Crítica do filme Simone | Realidade simulada com um tom mais leve

“S1m0ne”, produção de 2002, codinome para “Simulation One”, é um título sugestivo em um mundo binário, dominado pelas fronteiras entre essências e aparências, verdades e mentiras, um mundo real contra o digital. O que essa produção tem a nos dizer sobre as Fake News e pequenas mentiras que vão aos poucos se tornando verdade?

Projeção de efeitos de verdade e a massificação da mentira

“Simone”, com direção de Andrew Niccol, já em 2002 nos surpreenderia com uma temática tão atual para este ano de 2021: a projeção de efeitos de verdade na cultura, por meio da massificação da mentira.

Em suma, o filme nos conta como a insistência na divulgação de pequenas mentiras na sociedade pode causar um desastre quando a opinião pública passa a acreditar em signos forjados, mas que criam efeitos de verdade. São Al Pacino e Winona Ryder que nos brindam com boas atuações, em um universo simulado, como a temática de Matrix, mas dissimulado no âmbito da indústria cinematográfica.

No filme, esse tema cria a narrativa de um ícone pop (uma mulher perfeita, Simone), sem que o ídolo seja de carne e osso. Assim é “S1m0ne”, universo em que um famoso produtor de filmes, Viktor Taransky, cria uma simulação perfeita, interpretada por Rachel Roberts, para encantar multidões.

simone1 c2f8eImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Ao acontecer um fato inusitado com a celebridade criada por Viktor Taransky, sua projeção, que somente existia no seu computador e na sua mente doentia, agora passa a ser objeto de investigação, o que obriga Taransky a explicar o suposto desaparecimento da garota. Por mais que ele se esforce para explicar que ela não existe, agora é tarde, a mentira se tornou verdade.

Simulacro e o Mito da Caverna, de Platão

A melhor cena, sem dúvida, que remete ao mito da Caverna de Platão, refere-se a um momento no qual o criador da simulação, Taransky, é supostamente flagrado com a sua criatura, Simone, a simular uma cena de amantes. No contexto, as suas sombras reproduzem a imagem dos dois através das janelas de um hotel de luxo: hilário e perfeito momento em que somente vemos as sombras de um mundo simulado (parcial) por trás da verdade que o público fanático acredita que vê.

simone2 c5c4dImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Com temática e expressão que nos lembram “The Matrix” (1999) (paletas de verde e azul), mas com um andamento mais lento (parecido com a direção anterior de Andrew Niccol, “Gattaca”) e um tom de comédia e drama, “Simone” é uma produção que vale a pena pela reflexão social atualizada, apesar dos seus quase vinte anos.

Bom filme para refletir a respeito das Fake News contemporâneas e a maneira pela qual as massas podem ser manipuladas através de um apelo vindo da indústria cultural.

Confira a crítica de Simone também em vídeo:

Critica do filme Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa | Subindo pelas paredes

Desconsiderando suas participações em Capitão América: Guerra Civil, Vingadores Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato, o teioso chega a sua nona iteração cinematográfica. Da trilogia original estrelada por Tobey Maguire e dirigida por Sam Raimi, passando pelas mal executadas produções de Marc Webb, que nos apresentaram o espetacular Homem-Aranha de Andrew Garfield, desviando para Homem-Aranha no Aranhaverso a uma animação sensacional (que nos introduziu o conceito do aranhaverso), até às reinvenções joviais de Jon Watts e seu novo Peter Parker, Tom Holland lá se vão quase duas décadas de escaladas.

Sem Volta Para Casa é a culminação não apenas do ciclo de Tom Holland, mas de toda uma jornada que começou lá no final do milênio passado e inicio dos anos 2000. Quando, muito antes de sequer existir a ideia de um MCU, Avi Arad manteve vivo o interesse do público em personagens que definhavam nas banquinhas, salvando uma editora falida e trazendo para as telas os heróis da “Casa de Ideias”. Não à toa, o filme presta homenagem ao controverso produtor responsável pela venda dos direitos de personagens icônicos da Marvel para diferentes estúdios de cinema — feito que paradoxalmente atravancou e impeliu o surgimento da Marvel Studios e do MCU.

Com uma nova fase ainda em seus primeiros momentos, o MCU — que agora também se expande para a TV (ou mais precisamente para o streaming da Disney+) — ainda reserva muitas emoções para os “zumbis marvetes”. A conclusão da trilogia de Jon Watts não deixa de seguir os moldes do MCU e ao final percebemos que todo o arco é, na verdade, uma grande história de origem para o jovem Peter Parker/Homem-Aranha. Apostando forte nas ramificações do multiverso, Sem Volta Para Casa é essencial para os fãs da Marvel e destila a quintessência dos filmes de herói.

Onde se vê a árvore não se vê a floresta

Entre as inúmeras discussões insignificantes, próprias dos reconditos nerds, uma das mais recorrentes é a de quem é o melhor Homem-Aranha dos cinemas. Os mais nostálgicos celebram a personificação de Tobey Maguire como um Peter Parker mais "convincente", enquanto outros millenials afirmam categoricamente que o carisma inato de Andrew Garfield faz dele um "Cabeça de Teia" perfeito, mas para toda uma nova geração de fãs Tom Holland é o único Peter Parker/Homem-Aranha.

Desde a primeira parte da trilogia comandada por Jon Watts, Homem-Aranha: De Volta para Casa, muito se questionava sobre a imaturidade do teioso e sua dependencia de Tony Stark/Homem de Ferro. Mal sabiam eles que tudo fazia parte de um plano maior, ou pelo menos é o que parece agora que temos a visão geral da trilogia com aa chegada de Sem Volta Para Casa.

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Próximos de mais das árvores para ver a floresta inteira, as criticas quanto ao desenvolvimento do jovem Peter de Tom Holland não eram de todo injustas. Todavia, agora percebemos que os três filmes, em únissono, funcionam como uma grande história de origem. Peter Parker surge como um adolescente impetuoso, ansioso para mostrar seu valor, mas cuja própria puerilidade é sua maior fraqueza. Alheio aos verdadeiros riscos de ser um herói e facilmente seduzido pelo glamour da fama, personificadas pelo ídolo/mentor Tony Stark (o Homem de Ferro), o Homem-Aranha de Tom Holland é um garoto deslumbrado no meio de gênios, magos, monstros e alienígenas. Quando chegamos em Sem Volta para Casa, a conta já está na mesa e Peter não tem como pagar.

Pierre Bayard — psicanalista, escritor e professor da literatura na Universidade Paris-VIII — já explicava "Como falar dos livros que não lemos", assim, tangeando o entrecho aforista de grandes poderes e responsabilidades, Jon Watts mostra que há mais de um jeito de se contar uma história e entrega a sua versão do adágio "Dâmoclediano" com muita perspicácia. Com uma narrativa muito competente, Watts joga tudo em um violento redemoinho alimentado pelos ventos da nostalgia, que não apenas revira a mitologia do MCU como também promove a evolução dos personagens em vários aspectos, entregando no final um Homem-Aranha ainda mais interessante para o futuro cinematográfico da Marvel.

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Na teia dos Aranhas

Sem Volta para Casa promove o retorno de vilões iconicos das produções passadas — incluindo aqui o infame J. Jonah Jameson de J. K. Simmons, que já havia aparecido no final de Longe de Casa. Jamie Foxx (Electro), Willem Dafoe (Duende Verde), Alfred Molina (Doutor Octopus), Thomas Haden Church (Homem-Areia) e Rhys Ifans (Lagarto) são arremessados no MCU, e entregam performances melhores do que na primeira vez.

Mesmo que o destaque inegável fique com Willem Dafoe, que mesmo dividindo o protagonismo com pelo menos outros 10 atores de peso, entrega um Norman Osbourn / Duende Verde multifacetado e fascinante, também devemos apontar apontar o trabalho de Alfred Molina e Jamie Foxx. Molina, que já havia apresentado uma versão inteligente do Dr. Otto Octavius / Doutor Octopus em Homem-Aranha 2, segue explorando bem a elegância e as minúcias do personagem, enquanto Jamie Foxx encontra a redenção de Max Dillon / Electro, cuja versão de O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro sofreu desde a concepção de seu design.

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Se a presença dos vilões dos filmes passados já era surpreendente, a grande revelação de Sem Volta Para Casa certamente foi o retorno de Tobey Maguire e Andrew Garfield. Abrindo de vez as portas do multiverso no MCU, a reunião dos três "Aranhas" alavanca a trama, alimenta a história de toda a franquia, e proporciona o crescimento tanto dos personagens como dos atores que os encarnam. A química entre os três é excelente, e permite que as interações não se limitem a um amontoado de memes, trazendo momentos verdadeiramente emotivos que, além de contextualizar cada figura dentro da história, também oferecem merecidos desfechos para os heróis.

Enquanto a atuação de Tobey seja impulsionada puramente (e de maneira suficiente) pela nostalgia, Andrew Garfield faz um esforço real para entregar a sua melhor versão do "teioso". Criticado durante sua passagem pela franquia, muito mais pelas viúvas de Tobey do que por sua performance em si, Garfield vai do cômico ao dramático com muita facilidade apresentando o Peter Parker / Homem-Aranha mais humano dos três. Por fim, Tom Holland parece que finalmente encontrou a sua voz dentro da série. Se nos título anteriores o ator parecia se apoiar mais na fisicalidade do papel, em Sem Volta Para Casa o britânico não veste apenas o uniforme do Homem-Aranha, mas também entra na pele de Peter Parker. Navegando com destreza por toda a jornada do personagem, Holland aproveita bem seus momentos e não fica apagado em meio a tantas estrelas.

A verdadeira felicidade está na própria casa

Sem Volta Para Casa não é uma obra prima, tem seus defeitos e acertos e no final não foge em nada ao padrão Marvel. O que pode soar como algo negativo é, mais uma vez, um grande trunfo. Assim, considerando o sucesso consistente do estilo Marvel de se fazer filmes é estranho questionar a suposta falta de criatividade das produções, mas deixo essa discussão para os "apocalipticos e integrados" e a dialética do modelo de reprodução cultural no contexto neogramsciano... ou por um bando de fãs um forum qualquer do Reddit

Com mais de 25 títulos lançados e um grande universo compartilhado é inegável que a formula já apresente alguns sinais de fadiga, mesmo que a cada novo lançamento sejam alcançados novos recordes de bilheteria. Entretanto, se a forma do bolo é a mesma o recheio certamente não é, e Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa mostra que Kevin Feige ainda esconde alguns truques na manga, olhando mais para o macro do que para o micro, apostando nos grandes arcos e não apenas nas histórias individuas.

Sem se emaranhar na própria teia de nostalgia, Sem Volta Para Casa revisita o passado de olho no futuro.   

Em suma, Sem Volta para Casa, como qualquer outra produção da Marvel Studios, é essencial para os fãs do MCU, ao mesmo tempo em que ainda se mostra minimamente atraente até para os não iniciados no mundo dos filmes de super-heróis. No entanto, para realmente apreciar os arcos narrativos de cada personagem é necessário algum conhecimento prévio, pelo menos da franquia Homem-Aranha. 

Crítica Ghostbusters – Mais Além | Nostalgia e novidade de mãos dadas

Lançado originalmente lá em 1984, a franquia “Os Caça-Fantasmas” fez um sucesso tremendo na época, algo que reverberou por muitas décadas. Curiosamente, a Sony Pictures investiu em apenas dois filmes originais, com a continuação “Os Caça-Fantasmas 2” sendo lançada em 1989.

De lá para cá, a franquia ficou apenas na memória da galera, mas foi ressuscita de forma inusitada em 2016 com uma abordagem diferente em “As Caça-Fantasmas”, dando vez para um novo time de especialistas em paranormalidades, protagonizado exclusivamente por mulheres.

Esta investida de 2016 deu certo, mas também deu errado. Apesar do tom bem-humorado e uma boa receptividade por partes dos críticos, os fãs não parecem ter gostado dessa alteração brusca no protagonismo da série. Assim, chegamos a uma nova adaptação, que ignora a existência do filme de 2016 e faz um gancho direto com os títulos da década de 1980.

ghostbustersmaisalem01 49019Imagem: Divulgação/Sony Pictures

Em “Ghostbusters – Mais Além”, a Sony não apenas ignorou o título tradicional em português, mas foi “mais além” com um subtítulo ruim. Bizarro, mas faz parte do show. O que importa é que o novo filme tem trama envolvente, que, apesar de se apoiar nos protagonistas clássicos, dá fôlego à franquia, com novos personagens, bom humor e muito mistério.

Uma coisa engraçada é que o título recente dos Caça-Fantasmas teve um efeito quase contrário, fazendo mais sucesso para o público geral do que para os críticos. Os acertos do filme são muitos e os tropeços são raros, muitas vezes devido à galhofa excessiva. De qualquer forma, o resultado geral está acima da média e as risadas são garantidas.

Muitas referências, mas poucas interferências

A história de “Ghostbusters – Mais Além” gira em torno de uma família que recebe a triste notícia do falecimento do patriarca da família, um senhor que não tinha laços de afeição com sua filha e seus netos. Apesar disso, Callie (Carrie Coon) e seus filhos, Trevor (Finn Wolfhard) e Phoebe (Mckeena Grace), resolvem ir atrás da herança: uma fazenda abandonada.

O trio é composto por personagens muito carismáticos, que conseguem roubar a cena em diferentes momentos da trama. Curiosamente, apesar de Finn Woflhard (que você certamente conhece de Stranger Things e IT) estar entre os protagonistas, o destaque do filme fica para Mckeena Grace e para dois coadjuvantes: Logam Kim (que interpreta Podcast, um colega de Phoebe) e Paul Rudd (professor das duas crianças).

ghostbustersmaisalem02 9dec7Imagem: Divulgação/Sony Pictures

Juntos, esse grupo vai atrás dos mistérios que cercam a fazenda da família (da qual sequer sabemos o sobrenome) e também da cidade que apresenta tremores frequentes. É claro que a plateia sabe muito bem do que se trata todo o suspense do filme, mas é muito legal ver como a história é desenrolada, principalmente porque há inimigos inusitados.

Para obter sucesso na missão, eles contam com os aparatos do antigo proprietário da fazenda, que detém uma série de instrumentos tecnológicos, incluindo objetos que você com certeza já conhece de tempos passados e um veículo que é único em seu estilo. É dessa forma que vemos o gancho com o passado, o qual vai se alongando até termos muitas surpresas.

Felizmente, o filme dirigido por Jason Reitman (que é mais conhecido por obras dramáticas) vai no caminho contrário de se manter preso ao passado, de modo que não adianta você ir esperando a trupe de velhinhos da década de 1980 em ação. Logo, a grande sacada aqui são as referências, mas não uma sequência direta (porque isso exigiria muitos efeitos computacionais).

Os Fantasmas se divertem

O grande trunfo de “Ghostbusters – Mais Além” não é seu elo com passado, mas sua trajetória única e inédita, que dá vez para à contemporaneidade, graças aos novos personagens que trazem humor pontual, personalidades atuais (com o uso de alguns exageros, é claro, mas ainda muito inventivos) e um ritmo bem acertado.

O roteiro de Jason Reitman e Gil Keinan transita num vai e vem, que revela a trama de forma inteligente. O importante é que o timing das piadas funciona e que elas não recaem sobre um único personagem, já que a história é contada de forma ampla, desenvolvendo diferentes frentes e nos levando a conhecer mais do universo dos fantasmas.

ghostbustersmaisalem03 63e6cImagem: Divulgação/Sony Pictures

Com a trilha clássica, mas a presença de novos hits, o filme é embalado num misto de antiguidade com novidade. Isso também fica claro na fotografia do filme, que tem um tom sépia reforçado, mas que inova ao fugir do cenário habitual da cidade e exagerar nos efeitos especiais fantasmagóricos.

Aliás, ponto para o time criativo, que apesar de usar alguns fantasmas clássicos (que com certeza ajudam a criar familiaridade com o universo da franquia), eles fizeram um bom trabalho em criar figuras caricatas. Algumas são esquisitas e talvez jamais serão usadas novamente, mas há uma inventividade.

Resumo da ópera: “Ghostbusters – Mais Além” é uma ótima pedida para assistir numa sessão de cinema ou mesmo para ver (e rever) em casa. Inteligente, respeitoso e bem humorado, o filme consegue unir passado e presente, bem como dar um respiro para o futuro da franquia. A questão que fica é: quem eles vão chamar para o próximo filme?

Crítica do filme Noite Passada em Soho | Londres chamando

Noite Passada em Soho é um paradoxo cinematográfico, sem sombra de dúvida é um ótimo filme, mas não empolga como os trabalhos anteriores de Edgar Wright. A incongruência é ainda maior se analisarmos a incrível habilidade técnica envolvida na construção visual, na cinematografia e na exploração dos gêneros e influências que aparecem salpicados ao longo de todo o filme.

Edgar Wright apresenta um filme inteligente e tecnicamente excepcional, porém, sem “alma”. Falando de um lugar totalmente subjetivo, sem qualquer suporte técnico, Noite Passada em Soho pode ser um dos melhores filmes da carreira do diretor, mas mesmo carregado de estilo e um roteiro original, parece que toda a construção se torna uma vítima da própria sedução imagética, em um conflito entre idealização e essênc

“Quem não gosta, gosta, quem gosta, curte”, Noite Passada em Soho é um bom filme, que deveria ser incrível. É fácil apreciar a produção mesmo que esta não cause o mesmo impacto que Em Ritmo de Fuga, todavia, o talento e potencial de Edgar Wright nos acostumou tão mal que agora sempre esperamos algo maior.

Eloise através do espelho

Eloise (Thomasin McKenzie) não se sente confortável entre seus colegas universitários na cosmopolita Londres. A garota “caipira” de olhos arregalados, apaixonada pelos “vibrantes anos 60”, apresenta alguma dificuldade em se adaptar ao ritmo acelerado da capital e ao estilo descolado das suas colegas de faculdade. Em busca de seu lugar na metrópole, Eloise abandona as “meninas malvadas” da república em que mora e se muda para um antigo apartamento no centro de Soho, em um quartinho administrado pela peculiar Sr.ª Collins (Diana Rigg).

Entretanto, nem todas luzes de neon são belas e pouco a pouco os segredos de Eloise e da Londres sessentistas começam a ser revelados em uma mistura onírica de deslumbre e paranoia. Entre sonhos e alucinações, a garota mergulha na vida da misteriosa Sandie (Anya Taylor-Joy), uma jovem aspirante a cantora cuja busca pela realização de seus sonhos na Londres dos anos 1960 espelha a vida de Ellie em mais de uma maneira.

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A transposição das vidas de Ellie e Sadie se traduzem estilisticamente pela mão cuidadosa de Edgar Wright, que usa e abusa de estilo, montagem e edição de som para construir um universo fantástico que mescla a realidade de maneira imperceptível por meio de uma canção ou um mero olhar no espelho. A construção visual, uma das assinaturas de Wright, encanta e faz você prestar a atenção a cada detalhe da cena em busca de novos elementos.

Enquanto isso, a dinâmica das protagonistas, Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy, alimenta ainda mais a força da história. McKenzie, que despontou em Jojo Rabbit (2019), de Taika Waititi, acerta em cheio ao ajustar sua performance de acordo com a jornada de Ellie, partindo de um jovem comedida até chegar ao patamar da mulher forte e obstinada. Do outro lado, Taylor-Joy, que cresce a cada papel desde a sua estreia em A Bruxa (2017), é magnética e atrai a atenção do espectador seja pela simples presença ou pela sua execução dramática de alto calibre.

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Giallo pra inglês ver

Se a trilogia Cornetto de Edgard Wright homenageou e subverteu gêneros clássicos do cinema com humor e inteligência, Noite Passada no Soho faz o mesmo não apenas para a Londres sessentista, mas também para o cinema e música da época. Como de costume, Wright propõem um mise-en-scène que mescla habilmente música e cenário com uma e edição incomparavelmente fluída.

As luzes da cidade podem ofuscar, mas a transposição de sono e realidade se dá com uma montagem criativa que alimenta um roteiro suficientemente flexível para transitar entre diferentes gêneros. Com o fundo de um suspense sobrenatural, como as boas e velhas histórias de fantasmas, Noite Passada no Soho passa pela leveza dos romances adolescentes até chegar na sanguinolência de um slasher, sem se perder pelo caminho.

A composição visual artificializada mantêm o artifício da dualidade para além da história, deslocando elementos da fantasia e realidade, algo que funciona em alguns níveis dentro do que se torna uma mistura de nostalgia e neo-giallo, mesmo que sem o mesmo impacto de outras produções como Demônio de Neon (2016), ou o recente Censor (2021).

Noite Passada no Soho pode não ser excepcional, mas também não há nada que o confine ao abismo do trivial

O paradoxo de Noite Passada Em Soho volta a chamar a atenção ao observarmos como história eficiente ainda encontra espaço para tratar de temas inteligentes como a desconexão própria das grandes cidades e principalmente da representatividade feminina nesse subgênero que acaba recaindo na repressão e moralismo com pitadas de misoginia.

Dito isso, ainda é difícil apontar objetivamente o porque Noite Passada em Soho não deslancha. O  refinamento técnico e estético de Edgar Wright estão presentes ao longo de todo o filme, que entrega uma produção sólida, mesmo que um pouco repetitiva. Talvez a próprio conceito da obra que trabalha com o dualismo da ilusão dos sonhos e a dureza da realidade trabalhe contra “concretização” do filme que não parece alcançar todo seu potencial.

Critica do filme Os Eternos | Nada é eterno, mas algumas coisas permanecem

Depois de mais de uma década e 23 filmes, é fácil esquecer as origens do MCU. Apesar da Fase 1 do MCU estabelecer as bases do “estilo Marvel”, o tom das produções se desenvolveu em um arpejo crescente até a sua conclusão da "Saga do Infinito" em Vingadores: Ultimato. Entretanto, tudo começou com Homem de Ferro, Incrível Hulk, Thor, Homem de Ferro 2 e Capitão América: O Primeiro Vingador, filmes com estilos relativamente distintos e pouco parecidos com o frenético Guerra Infinita e o grandioso Ultimato.

Os Eternos não é só o primeiro capítulo da história deste grupo de super-heróis cósmicos, mas também faz parte do prefácio da nova saga que emerge no MCU. Chloé Zhao apresenta uma “história de origem” que funciona em vários níveis utilizando uma narrativa inteligente que desvia da ação desenfreada e investe no desenvolvimento de personagens por meio de uma grande aula de filosofia digna do professor Chidi Anagonye (do seriado The Good Place).

Guerra Infinita e Ultimato são o cume da primeira grande Saga da Marvel nos cinemas, enquanto Eternos é o sopé de uma nova montanha que se agiganta à frente dos fãs. Pensando assim, a escalada ainda é longa, mas o escopo de Os Eternos, sugere que o topo é ainda mais alto. Mesmo com alguns deslizes, e com um estilo próprio que o desloca dentro do MCU, Os Eternos é um filme sólido que apresenta um novo e interessante início do universo Marvel nos cinemas.

Quanto tempo dura o eterno?

Sem entrar nos detalhes da cosmogonia Marvel, basta dizer que os Celestiais são os seres mais antigos e poderosos de todo o universo. Em 5000 A.C., o Celestial Arishem envia para a Terra um grupo de dez seres superpoderosos chamados de Eternos com a missão de proteger a humanidade de  criaturas predatórias chamadas de Deviantes.

Sem poder interferir no desenvolvimento dos humanos, os Eternos seguem lutando contra os Deviantes até o dia em que estes estivessem totalmente erradicados e Arishem os convocasse de volta ao seu planeta natal. Milênios se passam e depois de várias “vidas” juntos o grupo começa a mostrar fissuras, questionando sua missão “divina”, a humanidade e seu papel não-intervencionista em um mundo que obviamente se beneficiaria de seus talentos.

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Entretanto, com o reaparecimento dos Deviantes, os Eternos são forçados a se reunir e proteger a humanidade da antiga ameaça, apenas para descobrirem que muito mais está em jogo do que a erradicação dos Deviantes e o seu retorno para a casa. Sem revelar qualquer spoiler e entregar pontos importantes da trama, Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo e Matthew K. Firpo conseguem trabalhar com toda a grandiosidade da obra de Jack Kirby dentro do microcosmo de cada personagem.

A narrativa que aposta em flashbacks expositivos que contextualizam elementos do passado e presente, do relacionamento dos Eternos com os humanos e os Celestiais, o roteiro trabalha vários elementos em diferentes níveis a todo momento.  A história é muito bem amarrada, ao ponto de mostrar que, de fato, não há um vilão na história.

Brilho Eterno

Gemma Chan, Richard Madden, Kumail Nanjiani, Lia McHugh, Brian Tyree Henry, Lauren Ridloff, Barry Keoghan, Don Lee, Kit Harington, Salma Hayek e Angelina Jolie. Misturando nomes em ascensão e estrelas já consagradas de Hollywood, o elenco de Eternos acerta em praticamente todos pontos.

Angelina Jolie, mesmo em seu “piloto automático” se destaca sempre que aparece em cena na pele de guerreira Thena, enquanto Don Lee esbanja carisma como Gilgamesh, o mais forte dos Eternos e guardião de Thena. Kumail Nanjiani cumpre seu papel de alívio cômico com naturalidade,  deixando muito espaço para seus companheiros roubarem as risadas.

Vale destacar o esforço de Richard Madden, que mesmo limitado – algo evidenciado desde sua temporada em Game of Thrones – ainda entrega bons momentos e uma atuação sólida como Ikaris (o Super-Homem da Marvel) um personagem que precisa de muita flexibilidade emocional. Infelizmente o mesmo não pode ser dito de Gemma Chan, que oferece uma performance tão sutil que beira a monotonia, algo que não explora totalmente o arco de crescimento e superação de Sersi.

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De eterno e belo há apenas o sonho

A lista de acertos de Chloé Zhao no roteiro ena direção também passa pelo seu uso inteligente da câmera que mescla efeitos práticos e poucas intervenções digitais.  Mesmo com a renomada Industrial Light & Magic cuidado dos efeitos especiais, a diretora deixa o impacto visual emergir da construção da cena e não necessariamente do efeito em si, algo que confere ainda mais força para uma tradução mais fiel da identidade visual do rei Jack Kirby e a Era de Bronze das histórias em quadrinhos.

As cenas de luta, mesmo que espaçadas são bem coreografadas e utilizam as habilidades de cada um dos eternos, e certamente redefinem alguns conceitos dos “filmes de heróis”, especialmente na forma como representam os poderes de seres velocistas. Em outras palavras, chega de cenas em câmera lenta para mostrar que o personagem está se movendo mais rápido do que os outros.

Os Eternos não cobre toda cosmogonia Marvel, mas abre vários caminhos interessantes para o futuro do MCU.

Dentre muitos acertos e alguns erros, Eternos é sem dúvida um dos filmes de herói mais interessantes dos últimos anos. Vingadores: Ultimato finalizou um longo arco cuja memória inda é muito recente para o fãs. Com o “corpo ainda fresco”, essa Fase 4 do MCU precisará superar  a expectativa do público para criar gradativamente a mesma grandiosidade que levou uma década para ser construída, para quem entende o contexto deste momento, Eternos se mostra como um ótimo ponto de partida.

Crítica O Esquadrão Suicida | Um péssimo grupo em mais um péssimo filme

Volte e meia eu me pergunto o que nos leva ao “hype”, afinal há algo de mágico nos trailers que nos faz criar expectativas para alguns filmes como “O Esquadrão Suicida”. Muitas vezes, depositamos esperanças em nossos atrizes ou atores favoritos, afinal sempre temos aquela certeza de que “filme com Fulano é sempre muito bom”.

Em outras, acreditamos que algum cineasta pode ter um poder transformador. Há também situações em que queremos muito ver algum universo já existente ganhando vida nas telonas. E, claro, temos situações em que a combinação disso tudo somada com efeitos explosivos e trilhas incrivelmente bem colocadas faz nossos olhos brilharem.

Definitivamente, poderíamos dizer que “O Esquadrão Suicida” marca pontos ao completar todos os pré-requisitos, porém temos que lembrar que este é um segundo filme que dá continuidade ao universo introduzido em “Esquadrão Suicida” (criatividade mandou lembranças), que certamente é um péssimo filme da DC Comics.

A resposta para a existência dessa sequência é apenas uma: dinheiro. Mesmo com um roteiro terrível e personagens galhofas, o primeiro filme fez um sucesso absurdo. Tanto é verdade que ele abriu espaço para “Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa” e, agora, para mais um longa-metragem com a trupe bagunceira.

oesquadraosuicida00 ae486Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Quer saber se “O Esquadrão Suicida” vale a pena? Bom, a resposta para sua dúvida pode lhe custar apenas R$ 9,90 (na promoção) ou o dobro desse valor no pacote tradicional da HBO MAX, que tem este lançamento e todos os outros filmes recentes da Warner e DC Comics. No entanto, tal curiosidade pode lhe custar também mais de duas horas em frente ao televisor. A respostas curta é: não vale a pena. A resposta longa você confere a seguir.

Tentando consertar o que não tem conserto

Não há dúvidas de que o primeiro “Esquadrão Suicida” tem suas qualidades, afinal ele realmente deu vez para uma personagem muito acertada: a Arlequina. Todavia, ele foi tão fraco e não era algo designado para um universo próprio que, além de Margot Robbie, tivemos o retorno de poucos atores para “O Esquadrão Suicida”, sendo eles Joel Kinnamn e Viola Davis.

O desastre foi grande no filme antecessor, então a turma da DC Comics pensou em arrumar o problema trazendo um diretor de outro universo para o projeto. O nome é James Gunn, mais especificamente o cara por trás de “Guardiões da Galáxia”. A lógica é simples: se deu certo com a Marvel, tem que dar certo com a DC, certo? Errado!

oesquadraosuicida01 9c76bImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Ainda que James Gunn tenha ótimas ideias, seja um bom roteirista e diretor, seu desafio aqui era muito maior: pegar um monte de personagens aleatórios (que estão mais para Série C dos quadrinhos), colocar eles juntos numa missão aleatória, introduzir piadas aleatórias e tentar dar um sentido para a aleatoriedade.

Não é uma missão impossível, mas é no mínimo extremamente difícil, pois tal façanha exige que o público engula tudo isso e dê risada de situações absurdas em uma história inusitada. Novamente, temos Amanda Waller (Viola Davis) reunindo degenerados para resolver uma missão — aliás, a que ponto chega o desespero por dinheiro, hein, Viola?!

A missão desta vez reúne os personagens Sanguinário, Pacificador, Capitão Bumerangue, Caça-Ratos 2, Sábio, Tubarão-Rei, Blackguard, Dardo e, claro, a Arlequina. Eles são devidamente armados e jogados na ilha Corto Maltese, onde encontrarão o capitão Rick Flag. O objetivo: destruir um prédio que contém um segredo governamental.

oesquadraosuicida02 fcb1dImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

A história é ruim? Sim. O plano é ruim? Também. Todavia, “O Esquadrão Suicida” só aceita o fato de que isto existia nos quadrinhos (e fazia sucesso) e tenta jogar isso num filme sem se preocupar com lógica ou com o quão sem noção os personagens podem parecer para o público. As notas positivas e comentários positivos sugerem que deu certo, mas será mesmo?

A Galhofa não tem Limites?

Bom, vamos ser honestos. “O Esquadrão Suicida” é um projeto ambicioso e custoso, sendo que o resultado técnico do filme é mais do que excelente. Não há como negar que há muitas boas ideais por parte de James Gunn, com soluções criativas para emendar essa enorme colcha de retalhos e efeitos de ponta que impressionam no meio da ação desenfreada.

Assim, se você é do tipo que se contenta com muitas cenas de combate, tiroteios e correrias mirabolantes e, além disso, não dá a mínima para uma história coerente ou personagens minimante interessantes, então pode dar o play que “O Esquadrão Suicida” é tudo isso e um pouco mais. Os efeitos realmente são ótimos, com direito a um show da Arlequina em meio a um jardim de violência.

oesquadraosuicida03 a068eImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

No entanto, se você achou o primeiro filme difícil de engolir e preza por uma história com um desenvolvimento inteligente (e com protagonistas que realmente tenham conteúdo além de piadinhas toscas e gracinhas sem propósitos), então pode ter certeza que “O Esquadrão Suicida” será apenas um filme entediante que vai cansá-lo a cada novo capítulo.

Aliás, eis outro problema deste filme: a narrativa. Com uma série de fatos introduzidos de forma não-linear, a trama vai e volta no tempo várias vezes e tenta abraçar um mundo de acontecimentos. Alinhando tal enredo descontruído com personagens totalmente chatos (e com poderes ridículos), o resultado geral é uma grande galhofa da vergonha alheia.

É tudo perfeitamente inteligível, mas com tantas músicas comerciais querendo disputar atenção, a impressão de que temos é que o diretor criou uma série de vídeo clipes musicais e intercalou para dar o ânimo do filme. As primeiras vezes são legais, mas depois a receita cansa e fica difícil aturar a mesma técnica.

oesquadraosuicida04 b1f87Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

O pior é ver que há muitos bons atores envolvidos, bem como um capricho de direção e até um esforço de trazer algo diferente, porém o resultado geral é trágico. Se você é fã de James Gunn, vale mais a pena uma reprise de “Guardiões da Galáxia 2” do que perder tempo com “O Esquadrão Suicida”, que é uma obra inédita, mas cheia de piadas sem graças. Novamente, o universo DC prova que precisa focar em histórias e personagens menos caricatos e mais interessantes.

Crítica do filme O Diabo Branco | Terror argentino com estilo próprio

Até algum tempo atrás, os grandes blockbusters de Hollywood ditavam o rumo dos filmes em boa parte do mundo, afinal, se funciona com produções americanas, as mesmas ideias podem garantir o sucesso de outros projetos independente da nacionalidade, certo?

A história nos provou que a coisa não é tão simples. O ponto é que muitos títulos americanos só explodiram em bilheterias por dois motivos: elencos famosos e uma distribuição muito bem planejada. Esse argumento fica ainda mais evidente quando pegamos o segmento de filmes de terror, que a própria Hollywood faz o caminho inverso: remakes a partir de obras estrangeiras.

Assim, é bom quando vemos cineastas independentes indo na contramão. É o caso de Ignacio Rogers, diretor e corroterista de “O Diabo Branco”, filme argentino — e parte brasileiro — que chegou nesta semana aos cinemas brasileiros. Trata-se de uma obra humilde se comparada aos padrões americanos, mas que tem seu valor pela ousadia na proposta.

Na história, acompanhamos um grupo de amigos que viaja de carro pelo interior da Argentina, com o objetivo de passar um fim de semana num local aconchegante e próximo da natureza. No entanto, eles não imaginavam que este poderia ser um passeio um tanto perigoso, algo que vão descobrir ao cruzar com um misterioso homem na pousada.

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Longe de ser uma história inovadora ou com uma execução impecável, “O Diabo Branco” se mostra muito pé no chão e não tende para os truques baratos de filmes de terror. Há aqui uma ótima ideia, que com o devido amadurecimento de roteiro e uma verba maior poderia se tornar em um projeto grandioso. Ainda assim, é um bom filme. Vamos falar mais a seguir!

Histórias que já ouvimos

Se você já morou em uma cidade do interior, tem parentes em algum vilarejo afastado ou simplesmente mora no planeta Terra, há grandes chances de você já ter ouvido histórias assustadoras sobre “visagens” ou outros bichos que peregrinam em meio à mata. A grande maioria não tem pé nem cabeça, mas o telefone sem fio sempre fez as lendas circularem.

No mundo da ficção, a coisa não é diferente, sendo que há filmes com os mais variados tipos de contos de terror. Como o próprio nome sugere, a história aqui fala de um “Diabo Branco”, algo que pode ser figurativo ou até verídico — vou deixar isso em aberto para você não ter a surpresa quando assistir ao filme.

O ponto é que “O Diabo Branco” lida com coisas macabras, que incluem pessoas esquisitas (que pode ser apenas gente mal-encarada, mas que também pode ser gente do mal), muita coisa visceral e um flerte com o inexplicável. Esse é o tipo de filme que faz a plateia ficar até o fim da projeção ficar se questionando: mas é real ou os personagens estão vendo coisas?

Fato é que a trama é simples: uma viagem para repouso, coisas assustadoras nos arredores da pousada, um povo que não é muito comunicativo, pessoas sumindo, perseguições em meio à mata e um clima de que tem muita coisa errada. Junte a isso protagonistas bem reais (ainda que sejam atores, temos personagens menos caricatos) e o isolamento no meio do nada.

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Aliás, uma pausa. Um dos jeitos mais fáceis de fazer filmes de terror atualmente é levar o rumo da história para locais em que a comunicação com o mundo externa seja quase inexistente, bem como em situações que as pessoas fiquem sem seus aparatos tecnológicos. Tudo isso amplia o senso de impotência e deixa a coisa mais medonha.

A receita acima é ideal para um terror típico de filmes recentes como “A Bruxa” ou “Hereditário”. Cada um tem suas propostas, mas todos tem vários desses elementos em comum. Não que “O Diabo Branco” tenha grande relação com alguma das obras citadas, mas talvez não esteja tão longe também. Vou deixar em aberto para você descobrir.

Terror simples, mas esforçado

O roteiro pode ser importantíssimo para um filme de mistério, mas ele talvez seja apenas metade do trabalho. Como boa parte da experiência está atrelada à execução das ideias, é preciso ter genialidade na forma de filmagem, principalmente em como aparições vão ser introduzidas em cena e como os personagens vão encarar quaisquer que sejam os perigos.

Apesar de ser um filme planejado para uma atmosfera de terror em meio à mata, há diversas cenas que ocorrem em ambientes fechados e mais “caseiros”. É nítido que essas situações foram desafiadoras, pois o filme foca muito mais na reação dos personagens e faltou coragem para colocar as criaturas mais assustadoras do filme em primeiro plano.

Além disso, não é de hoje que a floresta é um cenário convidativo para o desconhecido, assim uma trama ambientada neste tipo de local garante espaço para a criatividade. Por outro lado, este tipo de situação dificulta a parte operacional, já que é preciso ter equipamentos de ponta para filmar no escuro, bem como um capricho extra para conseguir surpreender nos sustos. 

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A verdade é que “O Diabo Branco” não pretende ser o tipo de filme que apela para técnicas de jump scare, mas que assusta pelo exagero de sangue, pelo mistério em torno da lenda e pelo desconhecido. Tudo isso existe aqui, mas talvez não de forma tão caprichada, de forma que o diretor parece até optar por cenas mais distantes para não evitar mostrar muito a maquiagem.

O elenco num todo apresenta boas interpretações e, felizmente, diferente das obras americanas, aqui temos personagens muito mais críveis, com diálogos que parecem de verdade. Não se trata de algo amador, mas de uma condução bastante inteligente, para evitar frases de efeito e coisas toscas que são comuns em filmes do gênero.

No todo, “O Diabo Branco” é um filme bom de terror, com boas ideias e trilha bem instigante. Contudo, além dos efeitos rasos e a falta de ousadia, o filme sofre com uma história pouco desenvolvida. A impressão que fica é que faltou mais explicações dessa lenda da floresta. Uma boa iniciativa do terror latino-americano, mas há espaço para futuras melhorias.

Netflix com preço de TV a cabo | O consumidor vai pagar ou vai voltar ao pirata?

Foi se o tempo em que a Netflix era a grande salvadora da humanidade, a revolução do mundo do entretenimento, que viria para aniquilar o grande império das locadoras e trazer a esperança mundial de filmes e séries incríveis para os mais necessitados que não precisariam mais apelar para a ilegalidade. Hoje, a Netflix virou a vilã da história.

De tempos em tempos, a polêmica dos preços exagerados dos streamings volta à tona. Tirando raras exceções como a Amazon, que raramente é criticada (já que ela cobra só R$ 9,90 pelo pacote Prime, que inclui o Prime Video), muitas das companhias deste vasto segmento já foram alvo de longos debates no Twitter.

Não é para menos, já que há uma enorme discrepância entre quase R$ 10 no combo da Amazon (que custa ainda menos na assinatura anual) e o valor de R$ 55,90 do plano família da Netflix, que começa a valer a partir de hoje (22). Trata-se de um aumento de 20% no valor da assinatura, porcentagem que será aplicada em todos os planos Netflix.

Pensando em cancelar a Netflix? Que tal testar a Prime Video? Clique aqui e curta um enorme catálogo de filmes e séries por apenas R$ 9,90!

netflixvalornovo2021 3bb97Imagem: Reprodução/Netflix

Apesar do choque pelo número exagerado, é importante a gente pensar o que levou a Netflix a tal preço e se o problema está mesmo no aumento, na nossa mentalidade, na condição do povo brasileiro, na falta de concorrência ou em todos esses fatores ao mesmo tempo. Vamos com calma para entender como chegamos até aqui.

Era uma vez o fim da TV a cabo...

Eu não sei vocês, mas eu ainda lembro como muitas pessoas argumentavam que a Netflix iria matar não apenas as locadoras, como também seria o fim das TVs por assinatura. O argumento era óbvio, já que a Netflix era muito barata, oferecia muitos filmes e entregava um diferencial importantíssimo: a comodidade.

De fato, essa previsão tinha um excelente fundamento e acabou se concretizando em partes. Hoje, as locadoras são memórias distantes e quase tão raras que logo estarão estampadas apenas em livros de história e quadros de museus. O mesmo vale para as lojas especializadas em filmes nos formatos de mídia física.

Segundo os dados da Anatel, o total de acessos das TVs por assinatura caiu 8,3% de maio de 2020 para maio de 2021, o que representa quase 1,3 milhão de assinaturas canceladas em 12 meses. Ao longo dos últimos cinco anos, o total de acessou caiu de quase 19 milhões lá em 2016 para menos de 14 milhões em 2021.

tvporassinatura2021 7a852Número de assinantes de TV por assinatura em Maio/2021 - Imagem: Reprodução/Anatel

Não é o fim da TV por assinatura, mas certamente é um tombo enorme todos os meses. Só para fins comparativos, segundo os dados da FGV, no ano passado, a Netflix contava com mais de 17 milhões de assinantes no Brasil, ou seja, um único serviço de streaming superava todos acessos de todas as operadoras de TV por assinatura.

O que isso significa? Nada além do óbvio: há mais pessoas dispostas a pagar cerca de R$ 20 ou R$ 30 num streaming do que consumidores com orçamento abastado o suficiente para investir cerca de R$ 100 num plano básico de uma TV por assinatura (plano que sequer conta com o acesso através de uma plataforma online).

Vale notar que não estamos falando de pacotes com canais específicos de filmes (como HBO e Telecine), mas de pacotes com vários canais “abertos” (os famoso canais grátis que chegam até sua casa sem você precisar pagar nada) e com os canais mais baratos (os quais você paga e ainda tem que assistir centenas de comerciais).

skypacotes2021 5ba06Pacotes e preços SKY em 2021 - Imagem: Reprodução/SKY

Com a impossibilidade de escolher o que assistir e quando assistir, a TV por assinatura perdeu muito nessa batalha e abriu não apenas uma brecha, mas uma cratera enorme para os serviços de streaming. O que antes era uma possível ameaça por parte da Netflix, hoje é um problema gigante com os tantos concorrentes digitais.

Para tentar competir, várias operadoras de TV por assinatura criaram suas versões de streaming, como é o caso do SKY PLAY, que oferece então essa possibilidade de desfrutar dos canais e conteúdos de forma digital. O problema é que muitas vezes é preciso desembolsar um valor bem mais alto para não ter uma experiência tão boa.

O Tsunami dos Streamings

Com o lento declínio das TVs por assinatura, muitas emissoras que têm seus próprios canais com conteúdo ao vivo viram que já havia passado da hora de nadar sozinhas, uma vez que a parceria com as TVs impactou em seus lucros. A brilhante solução de todas as companhias foi criar seus próprios streamings.

hbomax 60f58Imagem: Fábio Jordão - Reprodução/HBO MAX

Algumas empresas já estavam nesse segmento há um bom tempo, como é o caso da HBO e do Telecine, sendo as pioneiras em cobrar valores astronômicos para dar acesso aos conteúdos digitais. Por muito tempo, ambas insistiam no modelo de liberar o streaming apenas para quem contratava seus pacotes dentro das TVs por assinatura.

Deu certo por um curto tempo, depois deu errado por um longo tempo. Prova disso é a porta que elas abriram para novos usuários contratarem seus respectivos pacotes de streaming: a HBO GO e o Telecine Play. O problema é que nenhuma queria lucrar menos, com isso era preciso desembolsar quase R$ 35 por cada assinatura.

De lá para cá, a gente viu não apenas uma onda, mas um verdadeiro tsunami de novos streamings, afinal todo mundo quer sua fatia nessa fortuna do entretenimento. Hoje, várias emissoras já têm seus respectivos serviços: Globoplay (que por sinal é a dona do Telecine), Disney+, STAR Premium (que é a antiga FOX e é da Disney), STAR+ (mais uma variante da FOX que deve ser lançada em breve), MGM, Paramount+ e Noggin – só para citar alguns canais que viraram apps.

seriesappletvplus f7295Séries AppleTV+ - Imagem: Reprodução/Apple

Todavia, a brincadeira não parou por aí. Aliás, antes até mesmo de algumas marcas famosas criarem seus streamings, nós vimos outros serviços na área: Looke, STARZPLAY, Crunchyroll, MUBI, Apple TV+ e mais outros tantos focados em nichos específicos.

O resultado dessa história você já conhece: há tantas opções, que se somarmos o valor de todos esses serviços, o montante supera alguns pacotes de TV por assinatura. Pois é, parece que o mundo não apenas dá voltas, mas ele tomba!

A TV a cabo 2.0 chegou!

Assim, surgiu uma nova categoria que tenta misturar o melhor dos dois mundos: a TV por assinatura totalmente digital. No Brasil, o principal nome dessa onda é a DirecTV GO. Pois é, há muito tempo, numa galáxia não tão distante dos streamings, havia a operadora DirecTV, que foi engolida pela SKY.

Hoje, a DirecTV GO é a ressurreição do serviço que era adorado por muitos, mas com uma nova proposta: uma TV por assinatura totalmente digital (que, portanto, depende de internet) com vários canais ao vivo (sendo possível incluir Telecine, HBO e outros), mas também com um catálogo por demanda, ou seja, vídeos que você pode dar play a qualquer momento, como num streaming mesmo.

directvgoprecos 32542Preços DirecTV GO com HBO MAX em 2021 - Imagem: Reprodução/DirecTV GO

E o melhor: a DirecTV GO não chega nem perto do valor de uma TV por assinatura tradicional. No momento desta publicação, a DirecTV GO tinha o custo de R$ 69,90 por mês ou R$ 699 por ano. É barato? Não é, mas é mais acessível do que as TVs tradicionais e custa pouca coisa mais do que a Netflix (apesar de que aqui há prós e contras para serem debatidos).

A TV por assinatura totalmente digital tem a vantagem de não exigir um aparelho dedicado, já que você pode usar o mesmo modem e roteador que já tem em casa. No caso das TVs a cabo ou via satélite tradicionais, é preciso comprar um aparelho separado ou emprestar um (com um valor cobrado mensalmente) pelo esquema de comodato.

A DirecTV GO chegou de mansinho no Brasil e chamou muito a atenção neste ano ao oferecer um pacote com HBO sem acréscimo de valor, sendo que os assinantes podem ter acesso à HBO por 2 anos sem pagar nenhum adicional. E, mais recentemente, o mesmo combo dá o acesso ao HBO MAX.

Por que a Netflix aumentou o valor?

A Netflix não revela um motivo para o aumento repentino em seus planos, mas este é o primeiro aumento após quase dois anos sem reajustes de valor. Aí, você deve estar se perguntando: Quanto custa a Netflix em 2021? Bom, atualmente, a Netflix tem os seguintes planos:

  • Básico: resolução 480p / reprodução em apenas um aparelho – R$ 25,90
  • Padrão: resolução 1080p / reprodução em dois aparelhos – R$ 39,90
  • Premium: resolução 4K com HDR / reprodução em quatro aparelhos – R$ 55,90

netflixplanos2021 b78f4Novos preços Netflix 2021 - Imagem: Reprodução/Netflix

Bom, o detalhe é que muitos assinantes reclamaram e isso deve resultar em muitos cancelamentos de assinaturas, o que é perfeitamente normal, já que a Netflix tem uma série de restrições em seus pacotes (como a resolução 4K que só está disponível no combo de R$ 55,90) e que o preço não faz sentido frente à concorrência.

Serviços como Amazon Prime Video, HBO MAX e Disney+ oferecem a resolução 4K e possibilidade de ver em vários aparelhos por preços muito mais acessíveis. Assim, considerando os preços e a oferta de outros conteúdos bem atraentes, não é de se assustar que as pessoas realmente cancelem a Netflix e optem por outros streamings.

Por outro lado, a Netflix tem sua razão de elevar os preços e manter essa divisão específica entre os diferentes pacotes. Explico: na teoria, o plano Premium pode ser usado por 4 pessoas que moram na mesma casa – ou seja, é um plano familiar –, mas na prática as pessoas pegam esse valor e dividem com outros amigos, de modo que o valor ficava na faixa dos R$ 11 reais.

É claro que tudo isso é teoria, porque nada impede que ainda mais pessoas usem um mesmo login e o preço fique ainda mais acessível, algo que também funciona com outros pacotes da Netflix. Dessa forma, o reajuste para ser uma forma de a empresa compensar essa divisão de logins.

Qual streaming é o melhor? Como assinar tudo isso?

Toda essa questão da Netflix nos leva ao debate da enorme gama de streamings que “dificultou a vida” do consumidor, já que os filmes e séries que antes estavam em um ou dois serviços, agora estão espalhados em dez apps diferentes.

É óbvio que ninguém é obrigado a usar todos os apps do mundo, mas a realidade é que as pessoas muitas vezes querem consumir conteúdos que não estão em seus atuais serviços de streaming. Assim, resta duas opções: assinar vários serviços ou optar pela ilegalidade, algo que ainda é muito forte no Brasil.

Aí surge a questão, afinal, qual é o melhor streaming? A Netflix continua com toda essa moral ou a saída de vários títulos do catálogo a tornou numa opção menos atraente? A resposta para essa questão depende apenas de cada consumidor, já que isso varia conforme os gostos pessoais.

primevideo d843aImagem: Reprodução/Prime Video

Já a resposta para “Como assinar todos os streamings?” é bastante simples: basta ter muito dinheiro, o que não é realidade de uma grande parcela da população, aliás, provavelmente apenas uma minoria tem condições para bancar dois ou três streamings, o que fica ainda mais inviável se forem serviços com o valor da Netflix.

Assim, o que devemos ver a partir de agora com essa polêmica da Netflix é uma enorme quantidade de usuários optando pelos serviços concorrentes. A própria Amazon já até publicou um tweet dando as boas-vindas aos novos assinantes.

Além disso, é possível mesmo que muita gente deixe de assinar os streamings e voltem (ou continuem) apelando para os conteúdos de forma ilegal. Seja como for, é inegável que todo esse tsunami de conteúdos digitais deve resultar numa grande bagunça.

Agora, conta aí, o que você achou dessa mudança repentina dos valores da Netflix? Você vai continuar como assinante? Ou já está estudando a opção de outros serviços? Seja como for, desejo boa sorte na escolha dos seus streamings favoritos!

Crítica do filme Rashomon | Obra-prima com história superestimada

Akira Kurosawa não é apenas uma das referências máximas do cinema japonês, mas é também um dos cineastas mais brilhantes de todos os tempos. Basta acessar o Rotten Tomatoes ou o IMDb para perceber como há um consenso sobre a genialidade dele.

Com obras como “Os Sete Samurais”, “Yojimbo, O Guarda-Costas” e “Rashomon” em seu currículo, Kurosawa conquistou o mundo com seu estilo próprio, o que se refletiu em diversas indicações em grandes premiações e até mesmo estatuetas, incluindo o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para “Rashomon”.

O detalhe é que vários desses filmes são quase impossíveis de encontrar em mídias físicas e são raros em serviços de streaming, sendo que nem mesmo as lojas mais famosas contam com estes títulos no catálogo. Assim, antes de falar sobre “Rashomon”, eu vou deixar a dica para você conferir o filme de uma forma legal.

Como assistir Rashomon online?

Filme antigos são raridades em mídia física, mas talvez sejam ainda mais difíceis de encontrar em serviços de streaming. Pelo menos agora há um jeito fácil e acessível de ver “Rashomon” e outros títulos clássicos, sejam obras-primas do cinema japonês ou de nacionalidades.

O serviço de streaming Belas Artes À LA CARTE tem um catálogo de filmes cults e raros, sendo uma ótima opção para quem ama obras clássicas dos mais famosos diretores e títulos raros de encontrar no circuito comercial. Por apenas R$ 9,90 por mês, você pode ver os filmes no celular, PC ou TV (Android TV, Apple TV, Roku ou Chromecast).

Neste mês de julho, o À LA CARTE apresenta filmes para os mais saudosistas, incluindo “Rashomon” e “A Flauta Mágica”, de Ingmar Bergman. Então, fica essa dica!

Quem conta um conto, aumenta um ponto

“Rashomon” tem enredo simples: uma história de assassinato e estupro é recontada a partir de múltiplas perspectivas, de supostas testemunhas e dos próprios envolvidos na história. Assim, o filme mostra os mesmos fatos diversas vezes, mas com algumas distorções nos diálogos e nas situações.

Com um elenco renomado, incluindo nomes como Minoru Chiaki, Takashi Shimura e Toshirô Mifune (trio que apareceu depois em “Os Sete Samurais”), bem como Masayuki Mori e Machiko Kyô, esta obra lá de 1950 esbanja talentos e se destaca pelas ótimas performances que são intercaladas no decorrer da trama.

É inegável que “Rashomon” é uma obra-prima do ponto de vista técnico. O filme tem uma direção incrível, com cenas incrivelmente complexas para a época de produção. As cenas de ação permeiam a trama em vários pontos e mostram não apenas o talento de Kurosawa, como ressaltam a importância de um bom operador de câmera.

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Obviamente, o resultado final é fruto do trabalho em equipe. A direção de fotografia é ousada, ainda mais com os cenários repletos de nuances e múltiplas fontes de luz, algo ainda mais difícil de equilibrar dada a composição em preto e branco. E há de se considerar o desafio na inserção dos personagens em meio a tais ambientes.

Akira Kurosawa não apenas apresenta uma direção precisa como garante um filme extremamente natural e pouco enfeitado. As lutas com espadas são prolongadas e até parecem contar com alguns improvisos, o que dá um toque especial de veracidade. Tais momentos são intercalados com as cenas dos diálogos, que ajudam na narrativa.

Não menos importante, temos componentes sonoros que fazem de “Rashomon” um filme bem orquestrado. A trilha sonora é muito expressiva e repleta de elementos que garantem o compasso da ação. No entanto, é no silêncio que o filme chama a atenção. Com as cenas de relatos e os diálogos em meio à chuva, a trama nos prende com seu tom de mistério.

Eu simplesmente não entendo...

Apesar de todos esses pontos a favor do filme e indo na contramão dos tantos fãs de Kurosawa, na minha opinião, “Rashomon” é um filme que sai do nada e vai a lugar nenhum. Eu não tenho o mínimo problema em argumentar contra um filme de Kurosawa, pois não se trata de uma crítica ao cineasta, mas ao enredo proposto neste título em particular.

É curioso que os personagens no início do filme soltam a frase: “Eu simplesmente não entendo”, numa situação em que eles estão meditando profundamente sobre o causo que será abordado ao longo da trama. O reforço no tom de confusão e de absoluto choque com a história do assassinato deixam o espectador ainda mais intrigado.

O problema é que esse grande suspense leva a um fato pouco surpreendente. No entanto, eis o xis da questão: não se trata de um filme para ter um entendimento. O propósito não é ser algo convencional, mas levar uma moral muito mais ampla sobre o egoísmo dos seres humanos e as diferentes verdades que cada um inventa.

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Talvez na época de lançamento ou a partir da perspectiva de pessoas com mentes brilhantes, “Rashomon” entregue de fato uma história de cair o queixo, mas a minha impressão é de que temos aqui uma genialidade superestimada. Não que seja forçado pelo filme, mas muitos críticos batem nessa tecla de forma exagerada.

Não se trata de um título simples, muito pelo contrário, há inventividade e uma moral válida, mas não espere uma conclusão surreal como a que os personagens sugerem no início da trama. No fim das contas, “Rashomon” é uma obra que vale a pena ver com atenção, porém, a meu ver, está longe de ser um dos melhores de Kurosawa.

Crítica do filme O Segredo de Brokeback Mountain | Solidão em meio à Tradição

Mais do que um drama, “O Segredo de Brokeback Mountain” (de 2005) é um filme sobre a solidão. Mais do que os preconceitos retratados na temática do filme e também na avaliação de muitos espectadores, um fato é verdade: Por que essa produção de Ang Lee, por um lado, incomoda tanto o público e, por outro lado, angariou da crítica notas altíssimas nas avaliações?

Brokeback Mountain é baseado no romance de Annie Proulx, escritora norte-americana de origem franco-canadense ganhadora do prêmio Pulitzer, de 1993, pelo romance “The Shipping News” (em português, “Chegadas e Partidas”, de 2001). De forma semelhante a esse filme, “Brokeback Mountain”, baseado nos contos de Proulx “Close Range: Wyoming stories” (de 2001), terá como signos temáticos a construção da Tradição.

Não aquela tradição vinculada à fundação de um povo, como “The Shipping News”, mas a uma cultura republicana e ao mesmo tempo ultraconservadora dos Estados Unidos entre os anos 1960 e 1990. O cenário é Wyoming, local em que dois caubóis, Ennis Del Mar e Jack Twist, um rancheiro e um vaqueiro, se conhecem na montanha Brokeback e passam a se encontrar em segredo durante anos.

Del mar é interpretado por Heath Ledger (premiado pelo papel de Coringa no filme “Batman - O Cavaleiro das Trevas”), e Twist é interpretado por Jake Gyllenhaal, outro ator conhecido por interpretar personagens complexos, como em “Donnie Darko” (2001) e “O Homem Duplicado” (2013), este baseado no romance homônimo de José Saramago.

O patriarcado e as vidas de aparência

A par de suas vidas como pais de família (e esse signo já invoca o tema do patriarcado e das obrigações sexuais e sociais do homem que não pode demonstrar sentimentos), o medo que ambos os vaqueiros demonstram ao esconder sua sexualidade vai sendo dramatizado sem pressa e sendo ampliado, à medida que ambos não suportam mais a dor do segredo e da solidão.

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O conteúdo polêmico sobre homens que se amam não é novidade. O tema reforçado em “O Segredo de Brokeback Mountain” já foi dramatizado por outros atores famosos, como DiCaprio, em Total Eclipse (1995) e Michael C. Hall (da série Dexter, em Six Feet Under, da HBO), ambos também com maestria na atuação.

Portanto, a forma com que os espectadores reagem a determinadas figuras do discurso fílmico (o caubói machão, a religião cristã, o conservadorismo republicano do oeste norte-americano) depende da forma como encaram seus opostos: o homem sentimental e o jogo de valores dos Estados laicos das sociedades modernas, cada vez mais distantes de todo tipo de preconceito social.

Vida de cowboy de cinema com trilha impecável

Tecnicamente, o filme não somente nos mostra contrastes do conteúdo, mas também da expressão fílmica. As montanhas como cenário de fundo (aberto, livre) contrastam com o drama de ambientes fechados (nos bares, casas escuras, quartos e no fechamento social simbólico) e com a solidão sentimental extrema dos caubóis.

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À medida que suas vidas de aparência se desenvolvem, o drama nos faz torcer por eles, ao mesmo tempo em que a vida não ajuda nas tentativas de reencontro de ambos, cujo tempo somente os afasta. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla é outro show à parte, uma vez que Santaolalla também produziu a trilha do aclamado jogo “The Last of Us”, de 2013.

Enfim, “O Segredo de Brokeback Mountain” é um filme inesquecível, com o melhor da direção de Ang Lee!

Confira também o review de “Brokeback Mountain” em vídeo: