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Crítica do filme A Vida em Si | Um imprevisível caleidoscópio de emoções

Os seres humanos são seres muito complicados, principalmente pelo fator humano envolvido. Faz tempo que livros, filmes, séries, jogos e outras tantas mídias tentam sintetizar o que é, de fato, ser humano, mas a gama infinita de indivíduos e as inúmeras abordagens possíveis fazem com que jamais tenhamos uma noção real do que somos — ainda que no fundo nos achemos incrivelmente bem resolvidos e donos de nossa razão.

Fato é que os humanos só existem dentro de relações, sejam com familiares, pares amorosos ou consigo mesmos. É por isso que tantos autores tentam decifrar e trazer mais um pouco de humanidade para o debate. Nesse sentido, um dos nomes mais importantes nas obras fictícias é Dan Fogelman, criador da série This is Us (que eu carinhosamente apelidei de “Nóis na fita”), obra que trata justamente das dificuldades que todos temos em nossas vidas.

Bom, mas o que a série tem a ver com o filme? Tudo, pois ainda que não declarada, “A Vida em Si” vem para ser uma versão longa-metragem da série. Então são os mesmos personagens? Não, porém a premissa de desenvolver histórias mais humanas e suas relações interpessoais é verdadeira no filme, o que faz desta obra uma zona de conforto para os fãs da série. E para quem não conhece? Nesse caso, o filme ainda tem muito a agregar e vou comentar a seguir.

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No centro da história, temos o relacionamento de Will (Oscar Isaac) e Abby (Olivia Wilde), que estão prestes a construir uma família. O enredo segue através de décadas e países, mostrando como eventos ordinários podem conectar as pessoas e como isso pode mudar completamente o rumo das coisas — mais ou menos numa espécie de Efeito Borboleta. Ainda que um tanto óbvio em alguns quesitos, “A Vida em Si” se apresenta como um pontapé para o debate.

Acontece na vida, acontece nos filmes

É importante ressaltar aos espectadores que esperam acontecimentos inusitados, que, apesar de algumas surpresas, os eventos aqui não são nada de outro mundo. Há vários personagens comuns, com suas respectivas conquistas, derrotas, alegrias e tristezas. Para uma obra até não tão delongada, “A Vida em Si” consegue se aprofundar em questões que vão além de amor, passando por educação, profissão e cotidiano.

O roteirista consegue desenrolar as particularidades de cada protagonista, o que faz de cada um indivíduo. Todavia, mesmo que as ocasiões sejam únicas, fica claro que os exemplos dados são claramente viáveis no mundo real, dando a entender que o idealizador da obra buscava não apenas levar uma ficção ao público, porém histórias que muitos da plateia já vivenciaram. Então, qualquer coincidência não é mera semelhança.

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Todo o drama vivido pelo casal principal nos deixa muito ansiosos para descobrir a verdade por trás da história não-linear, que, por vezes, até conta com narradores como Samuel L. Jackson. E, apesar de assertivo em inúmeras passagens — assim como a vida, com seus altos e baixos —, o roteiro de “A Vida em Si” tem suas previsibilidades. Dan Fogelman é capaz de nos ludibriar por uns bons períodos, mas a história acaba ficando um tanto óbvia.

Inclusive, vale mencionar que, talvez, um quesito que pode incomodar os espectadores mais vorazes por um drama profundo seja o fato de o filme querer se explicar e dar voltas constantemente, como se o público precisasse de alguém segurando sua mão para mostrar algo incrivelmente surpreendente. Ok, de fato, “A Vida em Si” tem suas surpresas, mas também há um toque de ficção que grita: olha essa lição, se liga nesse debate.

Precisamos falar sobre a vida

Enfim, deixemos os detalhes sobre condução de história de lado e vamos falar do que importa: a mágica do cinema. Ainda que a direção mais intimista seja importante aqui com as cenas repletas de zooms, quem faz a história acontecer é o elenco muito bem selecionado. Apesar de alguns personagens serem negligenciados, eu vejo que o script consegue dar espaço para a maioria e os atores são excepcionais em suas representações.

É claro que Oscar Isaac, Olivia Wilde e ainda mais Antonio Banderas são figurinhas carimbadas que roubam as cenas, mas há uma gama de estrelas menos conhecidas, como Sergio Peris-Mencheta, Laia Costa, Mandy Patinkin e Àlex Monner que conseguem nos convencer do aspecto mais humano — talvez até por entregar mais simplicidade em seus personagens.

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Importante pontuar aqui que, apesar de ter essa “simplicidade” na interpretação, isso não deve ser considerado como algo raso ou vazio. Aliás, simples não é uma palavra que cabe neste filme, já que todos os relacionamentos são pautados no amor, que, obviamente, tem inúmeras facetas e gera situações bastante dramáticas, que se desdobram por várias gerações. A emoção rola solta, ainda mais com a trilha original de Federico Jusid, que força as lágrimas em momentos cruciais.

Eis, inclusive, um aspecto um tanto curioso de “A Vida em Si”: debate. Fica claro que o autor da película quis propor esse diálogo entre os personagens e levá-lo também para o público já nos primeiros instantes de filme, algo que deixa a experiência ainda mais interessante. É quase inevitável não comentar algo após os créditos, pois nós ficamos nos questionando sobre as relações da ficção, bem como de outras tantas (como as nossas próprias) que apresentam similaridades.

No fim do dia, Dan Fogelman constrói uma história um tanto forçada, mas a gente vai para o cinema já esperando isso, né? Por isso, aproveite a sessão, a pipoca e as reflexões. O agora é passageiro. O amanhã pode não chegar. Viva intensamente!

Crítica do filme 2 Outonos e 3 Invernos | A Arte imita a Vida

A magia dos filmes é poderosa. Dentro de uma sala de cinema, somos levados a acreditar em realidades imaginárias, situações impossíveis e histórias que dificilmente aconteceriam no mundo real. E mesmo as obras baseadas em fatos ainda têm uma pontinha de exagero. Seja no roteiro ou na execução, os idealizadores de um filme seguem padrões já consolidados.

E qual o problema em contar uma mentira de forma bem produzida? Absolutamente nenhum, afinal nós gostamos de — e, às vezes, até precisamos — ser enganados. O ponto é que existe uma enorme dificuldade para os cineastas conseguirem levar histórias ordinárias e personagens mais humanos às telonas, ao menos é assim no cinema convencional.

Daí é que entra a magia das produções independentes, que, no geral, tende a aproveitar a realidade como um elemento básico da produção. É claro que não podemos ser simplistas e dizer que todo filme indie segue essa premissa, mas há aqui espaço para uma representação mais simples e que, via de regra, será bem recebida pelo público — Ok, um público escasso e já acostumado com esse tipo de abordagem.

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”Então tá, mas eu entrei aqui para ler uma crítica do filme ‘2 Outonos e 3 Invernos’”. Verdade, por isso que era importante falar sobre essa diferença entre filmes habituais e produções de Hollywood. Esta obra francesa de Sébastien Betbeder aborda passagens de tempo (daí o título) de alguns personagens que poderiam ser pessoas quaisquer, talvez até você ou algum amigo. E eis aqui a parte curiosa deste filme, poderia ser a sua vida ali na telona.

A vida é uma caixinha de surpresas

A história começa com Arman, um sujeito comum, com uma vida comum e uma rotina também comum. E o que teria de interessante nisso? Eis aí a graça do filme: puxar o interesse do espectador para coisas comuns. Arman decide que, aos 33 anos, vai mudar de vida e começa com uma corrida no parque. Ali, ele tromba com Amélie, uma mulher que domina seu coração.

Depois, conhecemos o lado de Amélie, que tem lá seus vinte e tantos anos, bem como uma vida comum. No terceiro ato, conhecemos Benjamin, melhor amigo de Arman. Este último personagem vivia tranquilo da sua arte, até o dia em que ele desmaia por conta de um derrame. O que se passa a seguir é uma série de encontros, romances e memórias, tal qual um trecho da vida.

Possivelmente, não há nenhum trecho em específico que eu possa ressaltar aqui como o ápice do filme (até para não estragar a surpresa), mas, no todo, o filme “2 Outonos e 3 Invernos” faz questão de mostrar que temos altos e baixos, sendo que é essa montanha-russa de emoções que faz a jornada valer a pena.

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Com um tom de piada constante, até meio que indiretamente por conta do protagonista — que tem uma presença em cena muito engraçada —, o filme consegue arrancar risadas como se a gente tivesse vendo algum amigo na tela contar histórias bobas sobre paqueras ou situações adversas da vida. É quase impossível conter o riso com Vincent Macaigne, pois o cara é muito caricato e sabe como ser engraçado sem precisar forçar a barra.

Sabe aquela ocasião em que você chamou alguém para ir na sua casa e ficaram meio sem papo? Ou então aquela vez que você estava passeando pela rua e ficou reparando nas roupas dos outros? Pois é, o filme faz questão justamente de mostrar esses pormenores, o que deixa a gente traçando paralelos com a nossa vida. São aspectos simples, mas que nos fazem pensar em nossas rotinas e como algo desinteressante pode ser interessante.

Um mix de Twitter, Instagram e Spotify

Para compactuar com essa simplicidade de roteiro, o roteirista e cineasta Sébastien Betbeder usa de uma abordagem crua na narrativa e na direção. Conforme você já pode ver no trailer, os personagens costumam dialogar com a câmera, falando diretamente com o público e fazendo aquela voz de fundo, como se fosse a gente pensando nessas situações.

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E isso não acontece uma ou outra vez, mas várias vezes, o que é um trunfo sensacional do filme, pois são reflexões que a gente normalmente faz de ocasiões corriqueiras. Uma parte engraçada fica ainda mais engraçada com a imaginação dos personagens. Por vezes, as cenas são interrompidas com depoimentos dos protagonistas, um recurso bastante útil para complementar ideias e dar um respiro na história.

Simultaneamente, a gente vê um diretor abusar de uma direção intimista. Os personagens são descarados, falam entre si, param no meio do diálogo e falam com a câmera. Os recursos técnicos são bem escassos, mas isso é até proposital, para dar esse tom de realidade. Na vida, a gente não tem holofotes e câmeras profissionais, então é bem-vinda a ideia de usar equipamentos simples ou ao menos imitar esse efeito na película.

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Uma ideia muito genial é que o filme também é embalado como a vida real: através de músicas no MP3 Player ou no computador. A trilha sonora é bem comercial (para os padrões franceses) e deixa a película mais realista. Isso também faz algumas cenas serem incomuns. Um momento de tensão ainda é muito tenso, mas não existe aquela orquestra de fundo, apenas o silêncio de fundo e o personagem pensando no tamanho da burrada.

No fim do dia, o filme “2 Outonos e 3 Invernos” vem a calhar para a gente parar e refletir sobre essas situações comuns — algumas extraordinárias e preocupantes também —, bem como serve como uma pausa para respirar entre tantas produções de Hollywood. Num comparativo com as redes sociais, o filme faz bem o papel de divagação do Twitter, com um charme de Instagram e uma trilha básica de Spotify. Às vezes, o desinteressante pode ser muito interessante e divertido. Filme muito recomendado para quem busca algo simples e inusitado!

Crítica do filme O Primeiro Homem | Uma odisseia dramática e asfixiante

O fascínio do homem pelo inexplicável não vem de hoje, nem das últimas décadas. Basicamente, tudo que é ciência surgiu da curiosidade do ser humano em poder compreender o universo ao seu redor e dar um sentido à sua existência.

A curiosidade foi a força-motriz para inúmeras descobertas do homem, bem como foi o que deu propulsão à corrida espacial. E quando falamos em viagens para fora da Terra, dois nomes vêm à cabeça: Neil Armstrong e Christopher Nolan – tá, tem o Iuri Gagarin também, mas só para relembrar que “Interestelar” é sensacional.

E ainda que o russo tenha sido o primeiro a sair do planeta, foi Armstrong (estou falando de Neil, não de Louis – apesar de que os dois ficaram famosos por ver nosso mundo de um jeito maravilhoso) que ganhou a fama, principalmente pela influência da NASA e também de sua frase icônica, que repercutiu galáxia afora.

De lá para cá, a exploração espacial ganhou ainda mais notoriedade, sendo que o mundo pôde conhecer melhor a história de Neil Armstrong em 2005, quando James Hansen lançou a biografia do astronauta, conhecida como “O Primeiro Homem”. E foi baseado no livro que tivemos essa adaptação cinematográfica.

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Em suma, este é um filme que retrata um bom trecho da vida de Armstrong (Ryan Gosling), começando pela sua carreira pelo espaço aéreo terrestre, passando pela sua jornada na Agência Americana de Exploração Espacial até chegar em seu ápice: o primeiro passo na Lua.

Todavia, este não é um filme exclusivamente sobre a carreira de Armstrong, mas é também uma obra que tenta retratar a paixão do homem pelo espaço, o impacto na vida do astronauta e também a compreensão da humanidade diante da imensidão lá fora. Um filmaço que deve ganhar projeção massiva na corrida pelo Oscar.

Uma biografia além do homem

Falar sobre Armstrong é uma coisa óbvia, mas é interessante pontuar como é difícil separar o homem do contexto histórico em uma biografia. É claro que este poderia ser um longa-metragem exclusivamente da carreira do astronauta, porém a decisão de levar o script para o ambiente familiar, profissional e até mundial fez muito mais sentido, dado a importância da corrida espacial.

Assim, o roteiro precisa sair do convencional e criar uma verdadeira odisseia, que faça sentido tanto para o desenvolvimento do filme quanto para a atenção da plateia. E olha, para ser sincero, é muito bom ver que esta produção consegue resolver todos os pormenores em pouco mais de duas horas, sem deixar cansativo e ainda nos fazendo refletir sobre a imensidão de dúvidas que temos do espaço e de nós mesmos.

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A história que começa com as ambições de Armstrong não demora muito para abraçar o lado paterno do cosmonauta. Logo, muitos dos dramas pessoais dele refletem claramente em seus sonhos, deixando a película bem mais humana, uma vez que cada situação de preocupação pode representar um perigo gigantesco para uma missão que não é apenas pessoal, mas quase global se pensarmos no sentido mais amplo.

Particularmente, eu fiquei com um pé na Lua e outro na Terra com a atuação de Gosling – e talvez esta era a intenção dele. Ao mesmo tempo em que vemos algumas caras de drama meio indecisas, como se ele não soubesse bem o que está fazendo, também temos ótimas interpretações do ator em ambientes claustrofóbicos. No frigir dos ovos, me parece que ele queria dar esse tom mais humano.

A dúvida sobre Gosling aqui é se o público vai captar isso da mesma forma, numa mistura de quem está com medo, mas com sonhos grandes, ou se as pessoas vão interpretar que ele está com uma cara meio de androide, ainda herdada de Blade Runner. A parte interessante é que as pessoas não têm muita visão pré-concebida de quem era o verdadeiro Armstrong, então no fim quase que tanto faz.

Por outro lado, eu acho válido ressaltar que como a história não fica só na ambição do astronauta e dá espaço para outros personagens. A esposa de Neil (interpretada por Claire Foy) ganha atenção especial e se destaca junto a alguns parceiros de missão, garantindo outras perspectivas da biografia. Assim, talvez Ryan Gosling não foi incrível em todos os momentos, mas a Claire Foy (desculpem a piada).

Pé no chão, mas cabeça na Lua

Ainda que existam inúmeros profissionais por trás de um filme, eu diria que, em aspectos técnicos, temos quatro importantes figuras no caso de “O Primeiro Homem”: o diretor, o diretor de fotografia, o roteirista e o compositor da trilha sonora. Esses caras fazem mágica em vários momentos do filme.

A direção de Damien Chazelle (que a gente já aplaudiu em “La La Land - Cantando Estações”) é incrivelmente polida. Enquanto em sua premiada obra, o cineasta fazia os humanos dançarem em meio as estrelas, aqui ele faz os planetas dançarem enquanto os humanos tentam roubar o protagonismo.

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Os ângulos fechados nas cabines dos módulos espaciais, as cenas que evidenciam as reações do astronauta e as difíceis reproduções da nave no espaço são alguns desafios que o diretor tinha numa produção que até então ele não tinha nada similar, mas que ele tira de letra e mostra que aprendeu bem com outros cineastas. Em vários momentos, o filme é bastante angustiante e nos deixa sem ar, algo que vem a calhar.

Aproveitando seus brothers do último projeto, Chazelle chama Linus Sandgren para a parte fotográfica. Apesar de pouco tato em títulos do gênero, Sandgren prova que sabe o que faz ao entregar uma composição incrível tanto em ambiente terrestre quanto espacial. O pouso na Lua é simplesmente magistral, graças também ao trabalho desse cara.

O roteiro de Josh Singer aproveita de toda sua investigação já treinada em “Spotlight – Segredos Revelados” e “The Post – A Guerra Secreta” para esmiuçar a caminhada do homem até a Lua. Temos aqui um filme espacial, mas que não tem nada de ficção, uma vez que ele tenta ser o mais fiel possível aos fatos. O lado político do filme é excepcional e certamente nos coloca pra pensar sobre White Man on The Moon.

A missão fica completa quando o quarto homem entra a bordo. Justin Hurwitz parece completar sua orquestra iniciada em “La La Land - Cantando Estações”. A composição tem um tom forte de romance, que aqui é declaradamente entre homem e espaço. É um sopro de mistério, que ecoa (ainda que não haja propagação de som no espaço) de forma triunfal o passeio do homem por regiões inabitadas. Simplesmente genial apreciar músicas como "The Landing" e "Quarantine"!

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Talvez seja um pequeno passo para o público, mas certamente é um salto gigante para a carreira de Chazelle, que ultrapassa os limites terrestres e almeja o sonho grande na galáxia. Não me surpreenderia em nada se “O Primeiro Homem” fosse o primeiro colocado em alguns favoritismos no Oscar. Embarque nesta nave e aproveite a viagem!

Crítica do filme As Viúvas | Muito luto pra pouca luta

Viola Davis é Veronica. Michelle Rodriguez é Linda. Elizabeth Debicki é Alice. Carrie Coon é Amanda. Quatro mulheres com vidas aparentemente normais, que têm em comum o fato de que seus maridos trabalham juntos em um esquema organizado de assaltos que os mantém com dinheiro no bolso e a dose necessária de adrenalina para viver bem, enquanto as esposas se mantêm alheias ao que eles fazem, ao menos em parte.

Liderados por Harry Rawlings (Liam Neeson), eles se envolvem em um roubo particularmente truncado e, depois de uma perseguição policial, perdem a vida em uma explosão. A vida para Veronica, Linda, Alice e Amanda, então, se torna ainda mais complicada. Não bastasse terem perdido os maridos na perseguição, elas também ganham um enorme problema: dessa vez, Harry foi longe demais e roubou quem não deveria.

Endividadas e ameaçadas, elas decidem continuar o trabalho de onde seus maridos pararam e assumir a dianteira dos negócios porque, segundo Verônica, ninguém acredita que elas têm os culhões para isso.

Escrito por Gillian Flynn e Steve McQueen (12 Anos de Escravidão), com base no livro de Lynda La Plante, “As Viúvas” é também dirigido por McQueen, com a premissa de ser um filme que coloca as mulheres na dianteira das próprias vidas depois de um super baque.

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A presença de Viola Davis e a força que a atriz dá para sua personagem nas cenas do trailer dão a entender que o expectador pode esperar uma produção à altura de How To Get Away With Murder, grande sucesso protagonizada por ela atualmente.

Mas, se você está indo para o cinema achando que o que vai encontrar é um How to get away with theft, bem, hold your horses. Você até vai encontrar um pouco disso na essência da personagem principal, que incorpora um pouco da bagagem trazida por Viola de Analise Keating. As cenas em que a personagem lida, em sua vida íntima, com a perda do marido, por exemplo, são muito similares aos momentos de desconstrução da advogada da série. Mas as semelhanças param por aí.

Não é fácil ser mulher.

Diferente do que os trailers dão a entender, “As Viúvas” dá mais peso para os dramas das mulheres do que para as cenas de ação, em si. Como são muitas personagens e a trama está interligada também a um outro núcleo, composto por uma eleição em que se opõem o gângster ambicioso Jamal Manning (Brian Tyree Henry) e o típico político herdeiro e charlatão Jack Mulligan (Colin Farrell), a história toda demora para engatar na parte mais agitada e você provavelmente vai ficar com um pouco de sono se estiver com as expectativas erradas.

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Por outro lado, mesmo essa demora em contar as histórias individuais não faz com que elas necessariamente sejam muito aprofundadas. Sem dúvida, a que recebe mais atenção e a que é dedicado realmente um bom tempo de contar quem ela é e como chegou até ali é Verônica.

Veronica é humana, e ter sido colocada em uma situação de desespero não a transforma em uma repentina super-heroína talentosíssima e cheia de habilidades especiais – a versão feminina do Liam Neeson em Busca Implacável. Ao contrário: todas as personagens se comportam como provavelmente eu e você agiríamos se, de repente, precisássemos bolar um grande crime.

Entre lembranças, momentos atuais de reflexão e os planos para o futuro, conseguimos ter um panorama completo sobre a protagonista, que serve como vitrine para diversos problemas sociais que o filme se empenha a atender.

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E, embora a intenção de tocar em diversas questões que tornam uma sociedade complexa e completa seja louvável, “As Viúvas” se perde um pouco ao tentar relacionar tantas coisas, enquanto se pretende, ao mesmo tempo, ser um filme com um ritmo a la "8 Mulheres e um Segredo".

O machismo nas relações amorosas baseadas na dependência, a sensação de desamparo com que ficam muitas mulheres ao se verem sem seus maridos, conflitos familiares nos quais a mulher é sempre tida como a vilã, a responsável pelos problemas, mas sobre os quais quase sempre fica de mãos atadas.

Sem dúvida, o ponto central do filme é a perspectiva feminina da vida.

Mas, junto a isso, o filme também trata do racismo, da corrupção, de relações sociais de poder – para além da questão sexista. É muita coisa para abordar em um filme com medos de duas horas sem ficar aquela sensação de que um ponto foi apenas pincelado.

Não muito artístico, o filme usa de recursos como o silêncio e de efeitos sonoros com altos e baixos para confrontar as cenas de solidão com as de coletividade, e isso ajuda a dar ritmo e a delimitar o tom de cada fase e cada momento da construção da trama.

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Mas nem isso ajuda a tornar o filme um grande sucesso. Ajuda, assim como o competente elenco que o longa-metragem conseguiu reunir, cujo principal ponto alto é a diversidade na linha de frente. De cara, temos uma negra, duas brancas, uma latina, o que ajuda a equilibrar um pouco as coisas na telona.

Por essas e outras, “As Viúvas” não deixa de ser um bom filme e vale a pena ser visto, mas não com a expectativa de que o longa vai se voltar para o lado da ação.

Critica do filme Você Nunca Esteve Realmente Aqui | Como filosofar com o martelo

Lynne Ramsay já fazia barulho no mundo do cinema antes mesmo de assinar a direção de Precisamos Falar Sobre o Kevin, adaptação do best-seller homônimo de Lionel Shriver. Com um estilo narrativo singular, Ramsay apresenta roteiros enxutos e bem amarrados sem se apoiar nos diálogos. Com detalhes vívidos, suas imagens contam a história de maneira explícita.

Agora, depois de um hiato de quase cinco anos, Lynne Ramsay retorna com um soco no estômago dos espectadores. Você Nunca Esteve Realmente Aqui é o quarto longa-metragem da diretora escocesa que mostra toda sua maturidade cinematográfica em um filme que é ao mesmo tempo é intenso e reflexivo. 

Dona de um olhar apurado, Ramsay escreve com a câmera a história de um homem quebrado. Desconstruindo arquétipos e redefinido expectativas, a diretora aposta em um elenco mínimo, liderado pelo fenomenal Joaquin Phoenix, para abordar temas indigestos como pedofilia, abuso, trauma, luto e depressão.

Traga o martelo!

Baseado no romance de Jonathan Ames, o filme acompanha Joe, um veterano de guerra que utiliza sua brutalidade latente localizando e resgatando menores vítimas de exploração sexual infantil. Seu trabalho mais recente envolve a filha de um senador, mantida em um bordel de luxo em Nova York. 

Com uma violência bestial, Joe abre caminho dentro do estabelecimento até encontrar a jovem Nina em um dos quartos. Os dois escapam e enquanto esperam em um motel descobrem o pai da garota, Albert Votto se suicidou e para piorar tudo, a polícia está batendo na porta do quarto.

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A trama se move como um rio, mesmo que fluida há muitos obstáculos pelo caminho. O ritmo é completamente díspar do que se esperaria, mas é exatamente esse compasso que permite as impreteríveis refleções do personagem e seus atos. A ação está presente, mas de uma maneira muito mais “contemplativa” do que física. Joe pode ser um homem brutal, mas sua violência é melancólica. Já na abertura do filme temos um gosto do ímpeto dele Joe, mesmo que pouco seja visto no enquadramento, eis aqui o olhar refinado de Lynne Ramsay.

Eu ainda estou aqui

Joaquin Phoenix está impressionante. Na pele de Joe, o ator é a força motriz da película, as nuances de sua performance preenchem as lacunas do personagem, mostrando diretamente para o espectador aquilo que não é dito.

Enigmático e contemplativo, Phoenix trabalha a violência de Joe seja nos momentos implícitos ou nos mais explícitos. A mistura equilibrada de cenas fantasiosas estilizadas beiram o fetichismo, abrindo pequenas frestas na psique de Joe, mostrando apenas o necessário sem cair no erro da superexposição.

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A introspecção de Joe é importante na discussão da sua violência e como ela não se apresenta como uma ação catártica, mas sim como processo terapêutico continuado. A entrega de Phoenix é total, e mesmo com poucas falas sua atuação causa estrondo.

Melancolia cinematográfica 

Não foi surpresa quando Você Nunca Esteve Realmente Aqui foi indicado para a Palma de Ouro em Cannes. Por sinal, o filme acabou faturando outros dois prêmios na 70ª edição do famoso festival anual de cinema — melhor roteiro para Ramsay e melhor ator para Phoenix.

Entretanto, fica aqui um aviso, se você está esperando algo análogo a franquia Busca Implacável, você sairá terrivelmente decepcionado. Lynne Ramsay possui um estilo peculiar, no qual a ação e a violência, por mais explícitas que seja, causam um alvoroço internalizado. Em outras palavras, você não encontrará perseguições de carro ou parkour pelas ruas de Nova York, mas sim um mergulho na alma do personagem.

Lynne Ramsay propõem uma reflexão cadenciada sobre as repercussões da violência, e não apenas no ato em si

É fácil entender por que muito fazem a ponte entre Você Nunca Esteve Realmente Aqui e o clássico Taxi Driver - Motorista de Táxi (1976), mesmo que se enveredem por caminhos bem diferentes, ambos os filmes evocam a mesma voracidade, com personagens desajustados que buscam algum tipo de explicação para o mundo que os criou.

Crítica do filme Parque do Inferno | Você pode correr, mas não se esconder

Este é talvez um dos anos mais memoráveis para o gênero de terror. Foram tantas surpresas boas, mas o expediente ainda não acabou e dá tempo de mais uma sessão de sustos.

A partir de hoje, todos estão convidados a entrar numa brincadeira sem volta pelo túnel do terror. Em “Parque do Inferno”, podemos acompanhar a história de um grupo de amigos que resolveu embarcar na temporada de terror de um parque de diversão.

O evento que se passa na noite de Halloween tem como diferencial humanos fantasiados com as roupas e máscaras mais bizarras. Trata-se de uma ocasião tradicional do parque, porém os visitantes jamais imaginariam que um assassino estaria entre as atrações do espetáculo.

O filme chega meio fora de timing, mas também é compreensível, afinal, um título mais simples como este poderia sofrer muito na bilheteria com Michael Myers dominando nas telonas. Contudo, a parte boa é que já deu tempo para a galera passar o susto de Halloween e embarcar em uma nova onda de assassinatos.

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Já adianto que, ao contrário do que possam imaginar, o filme não é apenas um festival do jump scare, sendo que há muitas cenas em que o roteiro tenta uma pegada mais ousada, colocando assassino e protagonistas cara a cara. Todavia, já adianto que este não é um filme inovador, mas certamente é uma montanha-russa divertida para os fãs do terror.

Clichê do jeito que a gente gosta

Filmes de terror com jovens sendo perseguidos por um assassino enfurecido são bastante óbvios e, a meu ver, o trailer de “Parque do Inferno” deixa bem claro a pegada clichê da história, então não há razão para você ir ao cinema esperando um longa-metragem cheio de inovações.

A lógica é simples: apresentação do grupo de protagonistas, inserção do assassino na história, cenas divertidas, perseguição, matança, sustos, correria, mais matanças e por aí vai... Tudo é declaradamente linear, mas ainda assim há algumas nuances a serem exploradas, algo que pode funcionar muito bem num filme que tem como ambientação um evento de halloween.

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O ponto é que além do fator surpresa, já que não sabemos quando o vilão vai entrar em cena e de que forma vai atuar, o roteiro de “Parque no Inferno” consegue deixar as coisas mais interessantes ao pregar peças com tantas situações passíveis de susto. São tantos cenários escuros, esconderijos e personagens, que a gente fica apreensivo em vários momentos.

Depois de um tempo, a gente acaba percebendo que o filme aposta numa repetição de ocorrências, mas o próprio script faz questão de tirar sarro disso e alertar para os clichês de filmes de terror.

Isso não muda o fato de que os mais críticos verão uma série de argumentações simples, mas, sinceramente, pode ser mais do mesmo, só que talvez é justamente por conta disso que a gente gosta desse tipo de obra, afinal gostamos de sentir um frio na barriga.

Nem tão ficção assim...

Ainda que tenha uma história simples, eu gosto do jeito como as coisas acontecem em “Parque do Inferno”, ainda mais porque, diferente de obras sobrenaturais, essa história de assassino é bastante verossímil. Nada impede que um sujeito maluco coloque uma máscara e saia fazendo isso em um festival no Brasil e aí é que o filme tem mais um trunfo.

Com um personagem humano aterrorizando outras pessoas, podemos esperar inúmeras ações e reações, algo que o diretor Gregory Plotkin (que editou filmes como “Corra!” e “A Morte te dá Parabéns”) soube explorar bem. Conforme eu comentei, a pegada é muito menos jump scare e bem mais séria, algo também corroborado pela trilha sonora descompassada e tensa.

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Um assassino que para e fica encarando os personagens mostra sua audácia. Ele sabe o que está fazendo e quer incutir o medo em suas vítimas. São várias as cenas em que vemos o modus operandi do vilão ser explorado de forma a causar um impacto maior na plateia. Não há tanto sangue e brutalidade explícita, mas a imponência do sujeito já é bem escabrosa.

No fim, apesar de óbvio, o resultado de “Parque do Inferno” é um misto de diversão e medo, sendo que ele quase consegue passar a sensação de estarmos neste festival do terror. Com um elenco que sabe gritar e se mostrar amedrontado, o filme funciona bem e deve ser uma boa pedida para o cinema. Compre sua pipoca e boa sorte neste túnel medonho!