vivas contrastantes, com a intensidade de painéis de neon.

A trilha sonora é imersiva, com batidas de efeito metálico, o que faz produzir a relação entre os signos da humanidade e da artificialidade, ou do homem versus a máquina. No entanto, esse não seria o foco do filme, que aparece na premissa mencionada (signos da placa de titânio, da relação sexual com um carro, do objeto de metal em seu cabelo usado para os assassinatos).

Como em Raw, 2016, a diretora Julia Ducournau irá trabalhar também com dramas familiares, em torno da busca pelo amor, como elemento para remediar a solidão da perda. Para mim, Titane é uma das melhores produções que misturam universo de horror, Sci-fi e fantasia já lançada nos últimos tempos, e que será distribuída mundo afora a partir de 2022.

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Crítica do filme Cidade das Sombras | A Matrix antes do fenômeno Matrix

“Dark city” (1998), em português, “Cidade das Sombras”, é um thriller de ficção científica que prova haver vida antes do fenômeno Matrix, de 1999. Dirigido por Alex Proyas, “Dark city” segue na mesma temática inovadora de Matrix.

Mesmo sendo produção de custo mais baixo (27 milhões de dólares perante os 65 milhões do filme das irmãs Wachowski), “Dark City” nos envolve em sua atmosfera de jogo entre realidade e ilusão. Será que sua história também nos leva a tomar a pílula vermelha?

De forma aproximada ao despertar de Mr. Anderson (Keanu Reeves, em Matrix), John Murdoch (interpretado por Rufus Sewell) desperta em uma noite, dentro de uma banheira, em uma cena de crime claramente plantada para ele.

Antes de ser perseguido por sujeitos estranhos, Murdoch encontra o telefone de Dr. Schreber, o qual lhe explica que sua memória fora apagada e dá as coordenadas para a fuga do local. De forma caricata (um cientista tímido, justo e antissocial), Kiefer Sutherland é Daniel Schreber, um médico envolvido com alienígenas, os quais fazem daquela cidade escura um ambiente de experimento para seres humanos, por meio de um simulacro no qual todos acreditam ser a própria realidade.

Uma das bases conceituais de Matrix

Cidade das Sombras” pode nos levar a entender que possui referências a Matrix, mas a lógica é oposta. Por ser uma produção anterior, há momentos que pensamos referenciar Matrix, como a cabine telefônica por meio da qual o protagonista recebe a ajuda inicial do Dr. Schreber.

O mesmo acontece quando Trinity foge dos agentes da cena inicial de Matrix e recebe ajuda ao utilizar um telefone público; ou até mesmo quando Morpheus liga para Neo em seu trabalho, o guiando para fora do ambiente, no qual agentes o perseguem também. Essas tendências narrativas já aparecem, portanto, em Dark City.

cidadedasombras03 b5532Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Apesar de os méritos do tema “realidade simulada” estarem vinculados à superprodução Matrix, “Cidade das Sombras” dá o tom inicial de outras produções que viriam também a tratar da temática, como o filme “S1m0ne” (2002), “Simulation one”, mas com um tom dramático e cômico ao mesmo tempo, cuja atuação de Al Pacino brinda com um papel ora cômico ora dramático, ao simular a criação de uma atriz pop star, por meio de um programa de simulação.

Enfim, outros recursos técnicos, como o foco na noite e nas sombras presentes nos enquadramentos, bem como o ambiente mais lúgubre de “Cidade das Sombras” nos fazem imergir no ambiente de intrigas e nos fazem refletir que Matrix não foi uma novidade na época, mas uma produção que abriu as portas para filmes novos e para o conhecimento do grande público sobre autores que já trabalhavam essa temática da realidade e da ilusão na literatura, em relação com as distopias do futuro, como:

  • “Simulacres et simulation” (Simulacros e simulação, de Jean Beaudrillard);
  • I, robot (EU, robô), de Isaac Asimov;
  • Neuromancer, de William Gibson;
  • Do Androids Dream of Electric Sheep?, romance de Philip K. Dick, que originou Blade Runner.

Em suma, a série também Black Mirror aproveita todos esses temas, o que faz dela, hoje, a série como mais argumentos para esses assuntos de ficção especulativa.

cidadedassombras02 e1475Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Para fechar a questão sobre Dark City, o foco em ambientes fechados e muitos corredores com pouca luz, além dos planos fechados e contra-plongé, nos causam a sensação de pequenez e estranhamento, pois são recursos da expressão fílmica utilizados para produzirem o efeito de uma realidade estranha, possivelmente simulada, ou que simula que vivemos em um laboratório, um ambiente de constante experimentação.

Veja também a crítica de Cidade das Sombras em vídeo: