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Crítica Um Dia de Chuva em Nova York | Um Filme de Woody Allen em cartaz

É difícil separar uma obra de seu criador. Dito isso, diante das polêmicas, muita gente possivelmente boicotará o novo projeto de Woody Allen. Contudo, tirando as questões controversas, devemos admitir que o cineasta encontrou seu estilo que, ainda que não agrade a todos, merece reconhecimento.

Dito isso, vou me concentrar em falar da obra “Um Dia de Chuva em Nova York”, tanto de seu brilhantismo quanto de seus momentos mais nublados. Em mais um roteiro de autoria própria, Woody Allen resolve trazer mais algumas historinhas cotidianas da cidade que ele tanto ama e sempre retrata em seus filmes.  

Assim como em outros projetos, Woody Allen opta por criar uma trama montada aos pedaços através de desventuras dos personagens mais inusitados possíveis. No centro desta bagunça da vida, temos a jovem Ashleigh (Elle Fanning) que precisa ir à Nova York fazer uma entrevista com o cineasta Roland Pollard (Liev Schreiber) que lhe renderá uma matéria para o jornal da faculdade.

Aproveitando a carona, Gatsby, o namorado excêntrico e antigo morador de Nova York, decide acompanhá-la para passar um dia romântico na cidade. Entretanto, nada sai conforme o planejado e os dois têm experiências completamente distintas num dia chuvoso, algo que pode resultar em grandes aprendizados para ambos.

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Como de praxe, eu gosto de adiantar o papo e esclarecer o assunto para quem não quer ler a crítica completa. Basicamente, “Um Dia de Chuva em Nova York” é mais um filme com a marca registrada de Woody Allen: personagens inusitados, aquele humor característico e um roteiro que sai do nada e vai a lugar nenhum.

O cineasta sempre teve esse jeito de fazer recortes do dia a dia, então nada de novidade aqui, mas isso não significa que o filme é ruim. No todo, é um filme que tem seu charme, principalmente pelas cenas bem planejadas, que aproveitam muito a sofisticação da cidade e a romantização de personagens que só existem em filmes.

Transtorno de múltiplas personalidades

Eu já vi uma penca de filmes de Woody Allen, mas eu acho que esse é um dos mais vagos em sua proposta. O filme tenta manter vários protagonistas, mas fica difícil compreender qual é o rumo que ele quer dar à história. Sim, há um desenvolvimento e um ponto final, mas isso não significa que a moral seja convincente.

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De um lado, temos uma personagem humana, uma jornalista que ilumina o filme, que dá o tom cômico. Do outro, há o jovem namorado que deixa o clima pesado, tanto por sua personalidade forçada e nada convincente quanto por sua falta de humor.  É uma jogada ousada do roteiro, que usa contrapontos numa história de amor e ciúmes.

O problema é que ele não engata em nenhum momento, devido a falta de conexão com a realidade. Ok, pode ser que existam pessoas assim, mas também é verdade que elas não necessariamente são as mais interessantes para um filme. Me parece que o resultado é só mesmo “Um Dia de Chuva em Nova York”, uma pura divagação sobre a vida juvenil.

E, pra ser honesto, no andar da carruagem, a gente acaba gostando muito de algumas cenas, mas pegando um ranço em outras situações. E mesmo que esse jogo de toma lá dá cá acabe culminando em algumas situações engraçadas, é difícil levar o filme no mesmo tom do começo ao fim.

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Falo tudo isso com sinceridade, pois assim como há pessoas que amam o humor proposto aqui, há também uma boa parcela do público que até pensa em degustar tons de comédia diferentes, porém que não vai encontrar nesta obra o melhor de Woody Allen.

E eu não sei o porquê, mas parte da história de “Um Dia de Chuva em Nova York” me dá a impressão de que Woody Allen tentou utilizar seus personagens para retratar parte de suas experiências profissionais ou, ao menos, podemos ter essa impressão com a história do cineasta fictício dentro do filme.

Desatualizado, mas moderno

Apesar dos personagens um tanto deslocados da realidade, é preciso atentar ao fato de que este filme consegue ao menos conversar com o público jovem. Parte do sucesso obtido aqui é do elenco muito bem escolhido, que sabe conduzir a história de forma elegante e bem-humorada (ou muito esquisita, como é o caso de um dos protagonistas que já comentei).

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Todavia, tão importante quanto os protagonistas são os coadjuvantes que não apenas agregam muito ao humor do filme, como em alguns casos até roubam as cenas para criar situações cômicas. Novamente, muitos dos caminhos apresentados sequer soam plausíveis, mas talvez essa seja graça da coisa.

Bom, apesar de obter sucesso em termos humorísticos por conta dos esforços do elenco, é inegável que Woody Allen já não tem o mesmo feeling com relação ao público, uma vez que ele não entende a nova geração que vai aos cinemas. As piadas até funcionam, mas somente com um pouco de esforço e paciência, pois é preciso digerir os personagens incomuns.

Como de praxe, uma característica positiva do filme é a composição muito marcante de direção de arte e trilha sonora. Sabe aquele tom sépia de fim de tarde alaranjada com cenários apaixonantes e as músicas em piano (aqui até tocadas por um personagem durante as cenas) já característicos de Woody Allen? Então, isso jamais sai de moda e claro que o diretor não iria tirar essa assinatura desta obra.

É sempre complicado sumarizar obras que ficam no limiar entre o agradável e o duvidável, mas eu acho que no fim, apesar das chatices e da moral fraca, Woody Allen ao menos consegue entregar um filme bonito e engraçadinho. Ele não encontra um gênero para seu filme e tenta mesmo manter essa ideia de como os caminhos se cruzam de forma aleatória numa bem imprevisível.

Crítica do filme A Grande Mentira | Bom demais para ser verdade

Primeiro de tudo, que a verdade seja dita: a indústria cinematográfica carece de bons filmes de suspense. Assim, quando surge um trailer de um filme como “A Grande Mentira”, que sugere uma história minimamente intrigante, ficamos interessados em saber os segredos que um roteiro possivelmente bem construído pode guardar.

Melhor ainda é quando vemos na prévia que estamos diante de uma obra com atores gabaritados como Ian McKellen e Hellen Mirren. Dessa forma, qual é a probabilidade de termos um resultado pouco convincente? É claro que a premissa de um filme e o elenco não garantem uma obra memorável, mas as chances são grandes.

Na trama de “A Grande Mentira”, o golpista Roy Courtnay (McKellen) pensa que tirou a sorte grande quando conheceu a viúva Betty McLeish (Mirren) em uma página de relacionamento. No entanto, aos poucos, Roy percebe que está se afeiçoando a ela, o que pode transformar um golpe brilhante numa corda bamba.

A sinopse não entrega muito, mas o trailer já exibe algumas pistas mais reveladoras. Então, minha primeira dica para quem não foi atrás de muitos detalhes, é parar o texto por aqui e ver o filme antes de ter a experiência prejudicada. Não que o trailer tenha spoilers, mas mínimas informações já podem deixar o enredo menos surpreendente.

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E já respondendo a dúvida daqueles que buscam um parecer que vai direto ao ponto: sim, “A Grande Mentira” é um filme bom. Apesar de tropeçar um tanto em sua própria colcha de retalhes, o roteiro guarda bem os segredos até o último momento. O maior problema talvez seja a enrolação do script e a história pouco crível mesmo.

Acontece nos filmes, não acontece na vida

Há muitas formas de criar um clima de suspense e, seja através de nuances na história ou ao esconder as tramoias de um personagem, o resultado pode ser completamente diferente. No caso de “A Grande Mentira”, a escolha de seguir o viés de um único protagonista nos dá um norte da história, o que tira um pouco da graça.

Mesmo tentando esconder o jogo, o roteiro não consegue disfarçar suas reviravoltas, de forma que a plateia apenas espera o momento de uma surpresa chocante. Isso não seria um problema se estivéssemos falando de um filme curto, porém os devaneios alongam e prejudicam o ritmo do longa-metragem.

Isso quer dizer que a história é ruim? Não, mas a demora em conectar alguns pontos nos leva a acompanhar uma trama diferente da que imaginamos. Ainda é um filme que prende nossa atenção, mas não necessariamente da forma que alguns podem estar esperando numa obra que poderia pender para um suspense mais intenso.

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Tirando esse desvio da proposta, ainda temos a questão dos detalhes que são pouco convincentes. Sim, eu sei que estamos falando de um filme, mas a aproximação com a realidade é um fator que pode ajudar a nos convencer de que não se trata apenas de uma ficção, o que poderia deixar o rumo da trama bem mais coerente.

A mentira tem pernas cansadas

Felizmente, acompanhar essa odisseia de mentiras é um deleite com protagonistas que parecem estar bem confortáveis. Estamos falando de estrelas com décadas de experiência, então tudo soa de forma natural. Claro que devido à idade dos personagens, a história chama a atenção para detalhes que são pouco abordados em tramas similares. 

Assim, aproveitando tanto essas características dos personagens quanto os atores, o filme consegue sair de uma pegada que seria mais suspense para dar espaço a alguns traços de comédia e até ação. Para falar a verdade, eu fiquei bastante surpreso com a versatilidade de Ian McKellen, que no auge de seus 80 anos mostra uma energia surreal.

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A química com Hellen Mirren é algo excelente também, algo que muita gente sequer imaginava ver, mas que felizmente aconteceu. A atriz com seus quase 75 anos também não faz por menos e, apesar de aparecer menos na trama, garante momentos muito impactantes, principalmente por conseguir disfarçar os traços de sua personagem.

Em termos de produção como um todo, “A Grande Mentira” não é exatamente um filme inovador e prefere jogar seguro, porém temos algumas cenas mais complicadas, principalmente algumas em meio a grandes áreas urbanas. O que chama a atenção mesmo é a reconstrução de alguns cenários, que enriquecem muito a história.

Enfim, se você não é uma pessoa muito exigente, provavelmente o rumo desta obra vai ser suficiente para sair satisfeito da sala de cinema e recomendando o título aos amigos que gostam de suspense. E acho que no fim é isso que vale, pois mesmo com alguns deslizes, o filme prende nossa atenção e se mostra uma grande mentira.

Crítica do filme Ford vs Ferrari | Uma volta triunfal ao passado

O tempo passa rápido e pode ser cruel. Passa tão rápido quanto as incríveis máquinas que percorrem as 24 horas do circuito de Le Mans e pode ser tão desgastante quanto o evento. Assim, muitas vezes, alguns grandes feitos na história são esquecidos como as marcas de pneus desgastados na pista.

Pode parecer um tanto poético, mas essa introdução é uma boa partida para falarmos de “Ford vs Ferrari”. Aliás, importante não deixar se levar pelo título, que pode dar a impressão de uma guerra entre duas fabricantes de automóveis, quando, na verdade, temos aqui um filme sobre seres humanos.

Então, para começo de conversa, este não é um filme dedicado somente aos fãs do automobilismo. A base da obra é a guerra entre as duas marcas na década de 1960, batalha iniciada pela Ford, que queria ir além dos carros de passeio:  ela queria ser a campeã de Le Mans, dominada, até então, pela Ferrari.

Todavia, apesar deste pano de fundo, o que temos aqui é um filme muito mais denso, que fala da ambição, da garra, do heroísmo e também da coragem do homem. E temos um tanto dessas características vindas de dois lados distintos: dos empresários e dos pilotos. É uma volta ao passado, uma busca para entender um pouco do que move esse mundo da corrida automobilística.

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E a soma de tudo isso poderia resultar em um filme superficial, afinal não é um bicho de sete cabeças filmar carros e fazer um relato histórico. Contudo, o que temos aqui é uma obra feita com paixão, que parece justamente dar vez às emoções, em vez de focar somente nos fatos.

Também não poderia ser diferente com talentos como Matt Damon e Christian Bale tomando o volante e um ótimo diretor para mostrar o que de verdade importa. Se o filme é tudo isso que estão falando? Sim, tudo isso e mais um pouco.

Há considerações a serem feitas – afinal, mesmo uma corrida perfeita pode ter algumas derrapagens – e como sempre há um público-alvo. No entanto, temos aqui um excelente retrato de homens que correm pela paixão, alguns que até podem ser desconhecidos para uma grande parcela dos espectadores.

Complexo como uma corrida

Eu não sei vocês, mas eu sempre me pergunto o porquê da escolha de alguns temas. Afinal, o que levou os irmãos Butterworth e Jason Keller a contarem essa história? Com tantos episódios na corrida, por que eles queriam falar deste episódio em específico? Qual a relevância do tema para o grande público?

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É claro que após tantos anos de acompanhamento da indústria de filmes, nós já temos uma percepção formada sobre os tipos de temas que Hollywood gosta de abordar, sendo um deles o reforço constante a supremacia das marcas e dos heróis americanos. Então, nesse sentido é bastante óbvio que eles queiram relembrar de como alguns heróis viraram o jogo em Le Mans e garantiram glória mundial para seu país.

Por outro lado, é interessante notar que esta não é uma história apenas de vitória, mas também de lutas e derrotas. O filme que é quase tão longo quanto algumas corridas (são 2 horas e 30 minutos) pode parecer cheio de curvas, aceleramentos e reduções de velocidade, porém há boas justificativas para esse ritmo inconstante e também para a duração prolongada.

Nesta volta ao passado, o roteiro de “Ford vs Ferrari” precisa dar o contexto histórico, apresentar os fatos, desenvolver protagonistas e fazer isso de forma emocionante – afinal, estamos falando do mundo das corridas, que é pura adrenalina. Dessa forma, apesar de muito coeso, o script alongado pode parecer cansativo para espectadores que gostam de filmes que vão direto ao ponto.

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E, novamente, parte do problema é o título enganoso, que nos atrai para uma corrida, mas acaba nos colocando no box para acompanhar a vida dos protagonistas. Só que isto não é uma coisa ruim, pois a emoção da coisa é justamente ver os “heróis” em suas próprias corridas para lutar contra o corporativismo e enaltecer o espírito do automobilismo mesmo.

Aqui sim, finalmente temos o que faz de “Ford vs Ferrari” ser um campeão: os humanos. E não estou falando apenas dos protagonistas, mas do elenco competente. O dinamismo entre Matt Damon e Christian Bale é perfeito, algo que só é possível também graças aos desempenhos individuais muito impactantes. Eles retratam seres humanos mesmo e são muito convincentes.

Sabe aquele tipo de coisa que só grandes atores como Matthew McConaughey conseguem fazer em filmes como “Interestelar”? De parar e chorar na frente de uma TV e fazer a gente mergulhar nas emoções? Esse é mais ou menos o feeling com Christian Bale aqui, que muitas vezes está sozinho no veículo e com uma câmera pegando todas as suas reações e somos convencidos com sua interpretação perfeita.

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E o mérito não é só deles, pois temos outros grandes talentos aqui que também ajudam a dar o contexto, como é o caso de Tracy Letts, que é responsável por uma das cenas mais hilárias e, ao mesmo tempo, emocionantes da película. E é na composição de pequenos trechos que “Ford vs Ferrari” leva o mérito de ser um dos melhores filmes do ano e também do gênero.

Voltando ao passado

É claro que uma produção desse nível não pecaria em detalhes técnicos, afinal o contexto é importantíssimo para o resultado final. Dessa forma, temos uma “direção impecável” (entendeu o trocadilho?) de James Mangold – que você possivelmente adora pelo incrível trabalho em “Logan” (não o carro da Renault, o filme neste caso).

Mangold prova sua versatilidade aqui por ter que lidar com situações muito distintas e que são bem difíceis de colocar num filme que tenta retratar uma época passada com tantos detalhes. Das situações domésticas, passando por diálogos mais intimistas, aos momentos mais acelerados nas pistas, com ângulos muito fechados nos atores, e mostrando com detalhes os acidentes comuns no automobilismo, somos levados a crer que estamos em 1960, mas vendo um retrato sem defeitos.

Tão bonito quanto uma Ferrari, tão emocionante quanto a adrenalina de correr num Ford GT40!

Mérito também da equipe de produção, que caprichou no design, e também do diretor de fotografia, que juntos pintam essa ambientação. Importante notar o trabalho também na reconstrução dos veículos e na simulação dos ambientes, pois ainda que muita coisa ainda esteja bem conservada, é preciso muita competência (e dinheiro) para criar essa atmosfera permeada por supermáquinas.

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O evento fica completo com a trilha sonora muito puxada para o lado emotivo, que nos permite sentir o batimento cardíaco acelerado e embarcar na emoção da corrida. Enfim, um filme que acerta no dinamismo entre planejamento e execução. Não é de se duvidar que ele realmente esteja indicado em diversas categorias do Oscar.

E, para finalizar, é bom ver uma obra que volta para contar sobre alguém como Ken Miles, que apesar de seus defeitos e de ter tido seus momentos de glória, merecia uma homenagem (e talvez esse tipo de reparação) proporcionada pelo filme. Vá ao cinema e sente no banco do carona, porque a corrida de “Ford vs Ferrari” é emocionante!

A Cor que Caiu do Espaço (2019) | Trailer oficial e sinopse

A família Gardner trocou a vida agitada na cidade pela calmaria do campo depois de herdar uma propriedade rural localizada perto de Arkham, Massachusetts. O patriarca Nathan (Cage), um artista sem reconhecimento, volta seus exforços para a jardinagem, mas não consegue obter os resultados desejados, mas tudo muda em uma noite quando um pequeno meteorito cai no quintal da família. A esfera roxa brilhante rapidamente se defaz em pó, mas não antes de infectar o suprimento de água local. Embora o efeito nas plantações seja abundante, a presença alienígena logo começa a ter um efeito prejudicial na família Gardner.

Crítica do filme Link Perdido | Ninguém quer viver sozinho

Indo na contramão dos grandes estúdios de animação e focando no trabalho duro, o estúdio Laika vem desenvolvendo incríveis produções há mais de dez anos, utilizando a consagrada técnica de stopmotion. Apesar de ser bem mais trabalhoso e demorado, é inegável que esteticamente o estilo é inigualável.

Link Perdido” é o quinto título do estúdio, uma comédia com tons de aventura sobre o explorador Sir Lionel Frost (Hugh Jackman), um excelente investigador de mitos e monstros. Porém, nenhum de seus colegas o leva a sério, barrando sua filiação ao clube de caçadores de lendas e desdenhando de seus feitos.

Para finalmente ser aceito, ele decide desafiar o presidente do clube e provar de uma vez por todas que o Elo Perdido entre o homem e o macaco existe, sendo conhecido por muitos nomes em mitologias diversas, entre eles Sasquatch.

Muita paciência e trabalho

Para quem se interessa pelos detalhes técnicos, “Link Perdido” demorou cerca de dois anos para ser produzido, em média apenas um segundo de animação por cada semana de trabalho. Vale a pena conferir o making of para entender como a animação foi desenvolvida e todo o carinho da equipe em criar um experiência única.

Infelizmente, apesar de ser o mais impressionante título do estúdio no sentido técnico, acaba pecando por falta de personalidade e ousadia narrativa, algo bem presente nos filmes anteriores do Laika. Pessoalmente eu não aguento mais filmes sobre abomináveis homens das neves e suas variáveis, então já fico com um Pé atrás quando sei que o filme aborda esse tema. Mas no caso de “Link Perdido”, só a animação já compensa seu tempo.

É visível que tanto o roteiro quanto os personagens foram simplificados para atingir um público mais infantil. Toda a graça do filme recai sobre o famigerado “Sr. Link” (Zach Galifianakis), tornando o protagonista Sir Lionel bem menos interessante do que os seus companheiros, além de ter um desenvolvimento bastante convencional.

Sr Link, é o famoso elo perdido entre os humanos e os primatas ancestrais. É interessante como ele quebra a ideia de “bicho estúpido”, mostrando-se sensível em diversas situações e raramente tomando decisões agressivas, além de entender tudo de forma literal.

A difícil tarefa de entender seu lugar no mundo

Entretanto, o roteiro assinado pelo diretor de animação de longa data do estúdio Laika, Chris Butler, se esforça para apresentar Sir Lionel e Sr. Link como dois lados da mesma moeda. De fato, há uma falsa equivalência no desejo de Sir Lionel de juntar-se ao clube Optimates de Londres, um grupo conservador que simboliza tudo de ruim da cultura Vitoriana, e a busca de Sr. Link por seus parentes distantes, os Yetis que vivem na mística Shangri-La, para que ele não precise permanecer sozinho. Ambos buscam a validação de seus semelhantes e o pertencimento, porém os motivos de cada um são totalmente distintos.

Os personagens secundários não chamam atenção, temos Adelina Fortnight (Zoe Saldana) que serve apenas como apoio emocional de Sir Lionel e gosta de mostrar que sabe se virar sozinha, mas constantemente precisa ser resgatada, nem sempre por sua culpa. Os antagonistas mal aparecem e são totalmente dispensáveis, representando a sociedade Vitoriana e servindo de chacota para o que há de pior nos britânicos.

Ainda assim, não há como negar que Link Perdido pode ser considerado o mais belo trabalho do estúdio Laika até hoje, lembrando que eles são responsáveis pelo magnífico “Kubo e as Cordas Mágicas”. A impressão é que Butler e seu time de animadores tentaram explorar visuais variados para demonstrar tudo que o estúdio pode alcançar. Vemos desde a Inglaterra Vitoriana até viagens tempestuosas pelo oceano e os montes gelados do Himalaia.

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O stop motion do estúdio nunca esteve mais fluído e expressivo, complementado com efeitos especiais de pós-produção, mesmo que haja uma busca pelo realismo ao invés de uma estilização maior nos designs, rostos e formas, com a possível exceção dos animais, que sempre tem uma cara bem engraçada.

Por outro lado, é mais fácil ficar frustrado pelo roteiro sem graça e desenvolvimento fraco dos personagens quando se considera todo o tempo, trabalho pesado e paixão que claramente foram colocados para que o filme fosse produzido, nada que torne a experiência ruim, mas vale salientar que o público alvo são as crianças mesmo.

Considerando todas as coisas, Link Perdido é o perfeito filme robusto reforçado por uma bela animação. Embora padeça da falta de profundidade emocional e temas mais ricos, os fãs certamente apreciarão o comprometimento do Laika em preencher seus filmes com personagens estranhos e igualmente bizarro no humor.

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Aqueles que se interessam são bastante encorajados a conferir na telona do cinema, onde é possível apreciar com detalhes esse universo criado com muito suor e amor. Afinal de contas, se o filme fizer sucesso, talvez mais dez anos de animações maneiras estejam por vir.

Critica do filme A Odisséia dos Tontos | Em União e Liberdade

Baseado no livro de Eduardo Sacheri, La Noche de la Usina, o diretor e roteirista Sebastian Borensztein apresenta em A Odisséia dos Tontos uma divertida história de um grupo de “perdedores” que luta por uma vitória contra o próprio sistema que os subjuga. Em tempos de crise política e econômica em toda a América Latina, a nova produção estrelada por Ricardo Darin — ator xodó do cinema hermano — aposta no poder terapêutico da história, ambientada na crise Argentina de 2001.

A trama simples e bem amarrada é elevada em todos os níveis pela direção inteligente de Borensztein. Explorando ao máximo o excelente elenco do filme, o diretor dá espaço suficiente para que Luis Brandoni, Daniel Aráoz, Carlos Belloso e até mesmo o filho de Darin, Chino — que também assina a produção da película junto com o pai — ditem o ritmo da película.

A Odisséia dos Tontos é mais uma ótima produção argentina e já desponta como pré-indicado ao Oscar 2020. Com um humor bem dosado e uma história incrivelmente atual e pertinente, o filme tem um carisma todo especial valendo cada minuto dos seus 116 minutos.

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Em uma cidadezinha nos cafundós da Argentina, um grupo de humildes moradores, liderados pelo casal Fermín Perlassi (Ricardo Darín) e Lidia (Verónica Llinás), decidem formar uma cooperativa para comprar e administrar um silo abandonado, reestabelecendo a economia local e gerando vários empregos na região. A utopia “anarquista” começa a se estruturar e um a um os moradores vão depositando a sua parte no negócio.

No entanto, mal sabem eles que o sonho está para se tornar em um grande pesadelo. Para facilitar a liberação do seu empréstimo, o grupo acaba depositando todo o dinheiro arrecadado no banco, mal sabiam eles que no dia seguinte o governo neoliberal de Fernando de la Rúa aplicaria o famoso “corralito”, congelando os depósitos dos poupadores e estabelecendo limites para a retirada de fundos — uma versão portenha do Plano Collor 1.

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Em tempo, o bando de perdedores acaba descobrindo que foram induzidos propositalmente a realizar esta operação financeira, para que outra pessoa, ciente do que estava por vir, pudesse tirar todo o dinheiro antes da medida econômica entrar em vigor. Furiosos com o esquema e desesperados para reaver suas economias, a cooperativa vai atrás do que lhes foi tirado, em uma vingança que traz justiça, não apenas para eles, mas para todos que já foram enganados pelo sistema.

É muito fácil se identificar com a trama do filme, não apenas pela proximidade geográfica dos eventos, mas pelo contexto histórico que teima em se repetir por toda a América Latina. Os tontos do filme são “pessoas reais”, aqueles tipos que encontramos em qualquer cidadezinha, ou melhor, qualquer bairro seja da Argentina ou do Brasil.

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Duas vezes Darin

Falar em cinema argentino contemporâneo é falar de Ricardo Darin, o “galancito” que chamou a atenção do mundo em Nove Rainhas, soma sucessos de crítica e público. Ano após ano o ator emplaca filmes sejam comédias, dramas ou policiais como O Segredo de Seus Olhos, Relatos Selvagens e Um Conto Chinês. Em A Odisséia dos Tontos não é diferente, o filme — mesmo em plena crise econômica (mais uma) — já é uma das maiores bilheterias portenhas do ano e pré-candidato argentino para o Oscar 2020. Além disso, o nome de Darin também aparece na produção e no sobrenome de outro coadjuvante da película, seu filho Chino com quem contracena pela primeira vez no cinema.

Mas o cinema argentino e A Odisséia dos Tontos não vive só de Darin, mesmo que sejam dois, o filme também traz um ótimo elenco de apoio com destaque para o trio formado pelo veterano Luis Brandoni na pele do borracheiro “anarquista” Antonio Fontana, o impagável Carlos Belloso e seu “Loco” Medina e Daniel Aráoz como Belaúnde, um peronista convicto.

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“Boludos”

De crise em crise a Argentina vem dançando seu tanto político há um bom tempo. O atual momento, de retorno peronista não poderia contextualizar melhor a obra de Borensztein, que diz muito sem falar alto, com um filme simples que explora o poder do grupo, da cooperativa, e brinca com o espírito Robin Hood do pequeno tirando do grande.

Como no brasão Argentino, em união e liberdade, o grupo de heróis sem grandes atributos se tornam maiores pela união de suas forças. O grupo de “idiotas” como eles próprios se intitulam, são capazes de forjar um plano que devolve a dignidade para todos que já se sentiram explorados pelo sistema.

A Odisséia dos Tontos cativa com seus heróis carismáticos e sua mensagem universal de vingança robin-hoodiana

Munido de uma ingenuidade quase que infantil, o filme de Borensztein equilibra comédia, drama e pitadas de crime no que é um ótimo “filme de assalto” (heist movie) à lá 11 Homens e um Segredo. Com uma história de pequenos contra gigantes, A Odisséia dos Tontos agrada todos os públicos e não ficaria surpreso se em breve Hollywood transportar a saga dos idiotas portenhos para o cenário estadunidense.