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Critica do filme Os Eternos | Nada é eterno, mas algumas coisas permanecem

Depois de mais de uma década e 23 filmes, é fácil esquecer as origens do MCU. Apesar da Fase 1 do MCU estabelecer as bases do “estilo Marvel”, o tom das produções se desenvolveu em um arpejo crescente até a sua conclusão da "Saga do Infinito" em Vingadores: Ultimato. Entretanto, tudo começou com Homem de Ferro, Incrível Hulk, Thor, Homem de Ferro 2 e Capitão América: O Primeiro Vingador, filmes com estilos relativamente distintos e pouco parecidos com o frenético Guerra Infinita e o grandioso Ultimato.

Os Eternos não é só o primeiro capítulo da história deste grupo de super-heróis cósmicos, mas também faz parte do prefácio da nova saga que emerge no MCU. Chloé Zhao apresenta uma “história de origem” que funciona em vários níveis utilizando uma narrativa inteligente que desvia da ação desenfreada e investe no desenvolvimento de personagens por meio de uma grande aula de filosofia digna do professor Chidi Anagonye (do seriado The Good Place).

Guerra Infinita e Ultimato são o cume da primeira grande Saga da Marvel nos cinemas, enquanto Eternos é o sopé de uma nova montanha que se agiganta à frente dos fãs. Pensando assim, a escalada ainda é longa, mas o escopo de Os Eternos, sugere que o topo é ainda mais alto. Mesmo com alguns deslizes, e com um estilo próprio que o desloca dentro do MCU, Os Eternos é um filme sólido que apresenta um novo e interessante início do universo Marvel nos cinemas.

Quanto tempo dura o eterno?

Sem entrar nos detalhes da cosmogonia Marvel, basta dizer que os Celestiais são os seres mais antigos e poderosos de todo o universo. Em 5000 A.C., o Celestial Arishem envia para a Terra um grupo de dez seres superpoderosos chamados de Eternos com a missão de proteger a humanidade de  criaturas predatórias chamadas de Deviantes.

Sem poder interferir no desenvolvimento dos humanos, os Eternos seguem lutando contra os Deviantes até o dia em que estes estivessem totalmente erradicados e Arishem os convocasse de volta ao seu planeta natal. Milênios se passam e depois de várias “vidas” juntos o grupo começa a mostrar fissuras, questionando sua missão “divina”, a humanidade e seu papel não-intervencionista em um mundo que obviamente se beneficiaria de seus talentos.

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Entretanto, com o reaparecimento dos Deviantes, os Eternos são forçados a se reunir e proteger a humanidade da antiga ameaça, apenas para descobrirem que muito mais está em jogo do que a erradicação dos Deviantes e o seu retorno para a casa. Sem revelar qualquer spoiler e entregar pontos importantes da trama, Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo e Matthew K. Firpo conseguem trabalhar com toda a grandiosidade da obra de Jack Kirby dentro do microcosmo de cada personagem.

A narrativa que aposta em flashbacks expositivos que contextualizam elementos do passado e presente, do relacionamento dos Eternos com os humanos e os Celestiais, o roteiro trabalha vários elementos em diferentes níveis a todo momento.  A história é muito bem amarrada, ao ponto de mostrar que, de fato, não há um vilão na história.

Brilho Eterno

Gemma Chan, Richard Madden, Kumail Nanjiani, Lia McHugh, Brian Tyree Henry, Lauren Ridloff, Barry Keoghan, Don Lee, Kit Harington, Salma Hayek e Angelina Jolie. Misturando nomes em ascensão e estrelas já consagradas de Hollywood, o elenco de Eternos acerta em praticamente todos pontos.

Angelina Jolie, mesmo em seu “piloto automático” se destaca sempre que aparece em cena na pele de guerreira Thena, enquanto Don Lee esbanja carisma como Gilgamesh, o mais forte dos Eternos e guardião de Thena. Kumail Nanjiani cumpre seu papel de alívio cômico com naturalidade,  deixando muito espaço para seus companheiros roubarem as risadas.

Vale destacar o esforço de Richard Madden, que mesmo limitado – algo evidenciado desde sua temporada em Game of Thrones – ainda entrega bons momentos e uma atuação sólida como Ikaris (o Super-Homem da Marvel) um personagem que precisa de muita flexibilidade emocional. Infelizmente o mesmo não pode ser dito de Gemma Chan, que oferece uma performance tão sutil que beira a monotonia, algo que não explora totalmente o arco de crescimento e superação de Sersi.

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De eterno e belo há apenas o sonho

A lista de acertos de Chloé Zhao no roteiro ena direção também passa pelo seu uso inteligente da câmera que mescla efeitos práticos e poucas intervenções digitais.  Mesmo com a renomada Industrial Light & Magic cuidado dos efeitos especiais, a diretora deixa o impacto visual emergir da construção da cena e não necessariamente do efeito em si, algo que confere ainda mais força para uma tradução mais fiel da identidade visual do rei Jack Kirby e a Era de Bronze das histórias em quadrinhos.

As cenas de luta, mesmo que espaçadas são bem coreografadas e utilizam as habilidades de cada um dos eternos, e certamente redefinem alguns conceitos dos “filmes de heróis”, especialmente na forma como representam os poderes de seres velocistas. Em outras palavras, chega de cenas em câmera lenta para mostrar que o personagem está se movendo mais rápido do que os outros.

Os Eternos não cobre toda cosmogonia Marvel, mas abre vários caminhos interessantes para o futuro do MCU.

Dentre muitos acertos e alguns erros, Eternos é sem dúvida um dos filmes de herói mais interessantes dos últimos anos. Vingadores: Ultimato finalizou um longo arco cuja memória inda é muito recente para o fãs. Com o “corpo ainda fresco”, essa Fase 4 do MCU precisará superar  a expectativa do público para criar gradativamente a mesma grandiosidade que levou uma década para ser construída, para quem entende o contexto deste momento, Eternos se mostra como um ótimo ponto de partida.

Crítica do filme Cemitério Maldito (1989) | Stephen King em sua melhor forma

Pet Sematary (de 1989) é uma adaptação do romance homônimo de Stephen King, cuja ideia da grafia errada de “Cemetery” conduz a uma lógica brilhante. Apesar do baixo orçamento e da limitação do elenco, o filme ganha pela estória original (sua atmosfera de terror) e pela música da banda The Ramones. Gostaria de saber mais sobre esse clássico do terror dos anos 80?

“Pet sematary”, de 1989, é daqueles filmes cuja temática já nos causa arrepios. Em português, o tema ganha ares mais dramáticos, pois foi traduzido no Brasil como “Cemitério maldito”.

Erro ortográfico na medida certa

O plot já nos assusta: um médico pretende começar uma nova vida em uma cidade rural do Maine, com sua esposa e dois filhos. Em frente a sua residência, há uma estrada perigosíssima, rota de caminhões de carga pesada que cruzam aquele estado norte-americano. Em uma região no meio da mata, um pequeno cemitério de animais, que contém um erro de grafia na sua placa: “Pet sematary”. A genialidade desse erro também nos remete a uma inversão, pois aquele cemitério de animais é uma rota, nas montanhas, para um cemitério indígena, local em que se enterra gente por motivos diferentes.

cemiteriomaldito2 f4906Imagem: Divulgação / Paramount Pictures

A receita está dada: um médico busca uma nova vida, uma criança em perigo, próximos a uma estrada perigosíssima, um cemitério de animais que esconde outro cemitério antigo, com um segredo terrível: quem for enterrado ali, renasce, mas, conforme um signo de morte inverso, ou seja, na condição de ressuscitar com uma alma maligna.

Horror que nos prepara e cria empatia com personagens

O interessante é que isso já prepara o espectador para o pior. Em certo momento, a criança brinca com sua pipa e vai para a rodovia. Aparece um antigo morador da região e salva o garoto de um atropelamento certo. Esse senhor, conhecido da região (interpretado pela melhor atuação do filme, Fred Gwynne, faz amizade com o médico Louis, interpretado por Dale Midkiff.

Em outro momento, o garoto vai para a rodovia novamente e adivinhem: um caminhão o atropela. O mesmo senhor que havia salvado a vida da criança indica um caminho para ressuscitar o garoto. A partir desse mote, podem compreender como o filme se desenrola.

Trilha sonora: “The Ramones” de brinde.

O filme tem uma variedade de personagens e sustos que valem a pena, exatamente por não anunciar quando certas aparições irão acontecer, o que nos causa aquele susto sem anúncio e repentino, mas que se difere do desgastado jump scare. O trecho da música de The Ramones já contém parte do mote “Follow Victor to the secret place” e o convite a essa canção nos desperta vontade de ver o filme

cemiteriomaldito3 f5c01Imagem: Divulgação / Paramount Pictures

Victor é um espírito, deformado, mas bonzinho, grato por Louis fazer de tudo para salvar sua vida quando acidentado. Ele aparece para o médico, para alertá-lo do perigo do cemitério, após a morte do filho de Louis, pois o médico já havia feito um “test drive” no cemitério, enterrando o gatinho morto da família lá, mas o gato retorna completamente mudado, tipo, o capiroto em forma de bichano.

Não dê um bisturi para uma criança.

Já conhecem o dizer? Basta uma proibição para dar ainda mais vontade? Pois é, logicamente, apesar dos avisos de Victor e do gatinho que ressuscitou, o médico Louis enterra seu filho no local, e o resto já sabemos: menino volta malzão, pega um bisturi, e o resto já imaginamos também.

O que Louis fará com o menino e com o rastro de mortos causará um desfecho interessante, pois o filme vai além do terror gráfico, de forma a nos fazer ter pena de alguns personagens e ao final, essa sensação tende a aumentar. Enfim, um filme indicadíssimo para compor a biblioteca dos clássicos de terror, sobretudo, por ser uma estória de Stephen King, o mestre do horror.

cemiteriomalditoposter ea67bImagem: Reprodução / Poster Collector

Curtiu esta crítica de Cemitério Maldito? Então, que tal a opção de ver também em vídeo?

Crítica O Esquadrão Suicida | Um péssimo grupo em mais um péssimo filme

Volte e meia eu me pergunto o que nos leva ao “hype”, afinal há algo de mágico nos trailers que nos faz criar expectativas para alguns filmes como “O Esquadrão Suicida”. Muitas vezes, depositamos esperanças em nossos atrizes ou atores favoritos, afinal sempre temos aquela certeza de que “filme com Fulano é sempre muito bom”.

Em outras, acreditamos que algum cineasta pode ter um poder transformador. Há também situações em que queremos muito ver algum universo já existente ganhando vida nas telonas. E, claro, temos situações em que a combinação disso tudo somada com efeitos explosivos e trilhas incrivelmente bem colocadas faz nossos olhos brilharem.

Definitivamente, poderíamos dizer que “O Esquadrão Suicida” marca pontos ao completar todos os pré-requisitos, porém temos que lembrar que este é um segundo filme que dá continuidade ao universo introduzido em “Esquadrão Suicida” (criatividade mandou lembranças), que certamente é um péssimo filme da DC Comics.

A resposta para a existência dessa sequência é apenas uma: dinheiro. Mesmo com um roteiro terrível e personagens galhofas, o primeiro filme fez um sucesso absurdo. Tanto é verdade que ele abriu espaço para “Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa” e, agora, para mais um longa-metragem com a trupe bagunceira.

oesquadraosuicida00 ae486Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Quer saber se “O Esquadrão Suicida” vale a pena? Bom, a resposta para sua dúvida pode lhe custar apenas R$ 9,90 (na promoção) ou o dobro desse valor no pacote tradicional da HBO MAX, que tem este lançamento e todos os outros filmes recentes da Warner e DC Comics. No entanto, tal curiosidade pode lhe custar também mais de duas horas em frente ao televisor. A respostas curta é: não vale a pena. A resposta longa você confere a seguir.

Tentando consertar o que não tem conserto

Não há dúvidas de que o primeiro “Esquadrão Suicida” tem suas qualidades, afinal ele realmente deu vez para uma personagem muito acertada: a Arlequina. Todavia, ele foi tão fraco e não era algo designado para um universo próprio que, além de Margot Robbie, tivemos o retorno de poucos atores para “O Esquadrão Suicida”, sendo eles Joel Kinnamn e Viola Davis.

O desastre foi grande no filme antecessor, então a turma da DC Comics pensou em arrumar o problema trazendo um diretor de outro universo para o projeto. O nome é James Gunn, mais especificamente o cara por trás de “Guardiões da Galáxia”. A lógica é simples: se deu certo com a Marvel, tem que dar certo com a DC, certo? Errado!

oesquadraosuicida01 9c76bImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Ainda que James Gunn tenha ótimas ideias, seja um bom roteirista e diretor, seu desafio aqui era muito maior: pegar um monte de personagens aleatórios (que estão mais para Série C dos quadrinhos), colocar eles juntos numa missão aleatória, introduzir piadas aleatórias e tentar dar um sentido para a aleatoriedade.

Não é uma missão impossível, mas é no mínimo extremamente difícil, pois tal façanha exige que o público engula tudo isso e dê risada de situações absurdas em uma história inusitada. Novamente, temos Amanda Waller (Viola Davis) reunindo degenerados para resolver uma missão — aliás, a que ponto chega o desespero por dinheiro, hein, Viola?!

A missão desta vez reúne os personagens Sanguinário, Pacificador, Capitão Bumerangue, Caça-Ratos 2, Sábio, Tubarão-Rei, Blackguard, Dardo e, claro, a Arlequina. Eles são devidamente armados e jogados na ilha Corto Maltese, onde encontrarão o capitão Rick Flag. O objetivo: destruir um prédio que contém um segredo governamental.

oesquadraosuicida02 fcb1dImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

A história é ruim? Sim. O plano é ruim? Também. Todavia, “O Esquadrão Suicida” só aceita o fato de que isto existia nos quadrinhos (e fazia sucesso) e tenta jogar isso num filme sem se preocupar com lógica ou com o quão sem noção os personagens podem parecer para o público. As notas positivas e comentários positivos sugerem que deu certo, mas será mesmo?

A Galhofa não tem Limites?

Bom, vamos ser honestos. “O Esquadrão Suicida” é um projeto ambicioso e custoso, sendo que o resultado técnico do filme é mais do que excelente. Não há como negar que há muitas boas ideais por parte de James Gunn, com soluções criativas para emendar essa enorme colcha de retalhos e efeitos de ponta que impressionam no meio da ação desenfreada.

Assim, se você é do tipo que se contenta com muitas cenas de combate, tiroteios e correrias mirabolantes e, além disso, não dá a mínima para uma história coerente ou personagens minimante interessantes, então pode dar o play que “O Esquadrão Suicida” é tudo isso e um pouco mais. Os efeitos realmente são ótimos, com direito a um show da Arlequina em meio a um jardim de violência.

oesquadraosuicida03 a068eImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

No entanto, se você achou o primeiro filme difícil de engolir e preza por uma história com um desenvolvimento inteligente (e com protagonistas que realmente tenham conteúdo além de piadinhas toscas e gracinhas sem propósitos), então pode ter certeza que “O Esquadrão Suicida” será apenas um filme entediante que vai cansá-lo a cada novo capítulo.

Aliás, eis outro problema deste filme: a narrativa. Com uma série de fatos introduzidos de forma não-linear, a trama vai e volta no tempo várias vezes e tenta abraçar um mundo de acontecimentos. Alinhando tal enredo descontruído com personagens totalmente chatos (e com poderes ridículos), o resultado geral é uma grande galhofa da vergonha alheia.

É tudo perfeitamente inteligível, mas com tantas músicas comerciais querendo disputar atenção, a impressão de que temos é que o diretor criou uma série de vídeo clipes musicais e intercalou para dar o ânimo do filme. As primeiras vezes são legais, mas depois a receita cansa e fica difícil aturar a mesma técnica.

oesquadraosuicida04 b1f87Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

O pior é ver que há muitos bons atores envolvidos, bem como um capricho de direção e até um esforço de trazer algo diferente, porém o resultado geral é trágico. Se você é fã de James Gunn, vale mais a pena uma reprise de “Guardiões da Galáxia 2” do que perder tempo com “O Esquadrão Suicida”, que é uma obra inédita, mas cheia de piadas sem graças. Novamente, o universo DC prova que precisa focar em histórias e personagens menos caricatos e mais interessantes.

Crítica do filme O Diabo Branco | Terror argentino com estilo próprio

Até algum tempo atrás, os grandes blockbusters de Hollywood ditavam o rumo dos filmes em boa parte do mundo, afinal, se funciona com produções americanas, as mesmas ideias podem garantir o sucesso de outros projetos independente da nacionalidade, certo?

A história nos provou que a coisa não é tão simples. O ponto é que muitos títulos americanos só explodiram em bilheterias por dois motivos: elencos famosos e uma distribuição muito bem planejada. Esse argumento fica ainda mais evidente quando pegamos o segmento de filmes de terror, que a própria Hollywood faz o caminho inverso: remakes a partir de obras estrangeiras.

Assim, é bom quando vemos cineastas independentes indo na contramão. É o caso de Ignacio Rogers, diretor e corroterista de “O Diabo Branco”, filme argentino — e parte brasileiro — que chegou nesta semana aos cinemas brasileiros. Trata-se de uma obra humilde se comparada aos padrões americanos, mas que tem seu valor pela ousadia na proposta.

Na história, acompanhamos um grupo de amigos que viaja de carro pelo interior da Argentina, com o objetivo de passar um fim de semana num local aconchegante e próximo da natureza. No entanto, eles não imaginavam que este poderia ser um passeio um tanto perigoso, algo que vão descobrir ao cruzar com um misterioso homem na pousada.

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Longe de ser uma história inovadora ou com uma execução impecável, “O Diabo Branco” se mostra muito pé no chão e não tende para os truques baratos de filmes de terror. Há aqui uma ótima ideia, que com o devido amadurecimento de roteiro e uma verba maior poderia se tornar em um projeto grandioso. Ainda assim, é um bom filme. Vamos falar mais a seguir!

Histórias que já ouvimos

Se você já morou em uma cidade do interior, tem parentes em algum vilarejo afastado ou simplesmente mora no planeta Terra, há grandes chances de você já ter ouvido histórias assustadoras sobre “visagens” ou outros bichos que peregrinam em meio à mata. A grande maioria não tem pé nem cabeça, mas o telefone sem fio sempre fez as lendas circularem.

No mundo da ficção, a coisa não é diferente, sendo que há filmes com os mais variados tipos de contos de terror. Como o próprio nome sugere, a história aqui fala de um “Diabo Branco”, algo que pode ser figurativo ou até verídico — vou deixar isso em aberto para você não ter a surpresa quando assistir ao filme.

O ponto é que “O Diabo Branco” lida com coisas macabras, que incluem pessoas esquisitas (que pode ser apenas gente mal-encarada, mas que também pode ser gente do mal), muita coisa visceral e um flerte com o inexplicável. Esse é o tipo de filme que faz a plateia ficar até o fim da projeção ficar se questionando: mas é real ou os personagens estão vendo coisas?

Fato é que a trama é simples: uma viagem para repouso, coisas assustadoras nos arredores da pousada, um povo que não é muito comunicativo, pessoas sumindo, perseguições em meio à mata e um clima de que tem muita coisa errada. Junte a isso protagonistas bem reais (ainda que sejam atores, temos personagens menos caricatos) e o isolamento no meio do nada.

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Aliás, uma pausa. Um dos jeitos mais fáceis de fazer filmes de terror atualmente é levar o rumo da história para locais em que a comunicação com o mundo externa seja quase inexistente, bem como em situações que as pessoas fiquem sem seus aparatos tecnológicos. Tudo isso amplia o senso de impotência e deixa a coisa mais medonha.

A receita acima é ideal para um terror típico de filmes recentes como “A Bruxa” ou “Hereditário”. Cada um tem suas propostas, mas todos tem vários desses elementos em comum. Não que “O Diabo Branco” tenha grande relação com alguma das obras citadas, mas talvez não esteja tão longe também. Vou deixar em aberto para você descobrir.

Terror simples, mas esforçado

O roteiro pode ser importantíssimo para um filme de mistério, mas ele talvez seja apenas metade do trabalho. Como boa parte da experiência está atrelada à execução das ideias, é preciso ter genialidade na forma de filmagem, principalmente em como aparições vão ser introduzidas em cena e como os personagens vão encarar quaisquer que sejam os perigos.

Apesar de ser um filme planejado para uma atmosfera de terror em meio à mata, há diversas cenas que ocorrem em ambientes fechados e mais “caseiros”. É nítido que essas situações foram desafiadoras, pois o filme foca muito mais na reação dos personagens e faltou coragem para colocar as criaturas mais assustadoras do filme em primeiro plano.

Além disso, não é de hoje que a floresta é um cenário convidativo para o desconhecido, assim uma trama ambientada neste tipo de local garante espaço para a criatividade. Por outro lado, este tipo de situação dificulta a parte operacional, já que é preciso ter equipamentos de ponta para filmar no escuro, bem como um capricho extra para conseguir surpreender nos sustos. 

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A verdade é que “O Diabo Branco” não pretende ser o tipo de filme que apela para técnicas de jump scare, mas que assusta pelo exagero de sangue, pelo mistério em torno da lenda e pelo desconhecido. Tudo isso existe aqui, mas talvez não de forma tão caprichada, de forma que o diretor parece até optar por cenas mais distantes para não evitar mostrar muito a maquiagem.

O elenco num todo apresenta boas interpretações e, felizmente, diferente das obras americanas, aqui temos personagens muito mais críveis, com diálogos que parecem de verdade. Não se trata de algo amador, mas de uma condução bastante inteligente, para evitar frases de efeito e coisas toscas que são comuns em filmes do gênero.

No todo, “O Diabo Branco” é um filme bom de terror, com boas ideias e trilha bem instigante. Contudo, além dos efeitos rasos e a falta de ousadia, o filme sofre com uma história pouco desenvolvida. A impressão que fica é que faltou mais explicações dessa lenda da floresta. Uma boa iniciativa do terror latino-americano, mas há espaço para futuras melhorias.

Crítica do filme Rashomon | Obra-prima com história superestimada

Akira Kurosawa não é apenas uma das referências máximas do cinema japonês, mas é também um dos cineastas mais brilhantes de todos os tempos. Basta acessar o Rotten Tomatoes ou o IMDb para perceber como há um consenso sobre a genialidade dele.

Com obras como “Os Sete Samurais”, “Yojimbo, O Guarda-Costas” e “Rashomon” em seu currículo, Kurosawa conquistou o mundo com seu estilo próprio, o que se refletiu em diversas indicações em grandes premiações e até mesmo estatuetas, incluindo o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para “Rashomon”.

O detalhe é que vários desses filmes são quase impossíveis de encontrar em mídias físicas e são raros em serviços de streaming, sendo que nem mesmo as lojas mais famosas contam com estes títulos no catálogo. Assim, antes de falar sobre “Rashomon”, eu vou deixar a dica para você conferir o filme de uma forma legal.

Como assistir Rashomon online?

Filme antigos são raridades em mídia física, mas talvez sejam ainda mais difíceis de encontrar em serviços de streaming. Pelo menos agora há um jeito fácil e acessível de ver “Rashomon” e outros títulos clássicos, sejam obras-primas do cinema japonês ou de nacionalidades.

O serviço de streaming Belas Artes À LA CARTE tem um catálogo de filmes cults e raros, sendo uma ótima opção para quem ama obras clássicas dos mais famosos diretores e títulos raros de encontrar no circuito comercial. Por apenas R$ 9,90 por mês, você pode ver os filmes no celular, PC ou TV (Android TV, Apple TV, Roku ou Chromecast).

Neste mês de julho, o À LA CARTE apresenta filmes para os mais saudosistas, incluindo “Rashomon” e “A Flauta Mágica”, de Ingmar Bergman. Então, fica essa dica!

Quem conta um conto, aumenta um ponto

“Rashomon” tem enredo simples: uma história de assassinato e estupro é recontada a partir de múltiplas perspectivas, de supostas testemunhas e dos próprios envolvidos na história. Assim, o filme mostra os mesmos fatos diversas vezes, mas com algumas distorções nos diálogos e nas situações.

Com um elenco renomado, incluindo nomes como Minoru Chiaki, Takashi Shimura e Toshirô Mifune (trio que apareceu depois em “Os Sete Samurais”), bem como Masayuki Mori e Machiko Kyô, esta obra lá de 1950 esbanja talentos e se destaca pelas ótimas performances que são intercaladas no decorrer da trama.

É inegável que “Rashomon” é uma obra-prima do ponto de vista técnico. O filme tem uma direção incrível, com cenas incrivelmente complexas para a época de produção. As cenas de ação permeiam a trama em vários pontos e mostram não apenas o talento de Kurosawa, como ressaltam a importância de um bom operador de câmera.

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Obviamente, o resultado final é fruto do trabalho em equipe. A direção de fotografia é ousada, ainda mais com os cenários repletos de nuances e múltiplas fontes de luz, algo ainda mais difícil de equilibrar dada a composição em preto e branco. E há de se considerar o desafio na inserção dos personagens em meio a tais ambientes.

Akira Kurosawa não apenas apresenta uma direção precisa como garante um filme extremamente natural e pouco enfeitado. As lutas com espadas são prolongadas e até parecem contar com alguns improvisos, o que dá um toque especial de veracidade. Tais momentos são intercalados com as cenas dos diálogos, que ajudam na narrativa.

Não menos importante, temos componentes sonoros que fazem de “Rashomon” um filme bem orquestrado. A trilha sonora é muito expressiva e repleta de elementos que garantem o compasso da ação. No entanto, é no silêncio que o filme chama a atenção. Com as cenas de relatos e os diálogos em meio à chuva, a trama nos prende com seu tom de mistério.

Eu simplesmente não entendo...

Apesar de todos esses pontos a favor do filme e indo na contramão dos tantos fãs de Kurosawa, na minha opinião, “Rashomon” é um filme que sai do nada e vai a lugar nenhum. Eu não tenho o mínimo problema em argumentar contra um filme de Kurosawa, pois não se trata de uma crítica ao cineasta, mas ao enredo proposto neste título em particular.

É curioso que os personagens no início do filme soltam a frase: “Eu simplesmente não entendo”, numa situação em que eles estão meditando profundamente sobre o causo que será abordado ao longo da trama. O reforço no tom de confusão e de absoluto choque com a história do assassinato deixam o espectador ainda mais intrigado.

O problema é que esse grande suspense leva a um fato pouco surpreendente. No entanto, eis o xis da questão: não se trata de um filme para ter um entendimento. O propósito não é ser algo convencional, mas levar uma moral muito mais ampla sobre o egoísmo dos seres humanos e as diferentes verdades que cada um inventa.

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Talvez na época de lançamento ou a partir da perspectiva de pessoas com mentes brilhantes, “Rashomon” entregue de fato uma história de cair o queixo, mas a minha impressão é de que temos aqui uma genialidade superestimada. Não que seja forçado pelo filme, mas muitos críticos batem nessa tecla de forma exagerada.

Não se trata de um título simples, muito pelo contrário, há inventividade e uma moral válida, mas não espere uma conclusão surreal como a que os personagens sugerem no início da trama. No fim das contas, “Rashomon” é uma obra que vale a pena ver com atenção, porém, a meu ver, está longe de ser um dos melhores de Kurosawa.

Crítica do filme O Segredo de Brokeback Mountain | Solidão em meio à Tradição

Mais do que um drama, “O Segredo de Brokeback Mountain” (de 2005) é um filme sobre a solidão. Mais do que os preconceitos retratados na temática do filme e também na avaliação de muitos espectadores, um fato é verdade: Por que essa produção de Ang Lee, por um lado, incomoda tanto o público e, por outro lado, angariou da crítica notas altíssimas nas avaliações?

Brokeback Mountain é baseado no romance de Annie Proulx, escritora norte-americana de origem franco-canadense ganhadora do prêmio Pulitzer, de 1993, pelo romance “The Shipping News” (em português, “Chegadas e Partidas”, de 2001). De forma semelhante a esse filme, “Brokeback Mountain”, baseado nos contos de Proulx “Close Range: Wyoming stories” (de 2001), terá como signos temáticos a construção da Tradição.

Não aquela tradição vinculada à fundação de um povo, como “The Shipping News”, mas a uma cultura republicana e ao mesmo tempo ultraconservadora dos Estados Unidos entre os anos 1960 e 1990. O cenário é Wyoming, local em que dois caubóis, Ennis Del Mar e Jack Twist, um rancheiro e um vaqueiro, se conhecem na montanha Brokeback e passam a se encontrar em segredo durante anos.

Del mar é interpretado por Heath Ledger (premiado pelo papel de Coringa no filme “Batman - O Cavaleiro das Trevas”), e Twist é interpretado por Jake Gyllenhaal, outro ator conhecido por interpretar personagens complexos, como em “Donnie Darko” (2001) e “O Homem Duplicado” (2013), este baseado no romance homônimo de José Saramago.

O patriarcado e as vidas de aparência

A par de suas vidas como pais de família (e esse signo já invoca o tema do patriarcado e das obrigações sexuais e sociais do homem que não pode demonstrar sentimentos), o medo que ambos os vaqueiros demonstram ao esconder sua sexualidade vai sendo dramatizado sem pressa e sendo ampliado, à medida que ambos não suportam mais a dor do segredo e da solidão.

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O conteúdo polêmico sobre homens que se amam não é novidade. O tema reforçado em “O Segredo de Brokeback Mountain” já foi dramatizado por outros atores famosos, como DiCaprio, em Total Eclipse (1995) e Michael C. Hall (da série Dexter, em Six Feet Under, da HBO), ambos também com maestria na atuação.

Portanto, a forma com que os espectadores reagem a determinadas figuras do discurso fílmico (o caubói machão, a religião cristã, o conservadorismo republicano do oeste norte-americano) depende da forma como encaram seus opostos: o homem sentimental e o jogo de valores dos Estados laicos das sociedades modernas, cada vez mais distantes de todo tipo de preconceito social.

Vida de cowboy de cinema com trilha impecável

Tecnicamente, o filme não somente nos mostra contrastes do conteúdo, mas também da expressão fílmica. As montanhas como cenário de fundo (aberto, livre) contrastam com o drama de ambientes fechados (nos bares, casas escuras, quartos e no fechamento social simbólico) e com a solidão sentimental extrema dos caubóis.

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À medida que suas vidas de aparência se desenvolvem, o drama nos faz torcer por eles, ao mesmo tempo em que a vida não ajuda nas tentativas de reencontro de ambos, cujo tempo somente os afasta. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla é outro show à parte, uma vez que Santaolalla também produziu a trilha do aclamado jogo “The Last of Us”, de 2013.

Enfim, “O Segredo de Brokeback Mountain” é um filme inesquecível, com o melhor da direção de Ang Lee!

Confira também o review de “Brokeback Mountain” em vídeo: