Crítica do filme Santa Maud | Terror religioso com pegada de "O Exorcista"

Apresento-lhes "Santa Maud", definitivamente um candidato a melhor filme de horror de 2021. Imagine um mundo onírico de terror que vai aonde a protagonista estiver. Adicione uma ambiguidade interpretativa esplêndida da atriz galesa Morfydd Clark, que vai dos signos da fé aos da psicose assombrosa em poucos segundos.

Agora, misture com muitos enquadramentos fechados e planos-detalhe do rosto da protagonista (uma espécie de “body horror”), ora possuída, ora em êxtase sexual. Obtenha um filme com a atmosfera das produções de Robert Eggers, com os efeitos de O Exorcista, mas com a classe da direção magnífica de Rose Glass.

Em "Santa Maud", acompanhamos uma jovem enfermeira reclusa, cuja personalidade facilmente impressionável a leva a seguir um caminho piedoso de devoção cristã após um trauma obscuro. Agora, trabalhando em uma unidade de cuidados paliativos, responsável por Amanda — uma dançarina aposentada devastada pelo câncer — a fé fervorosa de Maud inspira rapidamente uma convicção obsessiva de que ela deve salvar a alma da mulher da condenação eterna a qualquer custo.

Para além do simples jump scare, com laivos de folk horror

Desde “A Bruxa” (lá de 2015) que o público mais exigente a respeito de terror de atmosfera parte em busca de novas sensações no âmbito de um novo subgênero que fuja das convenções do jump scare, por exemplo: o “folk horror” (tradução literal para “terror rural”).

Nessa linha, temos outras produções, o clássico “O Homem de Palha” (1973, “The Wicker man”), “Midsommar - O Mal não Espera a Noite” (2019) e “Hereditário” (2018), ambos dirigidos por Ari Aster, “O Farol” (2020, de Robert Eggers), “O Ritual” (2017, dirigido por David Bruckner), entre outros.

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O que importa nessas produções é manter um clima de susto constante, por meio de uma atmosfera que aparentemente frustra o susto fácil, fato que garante um andamento rítmico diferente do horror convencional, de forma a manter a tensão do início ao fim.

Um terror psicológico, com sustos imprevisíveis que mantêm o suspense

Assim é Saint Maud. Para mim, um filme exemplar do subgênero horror de atmosfera e terror psicológico (com recursos do folk horror mencionado), mais enquadramentos sufocantes e angustiantes. Em suma, ao assisti-lo, ficamos pensando durante dias, sem saber que parte nos incomoda.

Toda atmosfera que envolve a sua narrativa retrata uma pessoa dividida, em que a fé delimita pouco claramente uma libertação e uma prisão, uma compreensão simples do destino divino, ao mesmo tempo em que a obriga ao confronto com os desejos da carne.

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A esses signos complexos, é acrescentado um terror psicológico e religioso que carrega uma imprevisibilidade absoluta da protagonista. Ora notamos seu controle pleno da situação, enquanto atua na função de enfermeira e cuidadora (uma espécie de máscara social), ora a vemos sair do controle, momento em que surge os confrontos da automutilação e dos desejos pelo sexo agressivo, sujo, intenso e assustador, acrescido de momentos de “body horror” e “face horror”, os quais nos fazem voltar à(a) cena para verificar se vimos aquilo ou não.

Em se tratando de terror, a diretora Rose Glass nos dá uma aula de tensão na montagem e na relação dos segmentos fílmicos, cuja antecipação lenta de um terror massivo esconde o local literal ou metafórico de onde o verdadeiro susto virá. Esperava bastante de "Santa Maud" e foi uma produção que não frustrou minhas expectativas.

Confira a crítica de Santa Maud também em vídeo:

Crítica do filme Festim Diabólico | Não basta ser bom, tem que se exibir!

Não há dúvidas que Alfred Hitchcock foi um dos cineastas mais talentosos de todos os tempos, algo que se prova a cada filme conceituado que vemos deste mestre do suspense. Entre suas dezenas de obras, o título “Festim Diabólico” ganhou projeção quando foi lançado lá na década de 1940, bem como foi uma película que só melhorou com o passar dos anos.

O longa-metragem que é talvez um dos filmes mais curtos de Hitchcock (com apenas 80 minutos de duração e já incluindo os créditos iniciais e finais) tem um enredo bastante simples. Todavia, não se deixe enganar, pois isso não significa absolutamente nada, dado que cada minuto da trama agrega muito ao desenrolar do mistério proposto.

Antes de considerações pontuais, vale uma pausa para falarmos sobre o nome deste projeto, que nada tem a ver com o título original da obra. Em inglês, o filme é apenas “Rope” (que significa “Corda”), mas as traduções aqui no Brasil sempre buscam ser um tanto sugestivas. Funciona bem se pensarmos no contexto e tem impacto maior do que apenas “Corda”, porém é um título ambíguo.

A tal festa pomposa, sugerida no título brasileiro, realmente existe no decorrer da história, porém o termo diabólico claramente tem uma conotação errônea aqui, uma vez que se trata de uma trama envolvendo um crime (obviamente, afinal estamos falando de Hitchcock). Agora, vem a questão: por que uma crítica do filme em pleno 2021?

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Bom, assim como comentei na crítica do filme Yojimbo, lançada recentemente aqui no site, há um serviço brasileiro que tem dado atenção especial aos cinéfilos que apreciam obras clássicas, seja do cinema japonês ou americano. Então, antes de falar do filme, confira a dica para você ver o filme de forma legal e acessível.

Como assistir Festim Diabólico Online?

Se você não é um cinéfilo dos mais viciados em Hitchcock, as chances são de que um ou outro filme dele tenha escapado de sua lista. É claro que “Festim Diabólico” não é a obra menos conhecida do autor, mas se você ainda não viu ou simplesmente quer revê-lo no conforto do sofá, vale conhecer o Belas Artes À LA CARTE.

Este serviço de streaming tem um amplo catálogo de filmes clássicos, que recebe novas adições periodicamente dos mais famosos diretores e títulos raros de encontrar no circuito comercial. Por apenas R$ 9,90 por mês, você pode ver os filmes no celular, no computador ou na TV (com Android TV, Apple TV, Roku ou Chromecast).

E, neste mês de junho, o À LA CARTE apresenta filmes para os mais saudosistas, incluindo “Festim Diabólico” e “Yojimbo, O Guarda-Costas”. Além disso, falando em obras mais recentes, a plataforma tem a estreia exclusiva de “Crime em Roubaix”, de Arnaud Desplechin. Então, fica essa dica!

Previsivelmente brilhante

A história de “Festim Diabólico” gira em torno do crime perfeito, mas não apenas um crime por ganância ou vingança, porém algo estrategicamente pensado pela simples demonstração de poder. Dois amigos — Brandon (John Dall) e Phillip (Farley Granger) — decidem matar um conhecido: David Kentley (Dick Hogan).

No entanto, eles estavam decididos a sentir a excitação do crime e de levar a emoção para um nível além ao organizar uma festa no local do ocorrido. Para piorar, eles chamaram o pai e a noiva da vítima. E para apimentar ainda mais a refeição requintada, eles também convidaram o professor de filosofia para o evento, alguém que é uma inspiração para eles.

O roteiro pode parecer mórbido e inusitado, mas mesmo sendo produzido lá em 1948, a trama teve inspiração em um crime real conhecido como “caso Leopold-Loeb”, que data lá de 1924, ocasião em que dois estudantes de Chicago comentaram o assassinato de um adolescente pelo simples desejo de cometer um crime perfeito.

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Um detalhe curioso é que, apesar de abordar um crime hediondo, “Festim Diabólico” não tem nada de extraordinário em sua trama. Partindo do ponto em que já sabemos qual é o crime, a vítima e os culpados, nos resta apenas entender como se dá essa ideia de poder que os protagonistas têm quanto ao tal do crime perfeito.

Assim, diferente de outros filmes de Hitchcock, aqui não temos algo a ser desvendado, mas há obviamente um fator surpresa e uma moral da história. No entanto, mesmo sendo um tanto previsível, o grande chamariz do filme é manter o espectador acompanhando os dois jovens tentando ocultar seu segredo frente aos convidados.

Um suspense com a corda toda!

Assim como em diversas obras de Alfred Hitchcock, temos um fator de simplicidade na execução do roteiro, não que o trabalho do cineasta tenha sido simples — longe disso —, porém toda a trama do filme se passa entre quatro cômodos de um apartamento: sala de estar, hall de entrada, sala de jantar e cozinha.

Justamente por esse cenário reduzido, toda a graça do filme está nos diálogos, que são extremamente polidos e cheios de nuances. Boa parte das frases tem um propósito, principalmente para subtramas traçadas ao longo da história. Contudo, temos um elemento inusitado aqui: um toque de humor.

Através de uma personagem inesperada, o filme consegue evitar um tom de mistério constante, o que dá um ar de maior tranquilidade para os protagonistas e para o público, que fica sem saber quando a “bomba vai explodir”. Eu não sei se isso é bom ou ruim, mas é algo diferente e que não atrapalha o desenvolvimento do roteiro.

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Por outro lado, temos um toque aguçado de investigação através do professor de filosofia Rupert Cadell, interpretado por James Stewart, que já é figurinha mais do que carimbada nos filmes de Hitchcock. Junto aos dois protagonistas, eles formam um trio bem peculiar que ficam num jogo oculto de dúvidas e suspeitas. Simplesmente perfeito para um filme desse tipo!

Por fim, temos um aspecto que faz toda a diferença: longas tomadas conectadas uma à outra que dão a intenção de estarmos vendo uma sequência perfeita do começo ao fim — pois é, bem antes de “1917” já existia “Festim Diabólico”. Cada tomada do filme durava cerca de 10 minutos, o que significa atuação impecável dos atores e um roteiro muito consistente.

Esse é o tipo de truque que somente alguém como Hitchcock ousava fazer e ele executa de uma forma muito orquestrada, com apenas duas ou três situações em que temos junções mais perceptíveis. É um filme que prende nossa atenção e que certamente figura entre os mais ousados do cineasta. Altamente recomendado!

Crítica do filme Yojimbo | O Melhor Faroeste de Samurai Pastelão

Há exatos cinquenta anos, portanto lá em 1961, o filme “Yojimbo, O Guarda-Costas” chegava às telonas dos cinemas do Japão. Levou quase dois anos para o filme chegar ao Brasil, mas seja do outro lado do mundo ou nas Américas, é inegável que este foi mais um sucesso do diretor Akira Kurosawa.

Para quem sequer havia nascido, ter conhecimento sobre esta obra-prima ou mesmo ter acesso ao filme pode ter levado muito mais tempo, ainda mais com a enorme dificuldade de encontrar filmes clássicos aqui no Brasil, isso tanto em mídia física ou quanto em serviços de streaming.

Digo isto com conhecimento de causa, pois eu gosto de obras desta temática e até agora eu não tinha visto este filme, já que toda vez que ele é regravado, as mídias custam caro e os estoques se esvaziam rapidamente. Além disso, é quase impossível achar este filme online. Assim, antes de falar do filme, vou dar a dica para você ver o filme de forma legal e acessível.

Como assistir Yojimbo online?

Quando falamos em streaming, há poucas distribuidoras que focam em títulos mais antigos e quase nenhuma consegue os direitos para transmissão online. A boa notícia é que agora há um jeito fácil e barato de ver “Yojimbo” e outros títulos clássicos e cults, seja do cinema japonês ou de outros países.

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O serviço de streaming Belas Artes À LA CARTE tem um amplo catálogo de filmes clássicos, sendo um prato cheio para quem ama obras renomadas dos mais famosos diretores e títulos raros de encontrar no circuito comercial. Por apenas R$ 9,90 por mês, você pode curtir esses filmes no seu celular, no computador ou TV (com Android TV, Apple TV, Roku ou Chromecast).

E, neste mês de junho, o À LA CARTE apresenta filmes para os mais saudosistas, incluindo “Yojimbo, O Guarda-Costas” e “Festim Diabólico”, de Alfred Hitchcock. Além disso, falando em obras mais recentes, a plataforma tem a estreia exclusiva de “Crime em Roubaix”, de Arnaud Desplechin. Então, fica essa dica!

Um Samurai malandrão

Em “Yojimbo”, acompanhamos a história de um ronin misterioso que chega a uma cidade dividida por duas gangues. Ali, ele percebe uma oportunidade de conseguir um bom trocado ao oferecer seus serviços como guarda-costas para os criminosos, mas por trás dessa astúcia pode haver segundas intenções.

Akira Kurosawa ficou muito conhecido por fugir do óbvio, sendo que sua história e direção de “Yojimbo, O Guarda-Costas” compravam que este era um princípio básico de sua visão visionária. No lugar do tradicional Samurai em um enredo linear, este mestre do cinema japonês preferia uma abordagem mais ampla, vendo os diferentes caminhos que um samurai podia seguir em sua jornada.

E o detalhe é que não se trata de apenas optar por falar de um samurai ou de um ronin (que é o samurai que não segue o bushido, o código samurai), mas de pegar um personagem desses e derivar em algo completamente diferente. Assim, o que temos não é um enredo superficial, mas um conto que leva a uma moral muito perspicaz.

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O simples fato de incluir um estrangeiro num conflito de gangues já dá muita margem para uma história excelente, porém o desenvolvimento do ronin com habilidades extraordinárias e ainda mais com um toque de malandragem garante uma conexão bem mais atenciosa com o personagem.

Cada vez que Sanjuro Kuwabatake (Toshirô Mifune) aparece em tela, temos a sensação de estar diante de um espadachim que sempre tem inúmeras intenções em cada frase de seu diálogo, algo que é comprovado no desenrolar do roteiro. Ainda que não seja imbatível em campo, ele é claramente superior aos inimigos por seu senso moral aguçado.

Aqui, vale pontuar como a atuação de Toshirô Mifune (de "Os Sete Samurais") é de suma importância para o sucesso da película, pois é o jeito ímpar do ator em incorporar esse ronin que deixa o filme ainda mais primoroso. Mifune vai do samurai pensativo ao habilidoso espadachim em segundos e, na sequência, já temos um ronin gargalhando das situações cômicas.

Flertando com outros gêneros

Eis aqui inclusive um ponto que faz de “Yojimbo, O Guarda-Costas” um filme único: a transição de gêneros. Apesar de ser uma obra sumariamente focada na ação, é visível como o filme atenua os dramas corriqueiros da época — não temos uma precisão da data, mas certamente já é algo depois de 1836, uma vez que temos um personagem com revólver.

E falando em armas, temos então um flerte inusitado: o faroeste. Kurosawa foi influenciado por títulos como "Matar ou Morrer" (1952) e "Os Brutos Também Amam" (1953). E aí, fica a questão: como pode um filme de Samurai também ter algo de faroeste? Bom, a verdade é que há muita coisa em comum quando pensamos nos duelos: intensos, pausados e sanguinolentos.

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No entanto, a abordagem de Akira Kurosawa vai bem além disso, justamente por ter a presença da arma de fogo. O casamento entre filme de samurai e cenas de pistoleiro não é algo apenas pontual aqui, pois Kurosawa faz um filme focado nos confrontos de campo aberto, o que garante longas cenas de diálogo até que a ação realmente exploda na tela.

Além dessa dualidade de gêneros na concepção do filme, fica claro que Kurosawa tenta inovar ao trazer um personagem mais cômico para sua obra. Apesar do teor violento, o samurai que observa seu jogo de intrigas dá boas risadas, de modo que algumas cenas têm um humor mais pastelão.

Importante notar como tudo isso é conduzido com maestria através de um elemento-chave: a trilha sonora de Masaru Sato, que abusa dos instrumentos de corda e dos tons mais pesados para as batalhas intensas, mas que usa de instrumentos mais agudos e alegres em boa parte das cenas engraçadas. O mais interessante é que o compositor fez todo esse trabalho de som em apenas uma semana!

Por fim, mas não menos relevante, temos o fato de que “Yojimbo, O Guarda-Costas” concorreu ao Oscar na categoria de Melhor Figurino, o qual foi desenvolvido por Yoshirô Muraki. E é nessa colcha de retalhes e nas ideias geniais que esta obra ganhou extrema relevância. Trata-se de um filme que não envelheceu, pelo simples fato de que ele nasceu para ser um clássico. Altamente recomendado para fãs do cinema japonês ou para quem gosta de um filme clássico!

Crítica do filme Liga da Justiça de Zack Snyder | Vale a pena ver a nova versão?

Alguns universos marcaram o cinema ao longo da última década. É o caso dos títulos que compõem as franquias entrelaçadas de heróis da Marvel e das sagas um tanto desconexas da DC. Cada uma com seu estilo de abordagem e produção, ambas conquistaram seus respectivos fãs, mas é inegável que a Marvel obteve maior êxito (falando principalmente de retorno financeiro e de recepção do público) ao fazer uma linha costurada entre seus títulos.

Por se tratar de um segmento midiático que não tem regras, a DC seguiu um caminho muito diferente, que visava manter cada herói em sua respectiva bolha. Isso funcionou muito bem ao manter filmes do Batman separadamente (empreitada iniciada lá em 2005 com “Batman Begins”), os quais certamente ganharam prestígio antes mesmo de a Marvel começar a sua construção de um universo compartilhado com o primeiro filme do “Homem de Ferro”.

O ponto é que uma estratégia cinematográfica não dura para sempre, sendo que a DC levou um bom tempo para entender a importância de interligar os filmes e jogar o jogo da concorrente, que aos poucos foi conquistando o público e forçando os fãs a assistirem vários filmes para ter uma base do universo mais amplo. Tudo isso garantiu que a Marvel culminasse sua jornada nos Vingadores, enquanto a DC ainda patinava para entender que o público já não queria filmes solos dos personagens (ou se queria, não queria da forma como eles fizeram).

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Após muito insistir em filmes separados e em decisões muito controversas (alô “Batman vs Superman”), a DC finalmente entendeu que a bagunça deveria acabar e um filme da Liga da Justiça seria necessário para mostrar ao mundo que ela também tinha seu time de Vingadores para o cinema. O único problema: a DC não formou uma base sólida (e coerente) de filmes que pudessem dar uma base de enredo ou mesmo de personagens para chegar no filme da Liga. Todavia, eles lançaram o filme mesmo assim.

O pior: o projeto que originalmente era de Zack Snyder foi transferido para Joss Whedon (que anteriormente trabalhava para os estúdios Marvel). A mudança repentina foi porque Snyder se afastou do projeto quando sofreu uma perda em sua família, de modo que os estúdios Warner optaram pela substituição do diretor, que foi ninguém menos do que Whedon, certamente um cineasta competente, mas que decidiu modificar o filme para ficar com sua cara, sendo que ele até modificou o roteiro e optou por refazer várias cenas.

Moral da história: o filme Liga da Justiça que chegou originalmente em 2017 aos cinemas não era nem de longe a visão de Zack Snyder, mas sim uma colcha de retalhes meia-boca, que, graças a ideia brilhante do estúdio em apressar o projeto e contratar um diretor de uma empresa concorrente (até agora ninguém entendeu isso), desagradou críticos e fãs.

Após a repercussão negativa, em que o primeiro Liga da Justiça amargou 40% de aprovação da crítica especializada no site Rotten Tomatoes e nota 6,2 pela audiência no IMDb, todos pensavam que a Warner deixaria o projeto de lado e seguiria a vida. Vez ou outra, algum site soltava rumor de que Zack Snyder faria sua própria versão do filme, uma vez que havia muito material de reserva que não entrou no corte de Whedon. Boato vai e boato vem, finalmente saiu a informação de que o filme existia.

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Assim, chegamos no lançamento de “Liga da Justiça de Zack Snyder”, que como o nome sugere é a versão que traz a visão ampla do criador original do filme. A obra reeditada por Zack Snyder tem mais de 120 minutos de cenas novas (sendo que o filme de 2017 tinha apenas 120 minutos, logo temos aproximadamente 4 horas de duração nesta nova versão). Isso sem contar novos efeitos especiais, novos personagens, formato de tela diferente e nova trilha sonora, culminando assim em um projeto bem mais completo e até muito diferente (apesar de trazer uma história similar).

Vale a pena ver a Liga da Justiça de Zack Snyder?

A questão que fica: vale a pena assistir à Liga da Justiça de Zack Snyder? Os conteúdos novos e a reedição justificam investir quase 4 horas de vida em frente à televisão?

Como quase tudo na vida, ainda mais considerando gostos pessoais com relação a filmes, a resposta para essa pergunta é: depende!

Basicamente, se você gosta de filmes de ação, de obras baseadas em histórias em quadrinhos ou se você for um fã do universo DC, muito provavelmente a nova versão da Liga da Justiça vai te surpreender positivamente. Isso porque, além de quase 2 horas de filme adicionais, há um novo tratamento de cor que deixa o filme mais sombrio, como sempre foi o universo DC nos cinemas. Talvez a coisa mais esquisita é o formato da película mais quadrado, que quase parece um filme para Instagram.

No entanto, se você não gosta de filmes do gênero ou se você é fã exclusivamente de obras da Marvel, então este longa-metragem (e bota longa nisso) vai parecer mais do mesmo, porém com um tempo de projeção alongado. Neste caso, às vezes, é melhor poupar seu tempo.

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Sem dar spoilers, a verdade é que a nova versão da Liga continua tendo diversos problemas com relação ao roteiro, até porque é impossível reparar todos os erros sem refazer o projeto completamente e, considerando que a Warner não toparia refazer o filme inteiro, o que temos é um remendo que tenta melhorar a narração da história e fazer tudo ter um pouco mais de sentido.

Só que não tem como uma segunda edição (mesmo com cenas extras) fazer milagres, porque o principal fator que limita este filme é a falta de material de background, ou seja, sem filmes dedicados do Flash e do Ciborgue, por exemplo, cabe ao filme da Liga incorporar algumas cenas que nos ajudem a compreender quem são os personagens e como eles se encaixam no contexto do grupo. Zack Snyder pensou nesse detalhe, mas o que temos aqui são pequenos enxertos, que dão uma pincelada nos personagens.

Com poucos minutos dedicados a cada personagem, é inevitável que o filme não consiga concluir a missão de garantir que o público se apegue aos heróis, já que são tantas histórias e poucas linhas de diálogo para cada uma, às vezes fica difícil ter empatia por um por outro, como é o caso do Ciborgue que, a meu ver, mais cria um peso dramático sem grande emoção, deixando o filme cansativo. Por outro lado, o alívio cômico mais exagerado no arco do Flash e algumas surpresas bem relevantes fazem o filme ganhar forças e até se aproximar muito do que deveria ser um filme de quadrinhos mesmo, com cenas inusitadas e impactantes.

Apesar de muitos acertos e algumas adições bem importantes, vale pontuar que ainda tem coisas que ficam soltas no filme (ou são conectadas apenas de forma superficial), inclusive, como exemplo, temos a introdução de personagens que poderiam mudar completamente o rumo do roteiro. No entanto, novamente Snyder cai no problema: sem poder refazer a obra por inteira, algumas cenas não fazem tanto sentido, mas ao menos elas ajudam a expandir o conceito do que poderia ser a Liga da Justiça se fosse pensada com cautela desde o começo.

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E aqui a culpa é do estúdio, que sempre fez tudo na pressa e sem refletir como alguns filmes causariam impacto no futuro do universo DC. E, aliás, eles continuam fazendo, né? Temos aí vários exemplos de séries televisivas (como “Batwoman”) e também de filmes para o cinema (como o “Esquadrão Suicida”) que podem até dar retorno de audiência, mas não necessariamente de receptividade. Mas voltando ao tópico da Liga, ao menos nesse ponto a Warner/DC acertou em deixar Snyder fazer seu corte do filme.

E vale o recado para quem pensa que o filme é muito longo: a nova versão da Liga é dividida em várias partes, já que o projeto foi pensando para exibição em capítulos no serviço de streaming HBO MAX, ou seja, se você não quiser assistir tudo numa única sessão, pode fazer pausas sem perder o sentido da história. Além disso, com as novas cenas, nova edição e a trilha inédita, o filme ganhou um novo fôlego e passa rápido, pois a ação prende nossa atenção e faz a gente mergulhar muito na pancadaria.

Por fim, mas não menos importante, é muito legal o filme ter essa nova versão com um epílogo, que mesmo não sendo um gancho para uma continuação concreta, mostra que havia a intenção e boas ideias para ampliar o universo DC, criando uma versão cinematográfica do que antes a gente amava na animação televisiva da Liga da Justiça Sem limites.

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Mesmo sem contar uma nova história, a “Liga da Justiça de Zack Snyder” consegue entreter e superar facilmente seu antecessor (até porque não era difícil, né?), sendo então uma boa pedida para os fãs dos personagens DC. Resta saber se o que a Warner vai fazer após o sucesso do filme (que tem aprovação de 71% da crítica e 95% do público no Rotten Tomatoes), pois já sabemos que tem novos filmes do “Batman”, do “Adão Negro” e de outros personagens vindo aí, mas com a mudança de atores e sem a unificação, o estúdio continua no problema que vem patinando há anos.

Crítica do filme Oldboy | A Vingança é melhor servida na martelada

Oldboy” (2003) é um filme nota 10 no quesito técnico e temático. Ao lado de produções como “Clube da Luta”, “Seven - Os Sete Crimes Capitais” (1995), “Bad Boy Bubby” (1993), entre outros filmes nota máxima em minha concepção, o que me encanta nessas produções não é a violência, mas o fato de ser ofuscada por uma configuração de temas diversos mais relevantes do que a própria violência explícita.

Como já tenho afirmado comumente em reviews, não costumo ter palavras para descrever as produções que acho excelentes. Mas, Oldboy, não o filme americano de 2013, e sim a produção sul-coreana de 2003, tirou nota dez de duas formas: por ser o filme que mais me incomoda até hoje; e por me abrir os olhos para o cinema sul-coreano.

Sobre a primeira impressão, o tema da vingança não é levado simplesmente a sério, mas ao extremo do extremo, de forma que se perde até mesmo a noção semântica dessa palavra, tão clichê em outras artes como na literatura e no teatro, por exemplo. Sobre a segunda nota máxima, o cinema sul-coreano, devidamente descoberto aqui no Brasil lá pelo início deste século, vem conquistando cada vez mais espaço, sobretudo no último The Oscars, com a vitória de “Parasita”.

O tema clichê da vingança com ar de novidade

Oldboy tem basicamente tudo colocado na prateleira (na ordem e na posição corretas) de forma a dar o efeito de sentido da vingança e da culpa necessárias ao percurso narrativo de cada personagem. Assim, no plot narrativo, nada sobra, pois todo signo se adapta à história. Assim, a clareza temática da vingança se expande para outros subtemas: o remorso, a hipnose, o incesto, o perdão. Comecemos pela premissa.

Um rapaz (Dae-su Oh, interpretado por Min-sik Choi) é capturado sem explicação aparente e preso em um quarto, com acesso a tevê e cuidados pessoais por quinze anos, sem ter contato com nenhuma outra pessoa. O que me incomoda não é o fato de estar preso, mas o fato de não saber durante 180 meses ou 5400 dias o “porquê de estar ali”. Somente essa premissa seria suficiente para um plot interessante.

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Repentinamente, Dae-su é solto em um lugar desconhecido. A partir desse ponto, irá buscar respostas, pois havia deixado um passado para trás: uma filha pequena, agora adulta. Ao iniciar a busca, as ações reveladoras vão acontecendo sem dar fôlego ao expectador, à medida que os temas mencionados vão encaixando na história de Dae-su, de sua filha e de um terceiro elemento, a ser revelado mais à frente na narrativa.

Esse elemento estabelece o encaixe temático completo com os temas mencionados, como um ciclo de vingança que se completa ao mesmo tempo em que anula o sujeito que buscava a vingança, por se tornar esta, de fato, o único motivo da vida do antagonista. Por isso, mencionei anteriormente a vingança no extremo do extremo, a ponto de anular o próprio sujeito que a cumpre.

Oldboy, um filme que não vai envelhecer

Sugiro que apenas assista a essa produção, que faz parte dos meus três filmes favoritos, a qual ainda vai demorar para sair desse pódio, por me incomodar a um ponto de ficarmos pensando dias sobre o filme. O seu final também é um show à parte, pois acreditamos que será vinculado a algo de extremo, mas não, ele fica no meio termo, como se fosse um “half measure” (meias medidas) para suportar a dor da verdade, ao mesmo tempo em que se deve conviver com certas ilusões.

Quer seja um grão de areia ou pedra, na água ambos afundam igualmente

No quesito violência, ela tem algo de novo (nas cenas longas de luta em plano sequência, com enquadramento em plano geral) e até mesmo um pouco de “torture porn” (tortura explícita), mas que tem sentido, pois se vincula ao excesso o qual mencionei, a partir de um personagem cuja ira não pode ser explicada por palavras, mas por ações que vão além da capacidade humana de compreensão. Enfim, parte do mote do filme é explicada em voz over (voice-over) por meio de um ditado: “quer seja um grão de areia ou pedra, na água ambos afundam igualmente” (Be it a stone or a grain of sand, in water they both sink).

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No Rotten Tomatoes, Oldboy tem avaliação de 94% do público, a minha simplesmente seria 100%. Ao estudar mais sobre o filme, descobri que ele faz parte de uma trilogia da vingança, com mais duas produções, cada uma independente, as quais abordam a mesma temática, todos dirigidos pelo genial Chan-wook Park: “Sympathy for Mr. Vengeance” (2002) e “Lady Vingança” (2005).

Confira esta crítica também em vídeo:

Crítica do filme Gattaca | Contra os negacionismos cada vez mais atuais

Gattaca, produção de 1997, trata de um futuro não tão distante, no qual a ciência venceu, porém, a falta de humanidade também. Na mesma direção, o que o negacionismo científico de 2021 nos diz sobre essa produção, que está próxima dos seus 25 aninhos? A genética ou a capacidade representa nossa identidade?

"Gattaca" conta com direção de Andrew Niccol e com produção executiva do consagrado Danny DeVito (o Pinguim do Batman, de Tim Burton). Nessa produção, a ascensão social é exclusivamente marcada pelo DNA (Ácido Desoxirribonucleico), composto orgânico responsável pelo desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos, cuja combinação é única para cada ser celular. Não por acaso, o signo principal do filme provém dos quatro compostos de Base Nuclear do DNA (Guanina, Adenina, Timina, Citosina) formando três sílabas, portanto, o título do filme = GATTACA.

Lembram da ovelhinha Dolly e o sequenciamento genético do final dos anos 1990?

A configuração temática da impossibilidade de ascensão social está presente no signo da fita do DNA, inclusive o formato da escada da mansão do ator coadjuvante Eugene, de "Gattaca" (Jude Law – sacaram o nome dele? Eu [do grego = bom) gene]?). Ele é a exata representação teórica do DNA, tendo em vista que, por ser paraplégico, ele não concede subir literalmente a sua própria escada, o que o faz também, para além da sua prisão chamada lar, que não ascenda socialmente.

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Assim, a estratificação social é garantida por um modelo, o qual chamamos sociedade estamental. Nesse sentido, o filme mostra que pouco após o nascimento, a partir de uma amostra de sangue, a criança já será sagrada ou condenada, pois o exame já mostra a probabilidade que terá de contrair doenças crônicas, prevendo até mesmo o possível tempo de vida.

No contexto de Gattaca, há o geneoísmo, o preconceito social por pessoas de base genética rejeitada pelas instituições. Nesse caso, os nascidos naturais, são chamados degenerados ou uterinos, filhos da fé, e até mesmo de inválidos, uma vez que se opõem aos bebês selecionados geneticamente, com sêmens de homens selecionados, em clínicas que disponibilizarão uma inseminação que produzira o feto mais perfeito possível.

São Uma Thurman e Jude Law os coadjuvantes que acompanham o destino de Vincent (Ethan Hawke), o qual terá como companheira a personagem de Uma Thurman, Irene, e seu fornecedor genético, Eugene, cujo excelente papel é feito por Jude Law. Este é um cadeirante que possui um DNA praticamente perfeito, mas sua ascensão foi interrompida por um acidente ainda jovem que o deixou deficiente quando era um atleta medalhista, que buscava o ouro na natação.

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Ele empresta seu nome verdadeiro, Jerome Morrow, a Vincent (Ethan Hawke), que, em virtude do péssimo DNA (de doença crônica no coração, ele é um filho da fé, uterino), ele aceita submeter-se a um duro processo de se passar por outra pessoa, a fim de ascender socialmente por meio do ingresso no projeto Gattaca. Embora não se explique no filme, está claro que é uma instalação de alta tecnologia, voltada para superdotados geneticamente, com o direito a fazer parte de um projeto espacial no final do curso.

Gattaca: um X-Men às avessas?

Se pensarmos bem, "Gattaca" seria um X-Men às avessas. A história de X-Men foca na mutação natural do gene, que torna o detentor da mutação menosprezado socialmente, mas ao mesmo tempo poderoso em alguma direção. Gattaca, por sua vez, não “tira com uma mão e dá com outra”, ou seja, ou se nasce geneticamente superdotado ou se vai para o baixo escalão social que esse tipo de seleção natural (ambientada em testes laboratoriais) destina aos seres “inferiores” geneticamente.

As entrevistas de emprego representadas no filme nem sequer pedem que o entrevistado fale, coloca-se um potinho na frente e pedem um fio de cabelo para teste. Assim, ao se deparar com essa situação, Vincent tenta ser um falso alpinista social, fato que o levará a procurar Jerome Morrow, Eugene, o cara do “bom gene”.

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A trama tem duas camadas, além daquela camada social que foi apresentada anteriormente, ou seja, há uma trama relacionada aos coadjuvantes de Vincent (já citados acima) e uma outra completamente clichê. De fato, esse outro percurso narrativo poderia ser excluído do filme, mas a influência hollywoodiana da produção tornou necessário mostrar o drama familiar de Vincent, o qual acredito ser o único incômodo do filme.

Na mesma direção em que Vincent é o oposto de Eugene, Vincent também é o oposto de seu irmão Anton, que, após seu pai não gostar dos genes de Vincent, decide produzir um filho biologicamente perfeito e o batizar com seu nome, Anton. Não é necessário dizer que os dois irmãos criam rivalidade desde pequenos e que, apesar de Vincent ser uterino, ele vence o irmão perfeito em um dos desafios e por aí vai esse plot chato. Para mim, um plot completamente desnecessário e o único problema do filme.

Muito antes de Black Mirror...

Tecnicamente, o filme é interessante pois se passa em uma sociedade distópica sem necessariamente valer-se de efeitos especiais. Como foca no tema da manipulação genética e não nos encadeamentos narrativos em planos rápidos e de ação, o filme é muito utilizado, por exemplo, em escolas no Brasil, para discutir a importância da herança e da manipulação genética e seus percalços sociais.

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O filme Gattaca serve de alerta sobre a questão de que o determinismo social pode fazer o ser mais perfeito geneticamente ser um inválido, enquanto a força de vontade (signo metafórico de Vincent) seria o motor para se vencer socialmente. Fica o mérito para a cena em que os alunos de Gattaca testemunham um pianista como o único ser que pode tocar aquela peça musical, pois ele tem polidactilia, por isso, os seis dedos o fazem executar com perfeição a arte.

Esse jogo de valores e outras camadas de interpretação é que importam no filme, por isso, o indico como um tipo de produção de arte mais lenta e de fruição sociocultural.

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Crítica do filme Psicopata Americano | Atuação matadora de Christian Bale!

Há 20 anos, o filme “Psicopata Americano” (American Psycho, de 2000) nos apresentava em definitivo Christian Bale, ator ainda pouco conhecido que foi escalado para protagonista no lugar de Leonardo DiCaprio.

Gostaria de saber o motivo da preferência por Bale? Indicado inicialmente para protagonista de American Psycho, DiCaprio fora preterido pela diretora Mary Harron, em virtude do seu target, após Titanic (de 1997), ser muito voltado para garotas adolescentes. Assim, Bale foi a primeira opção de Harron.

Ninguém pôde imaginar que Christian Bale, apesar dos papéis nos anos seguintes, em Equilibrium (2002), The Machinist (2004) e Batman Begins (2005), já havia feito um papel brilhante, senão o seu melhor papel, na pele de Patrick Bateman, nesta adaptação da obra homônima de Bret Easton Ellis, American Psycho, romance de 1991.

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O Café com Filme já apresentou uma crítica de “Regras da Atração”, filme baseado em outro romance homônimo de Ellis e que, inclusive, se passa no mesmo universo de American Psycho, uma vez que retrata a vida universitária do irmão de Patrick Bateman, chamado Sean Bateman, e interpretado pelo inesquecível bom moço James Van Der Beek. A controvérsia nasceu, por Van Der Beek ser o bonzinho Dawson, da série “Dawson’s Creek” (iniciada em 1998) e em “The Rules of Attraction” ser um controverso “vampiro emocional”, como ele diz no filme: “an emotional vampire”.

Crítica social da vida dos Yuppies

De volta a Christian Bale, a crítica em torno dele ressalta a sua incrível versatilidade e suas qualidades no cinema, sobretudo em “O Operário” (papel o qual Christian Bale atua pesando pouco mais de 50kg, pois tinha que passar por um sujeito com insônia grave; imaginem que o peso aceitável de Bale, com 183 cm de altura, seria em torno de 75kg).

No decorrer de sua carreira, Bale alterna entre papéis mais sérios, depressivos, sisudos ou heroicos, em direção a essa atuação controversa e brilhante de American Psycho, na pele do Yuppie de Wall Street e lunático Patrick Bateman. A partir da adaptação do livro homônimo de Bret Easton Ellis, Harron produz uma ironia ou uma crítica social em torno da vida dos Yuppies, jovens executivos de sucesso de Wall Street, que viviam de forma hedonista, consumista e fútil nos anos 1980

Bateman é retratado no filme basicamente se drogando, alugando VHS pornô, passando por caridoso social, surtando pela reserva do melhor restaurante, cometendo crimes (na mente ou na realidade, pois o charme da obra está na construção da ambiguidade), enfim, traindo sua namorada Evelyn, interpretada por Reese Whiterspoon, e odiando no íntimo seus amigos, dentre eles, Paul Allen, interpretado por Jared Leto. Aliás, o elenco de American Psycho é um show à parte: Willem Dafoe, Justin Theroux, Josh Lucas, Chloe Sevigny, entre outros.

Para além de Wall Street: ironia, terror e hedonismo

Em uma direção que me conquistou ao ver o filme, Harron opta por produzir o filme em duas camadas de signos, ou seja, há caminhos para a compreensão de assassinatos reais executados por Patrick Bateman, bem como uma outra construção argumentativa em direção mais metafórica. Nesta, os signos relativos ao ciclo de mortes, defuntos e execuções representam apenas uma mente enlouquecida na essência ou no plano da ilusão, mas que aparentemente não cometeu crime, tendo em vista que Bateman escondia um caderninho com desenhos macabros de mortes, o qual fora encontrado por sua secretária.

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Em suma, predominam cenas realistas de assassinatos cometidos por Bateman de diferentes pessoas do seu círculo social, desde mendigos e prostitutas a colegas de trabalho. Toda sua vida, enfim, é rodeada por signos que manifestam o tema da futilidade e do consumismo, por exemplo, em voz off, ele narra o que pensa sobre a cor ou a superfície do cartão de visitas do colega de trabalho, que produziu um cartão com muito mais gosto estético.

Os detalhes em “Psicopata Americano” são frívolos, isto é, o papel tem uma superfície mais delicada e com um tom de cor mais adequado, em que a aparência dos signos de sua profissão (seu traje, walkman, gravata, loção de banho, reservas nos melhores restaurantes, etc.) vão nessa mesma direção, pois configuram sua posição social de Yuppie.

A sua pseudo-noiva, Evelyn, o critica quando diz que seu emprego se deve a uma indicação do pai e que ele o odiava (“l don't see why you just don't quit” / Não entendo por que você não abandona essa vida), ao que ele responde: “I need to fit in”. Essa expressão equivale a encaixar-se socialmente ou a se conformar às regras sociais vigentes por aquela elite executiva de Wall Street, a qual vivia somente de aparências.

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Para finalizar, a versatilidade de Bale em “Psicopata Americano” confirma-se nas gradações de humor, nos acessos de raiva explosiva ou mais contida, na malícia em parecer alguém superior em muitos momentos e, em outros, parecer um animalzinho assustado a correr de um inimigo que não existe. Filme recomendadíssimo, por mostrar como era a vida dos Yuppies, por tecer uma trama em torno dos signos da futilidade consumista e social e por revelar essa pérola do cinema, que mistura violência, sátira, humor e crítica social.

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Critica do filme Magnatas do Crime | Se você não é o predador, você é a presa!

Dentre as muitas vítimas cinematográficas do proverbial “micróbio maldito” (ou mais precisamente a pandemia de Covid-19) está o excelente, Magnatas do Crime. Retorno às origens do britânico Guy Ritchie — depois do malfadado Rei Arthur: A Lenda da Espada e do genial, mas nada original, Alladin — o filme que até pode parecer um clichê dentro da cinematografia do diretor é, na realidade, uma grande análise de seu currículo.

Mesmo com nomes como Colin Farrell e Matthew McConaughey, é a dupla Hugh Grant e Charlie Hunnam quem comanda a película. Em um debate shakespeariano que desenrola toda a história do filme em um formato não linear e metalinguístico, a dupla mostra todo seu talento seja em longos monólogos expositivos ou em rápidas trocas bem humoradas de insultos.

Ritchie não se desculpa pelo estilo familiar, pelo contrário, parece se deleitar o que contribui para o desenrolar do filme e certamente mostra maturidade artística na capacidade de reciclar o próprio método, manipulando o seu estilo e conteúdo já característico para entregar um trabalho competente. Sem definir o que é autoindulgência ou assinatura artística, Guy Ritchie consegue lapidar Magnatas do Crime em um filme divertido e coerente.

A citação de um cavalheiro é a palavra de um cavalheiro...

Em Magnatas do Crime a história principal gira em torno de um chefão do tráfico que quer abandonar o negócio. Sem dilemas morais à lá Michael Corleone, Michael Pearson (Matthew McConaughey) é apenas um homem de negócios que faz uma “leitura do mercado” e percebe que está na hora de vender o seu lucrativo império de produção de maconha sediado no Reino Unido.

Entre a logística, análise financeira e outros riscos próprios da indústria em questão, Pearson precisa estudar com cuidado as ofertas para “passar o ponto, sem cair no conto”.  Como em outras obras de Guy Ritchie a história principal não é a única, e tudo o que acontece em cena é importante para o desfecho da trama. Até aqui, nenhuma novidade, mas a forma como o roteiro se desenvolve é inteligente, mesmo que confusa em alguns momentos.

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Ray — Charlie Hunnam em uma das melhores atuações da sua carreira — é o principal capanga de Michael Person. Certa noite ele é surpreendido por Fletcher, um investigador particular/jornalista seboso que é deliciosamente interpretado por Hugh Grant. Fletcher assume o papel de narrador (nada confiável) que explica um roteiro de cinema escrito por ele para seu anfitrião relutante.

O roteiro em questão é baseado nas operações da gangue de Pearson e como o seu intricado esquema de subornos e violência criou o império que agora está a leilão. Essa ginástica metalinguística flexiona o roteiro de Fletcher, salta entre flashbacks, e alonga diálogos expositivos, criando uma dança elaborada que captura a atenção até o último movimento da coreografia.

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É mais do mesmo, mas mesmo assim eu quero mais

Erroneamente percebido como uma obra amiudada, Magnatas do Crime, é uma belo exercício de técnica do diretor. Mostrando um refinamento de suas habilidades, Ritchie, explora vários elementos próprios de sua filmografia com mais cuidado e equilíbrio, chegando inclusive a revisitar sua carreira dentro do filme em um momento metalinguístico que espreme as barreiras entre ficção e realidade, criador e criatura, personagem e ator...

Em um ano tão atípico como 2020, Magnatas do Crime pode sim ser considerado um dos melhores lançamentos do cinema. Com poucas exibições e um desdém precoce por conta do supracitado “cinema repetitivo” de Guy Ritchie, o filme acabou passando despercebido por muitos, mas certamente vale uma conferida; seja apenas por seus méritos próprios como uma boa comédia policial ou por ser um título que abriga tanto material conceitual por trás da tela.

Afinal, quando o estilo de um diretor deixa de ser uma muleta e passa a ser reconhecido como uma assinatura?

Sim, você pode ver como “mais do mesmo”, ou seja, um filme de comédia policial que se resume a gangster britânico, pitadas de humor e cenas em câmera lenta, mas um olhar mais minucioso revela todo um estudo sobre o estilo de um diretor. Guy Ritchie, pretenciosamente ou não, retorna às origens justamente para aparar as arestas e mostrar sua evolução artistica, entregando um filme inteligente e bem acabado. 

Crítica do filme Rosa e Momo | Um amor improvável

Uma das produções mais recentes da Netflix é uma combinação inusitada de reggaeton italiano com Laura Pausini em múltiplos idiomas, o retorno de Sophia Loren e a estreia surpreendente do talentoso Ibrahima Gueye.

"Rosa e Momo" é um filme italiano dirigido por Edoardo Ponti, com roteiro assinado em coautoria pelo próprio diretor, Ugo Chiti e Fabio Natale. Apesar de fazer todo sentido dentro do contexto da película, que se passa na Itália, o livro que deu origem ao filme se passa na França, no bairro Belleville, em Paris.

A obra "A Vida Pela Frente", de Romain Gary, trata de um assunto que é hoje uma questão urbana importante de direitos humanos, cultura e educação: a vida e a perspectiva das crianças filhas de imigrantes e refugiados na Europa.

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Por se tratar de uma situação que marca todo o continente é que a história encontra eco também na Itália, onde foi situada na cidade portuária de Bari, capital da região de Puglia, no sul italiano.

A geografia é importante na história, porque tanto a cidade quanto toda a região, que são costeiras, recebem uma grande quantidade de imigrantes de diferentes regiões africanas, asiáticas e do Oriente Médio. É de uma dessas áreas que vêm o protagonista Momo - apelido para Mohammed -, menino senegalês de origem muçulmana cuja mãe foi morta e que, por isso, está sob os cuidados do Estado.

O responsável por Momo é o Dr. Coen (Renato Carpentieri), que trabalha com assistência social, mas também é médico e acompanha a saúde de Madame Rosa, interpretada por Sophia Loren.

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É graças ao doutor que as histórias de "Rosa e Momo" se encontram, de maneira que o médico consegue convencer uma já idosa ex-prostituta a cuidar de Momo por algumas semanas, até que ele encontre um lar para o menino. Embora esteja resistente à ideia no começo e ache o menino uma causa perdida, ela aceita a tarefa, acreditando que o dinheiro que o médico pretende lhe pagar por isso será útil.

Complementares

Imagine ser um menino de apenas 12 anos e ter a oportunidade de contracenar com uma verdadeira lenda do cinema mundial. "Rosa e Momo" é apenas o primeiro longa-metragem de Ibrahima Gueye, o que é uma grande surpresa, uma vez que a atuação do ator mirim é de uma perfeição impressionante.

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O menino incorpora o personagem com um talento inquestionável, com tanta maestria que, em muitos momentos, rouba a cena e tira a atenção até mesmo da própria Sophia Loren. Por outro lado, a experiência da atriz, que estava há dez anos afastada das câmeras e, aos 86, retorna para esta joia de filme, não passa despercebida.

Embora o filme inteiro funcione muito bem e outros atores e personagens sejam interessantíssimos e muito bem construídos - como é o caso de Abril Zamora (Lola), Babak Karimi (Hamil) e Iosif Diego Pirvu (Iosif), é na dança entre "Rosa e Momo", na sintonia entre Sophia e Ibrahima, que a história acontece e envolve o espectador.

Simplicidade e sensibilidade

O roteiro de "Rosa e Momo" não tem nada de novo nem retrata uma situação muito surpreendente, já no trailer todo o plot fica bastante óbvio. É um daqueles títulos que nem os spoilers conseguem estragar a experiência, porque qualquer pessoa que leia a sinopse já sabe o que vai acontecer.

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Mas é justamente na simplicidade da história e na qualidade da narrativa em que se encontra o trunfo de um filme como esse. Ver pessoas tão diferentes encontrarem conforto e carinho no sofrimento de cada um, nas diferenças e nas dores compartilhadas é o que faz com que o público se sinta abraçado pela tela.

Embora a imigração seja o tema central da trama, "Rosa e Momo" consegue passar também por outros temas paralelos que dialogam com essa questão central, da marginalização e do tráfico de drogas à maternidade, ao preconceito, à religião e à velhice. Mas nada disso resume o filme. No centro de todo esse contexto, está a generosidade, que parece ser a essência de tudo.

Karatê Kid e Cobra Kai | Nostalgia never dies!

Terminei de assistir à terceira temporada de Cobra Kai. Confesso que me lembrou um pouco do insucesso do último Star Wars. No entanto, há muitos "no entantos". São direções diferentes: Star Wars quis agradar pouco os fãs da velha-guarda e muito os fãs recentes, que talvez nem chegaram a ver os episódios IV, V e VI da trilogia clássica. Assim, Star Wars se manteve sem decidir uma direção definitiva para a trama, sobretudo com soluções mirabolantes aos protagonistas no final, infelizmente.

Cobra Kai, por sua vez, arriscou também, mas na direção de agradar novos fãs, e o fez com moderação. Explico: na primeira e segunda temporadas, notei muitas micronarrativas do tema High School, que passaram da conta, com muito foco no staff juvenil. No entanto, o link com o seu antecessor fundamental, "Karatê Kid - A Hora da Verdade", necessitava dessa trama, pois muito dela foi criada no ambiente da escola.

Enfim, diferente de Star wars, o rumo que a série Cobra Kai foi tomando nas duas primeiras seasons foi me agradando à medida que se manteve fiel ao elenco e plot original de Karatê kid, de forma a incorporar também novos personagens e relacioná-los aos elenco original.

Cobra Kai Season 3: sucesso e relação profunda com Karatê Kid

Achei que a Season 3 de Cobra Kai, lançada pela Netflix na primeira semana de janeiro de 2021, iria focar mais naquele universo escolar, mas não, pois aprofundou os dramas do quarteto principal da série: Larusso (Daniel-san), Johnny Lawrence (o loirinho do Cobra Kai, ator principal da série, interpretado por William Zabka), Kreese (o brucutu Martin Kove) e Ali (com o suspense da volta da linda Elisabeth Shue).

Penso que a série correu riscos ao tentar agradar gregos e troianos e fez direito. O drama High School diminuiu (spoiler agora), o que deu espaço para Elisabeth Shue reaparecer. Nas cenas, a sua personagem, Ali, dá o seu recado, inclusive um recado social para aqueles que se reencontram e isso não precisar ser sempre sexualizado, como se todo encontro de amizades antigas (o termo inglês “reunion”) rendesse cenas “calientes”.

Como agradar gregos e troianos? Polemizando e aproveitando trechos do filme original? Correto!

Enfim, acho que os encaixes entre Lawrence, Larusso e Kreese, com respeito aos seus passados e trechos das antigas, inclusive com alguns atores das antigas, convidados a atuar de novo (das produções Karatê Kid 1 e Karatê Kid 2), agradaram-me bastante.

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Aos fãs das antigas, recomenda-se rever os dois primeiros filmes citados, pois há muitas situações inexplicadas resolvidas em Cobra Kai:

  • Seria o chute de água de Daniel-San válido naquela disputa do primeiro filme que lhe rendeu o título local?;
  • Johnny Lawrence é realmente o vilão do primeiro filme ou ele seria alvo de bullying do próprio Daniel-san, o coitadinho do primeiro filme?;
  • Alguns personagens de Karatê Kid 2 reaparecem na season 3 de Cobra Kai, assim, qual é a sua importância?

Enfim, são perguntas interessantes para os fãs nostálgicos, bem como uma abertura interessante para os novos fãs da série, que também são contemplados com atuações mirins muito boas, sobretudo nos dramas juvenis e nas cenas de ação. Karatê Kid e Cobra Kai: nostalgia never dies!!!